quinta-feira, 23 de julho de 2020

Novo Fundeb traz avanços, mas vinculação é retrocesso – Editorial | Valor Econômico

A melhoria da qualidade pode não ocorrer, as metas podem se frustrar, mas os salários subirão, aconteça o que acontecer

Se dependesse dos ministros da Educação escolhidos pelo presidente Jair Bolsonaro, a educação básica ficaria sem financiamento no ano que vem. O principal veículo dos recursos, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico), vence este ano, sua prorrogação vinha sendo discutida desde 2015 no Congresso, mas o novo governo simplesmente se ausentou das discussões - preferiu se concentrar em outras, tolas, como ideologia de gênero, comunismo nas escolas etc. O Fundeb foi prorrogado pelo esforço da Câmara, que aprovou por esmagadora maioria a PEC 15, que vai agora ao Senado.

Com um ministro recém-empossado e acometido de covid-19, o governo chegou tarde nas discussões, tentou adiar o aumento de suas contribuições ao Fundo previstas no projeto da Câmara e acabou arrancando um naco dos recursos para a educação infantil para um Bolsa Brasil que ainda não existe. Na educação e saúde, cruciais para o futuro dos brasileiros, o governo de Bolsonaro tem as piores notas de um histórico já execrável.

O Fundeb reúne fundos por Estado para a sustentação de creche, pré-escolas e ensino básico públicos, com um complemento, antes da aprovação da PEC, de 10% sobre o montante aportado pelos Estados. Em 2019, foram R$ 156,3 bilhões, com R$ 14,34 bilhões da União. Entre seus objetivos está o de suprir a carência de recursos nos municípios mais pobres, diminuir a distância de seus sistemas educacionais em relação aos mais ricos e equalizar gastos mediante um valor a ser pago por aluno, que muda todo ano, considerado o mínimo comum necessário para o desenvolvimento da educação.

O fundo existe desde 2007 e reduziu muito a desigualdade de recursos entre as escolas municipais - ainda assim, a diferença hoje entre os menos e mais aquinhoados é de quase seis vezes. A PEC, com relatoria da Professora Dorinha (DEM-TO), contou com a colaboração de várias entidades de educação, e propôs modificações que devem melhorar a distribuição dos recursos, em especial da União, que chegavam a 9 Estados (7 do Nordeste, mais Amazonas e Pará) e agora serão disseminados por 24 Estados. A forma anterior de repartição deixava de fora municípios pobres de Estados ricos e isso será corrigido.

Mais importante, foi criado um incentivo para os municípios cujas escolas obtenham melhores desempenhos, aos quais serão destinados 2,5% do aumento extra a que a União estará obrigada. A PEC estabelece que em 2021, a União aumentará sua fatia no Fundeb para 12% e para 15% em 2022, crescendo 2% ao longo de 4 anos até chegar aos 23% aprovados em 2026.

Há avanços inegáveis em um setor tão vital para o futuro, mas há soluções erradas também. A necessidade de mais recursos para a educação básica é inegável já que, nesse caso, os gastos do Brasil giram em torno de um terço da média da OCDE, segundo a relatora. O gasto mínimo por aluno subirá de R$ 3.427 (2019) para R$ 5.508 em 2026, com aumento de 61% de acordo com a Consultoria de Orçamento da Câmara (Folha de S. Paulo, ontem).

A PEC, porém, dispõe que 70% dos recursos terão de ser destinados ao pagamento do magistério e dos funcionários da educação (a serem definidos em lei complementar) - antes, a fatia era de 60%. Entre 2007 e 2020, pelos cálculos dos economistas Marcos Lisboa e Marcos Mendes, o salário dos professores aumentou 67% acima da inflação, 12,84% apenas em 2020 (Folha, 21 de julho). Se a inflação se mantiver no centro do sistema de metas, esse salário crescerá pelo menos mais 35% acima dela. Os salários dos professores são baixos e compõem o maior custo das escolas, mas nutrem boa parcela dos déficits estaduais, que subirão.

O que é muito ruim é que o Fundeb, então provisório, será inscrito na Constituição, ou seja, será impossível reverter ao longo do tempo o aumento de despesas definido em condições que serão bem diferentes no futuro. Para mudanças será preciso quorum de dois terços na Câmara e no Senado. A vinculação amplia a parcela já muito elevada dos gastos obrigatórios (90%) e engessa ainda mais o orçamento da União. E pelo menos metade dos Estados estourou o limite de gastos com pessoal em relação à receita corrente líquida.

Ainda que salvar o futuro pela educação, sem a qual o país não vai a lugar nenhum, como tem demonstrado, seja prioridade zero, não é evidente o mérito da vinculação. A melhoria da qualidade pode não ocorrer, as metas podem se frustrar, mas os salários subirão, aconteça o que acontecer.

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