quarta-feira, 15 de julho de 2020

Mazelas do excesso de militares no governo – Editorial | O Globo

Oficiais da ativa não devem ter cargos, para evitar arranhar a imagem das Forças Armadas

Não se sabe ao certo a intenção do presidente Bolsonaro ao povoar seu governo de militares, alguns da ativa. Mas o que se observa é que essa predileção castrense tem funcionado como um escudo para o Planalto e tem sido motivo de curtos-circuitos desnecessários, próximos de crises institucionais, quando, num exemplo real, alguma decisão da Justiça desgosta oficiais. Entre eles há alguns da ativa, equivocadamente convocados a preencher cargos na máquina do Estado, que, se deve ser laico, também não pode se submeter a qualquer estamento civil ou militar.

Reconhecer isso não significa que se concorde com os termos usados pelo ministro do Supremo Gilmar Mendes, que, numa live, criticou o fato de o Ministério da Saúde estar nas mãos de um general de divisão da ativa especializado em logística, Eduardo Pazuello, dizendo que o “Exército está se associando a um genocídio”. Pode não ser cabível fazer esta associação do Exército com os mais de 74 mil mortos pela Covid-19, número que continua em ascensão, mas deve-se reconhecer que a solução dada por Bolsonaro para impor vontades nada científicas à Saúde não é boa para a população nem para as Forças Armadas.

Militares já reconhecem que é ruim para a instituição que oficiais da ativa tenham cargos no governo. Numa decisão sensata, o general Luiz Eduardo Ramos, que acumulava o posto militar com o cargo de ministro da Secretaria-Geral de Governo, anunciou sua passagem para a reserva. Sabe-se que Pazuello está sendo aconselhado a fazer o mesmo. O incidente com Gilmar Mendes deveria apressar este desfecho.

Neste caso típico de uso descuidado das palavras, os militares do governo não entenderam que o ministro criticava o presidente da República. Afinal, ele é o responsável por colocar um general na pasta da Saúde, na maior pandemia em cem anos. Terminaram patrocinando a emissão de uma nota do Ministério da Defesa, de Fernando Azevedo e Silva, com a sugestiva assinatura dos três chefes militares — general Edson Leal Pujol, almirante Ilques Barbosa Junior e o brigadeiro Antonio Carlos Bermudez. Mas preferiram acionar a Procuradoria-Geral da República numa interpelação a Gilmar Mendes.

Fizeram o correto ao usar o caminho institucional. Houve um avanço em relação à nota fora de tom de Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), emitida quando parlamentares de oposição encaminharam ao Supremo pedido para que o celular de Bolsonaro fosse apreendido.

Mas os desnecessários conflitos que têm ocorrido poderiam ser evitados se houvesse menos militares da ativa em Brasília, os da reserva se imbuíssem cada vez mais da função civil que exercem, e se tornasse padrão a iniciativa do Ministério da Defesa de interpelar o ministro do Supremo por meio da Procuradoria-Geral da República. As leis apontam todos os caminhos para a solução civilizada de conflitos.

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