quinta-feira, 27 de agosto de 2020

A melhoria precária das finanças dos Estados – Editorial | Valor Econômico

O susto da pandemia deveria induzir os entes federados a dar prioridade à infraestrutura de saneamento, saúde e educação

A situação financeira dos Estados e municípios teve ligeira melhora no ano passado e não piorou tanto quanto se temia no primeiro semestre do ano, em plena pandemia. Entretanto, há problemas crônicos que não permitem traçar boas perspectivas para o futuro. O estudo recém-lançado pelo Tesouro, “Boletim de finanças dos Entes subnacionais”, mostra velhas e preocupantes tendências: o gasto com pessoal cresce, a fatia dos inativos na folha aumenta, as dívidas sobem e os investimentos caem. Tal caminho é o resultado de políticas determinadas e mudanças abririam caminho à solução.

No lado positivo, as receitas cresceram 7,6% em 2019 e foram maiores que os gastos com pessoal, que avançaram 5% em relação a 2018. O resultado primário foi superavitário em R$ 34 bilhões. Os Estados arrecadaram mais e receberam mais dinheiro de transferências - elas somam um terço do total de receitas primárias -, mas os principais gastos continuam em alta. O maior deles é a despesa com a folha de pagamentos. Nove Estados descumpriram o limite legal entre despesas com pessoal e receita corrente líquida, estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, com 60%. O total de gastos dos entes federados com pessoal e encargos sociais foi de R$ 443 bilhões no ano passado.

Onze dos 18 Estados que se comprometeram a cumprir a regra do teto de gastos, instituída para a União, para obter reescalonamento das dívidas, não entregaram o que prometeram. Além disso, os gastos financeiros líquidos com suas dívidas cresceram bem, 15,1% - R$ 43,8 bilhões no ano -, ainda que alguns Estados não tenham pago o que deviam à União, maior credora, porque obtiveram liminares do Supremo Tribunal Federal para não fazê-lo: Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Norte e Amapá.

Os gastos com pessoal tiveram crescimento real de 10,87% nos últimos nove anos, aponta o Tesouro, embora haja honrosas exceções, como as do Espírito Santo, Distrito Federal e São Paulo, onde caíram. A mediana do gasto per capita é de R$ 2.456 por mês, o que esconde médias e distorções. No topo está o Distrito Federal, com R$ 5 mil e depois Acre, Tocantins, Roraima, Amapá, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, que superam a média.

As despesas da folha estão concentradas em segurança e educação que, na média, são 57% do total. No entanto, em 4 de cada 5 Estados esta proporção é de 70% e chega a mais que isso no Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Os funcionários da saúde consomem 10% desses gastos. Segurança e educação concentram também os maiores gastos com inativos do Executivo: 41% e 47,3%, respectivamente. O déficit das previdências estaduais atingiu R$ 111,6 bilhões no ano passado. As aposentadorias avançaram na relação com as receitas correntes líquidas, de 14,3% em 2016, para 16,2% em 2019.

Os gastos correntes deixam os investimentos em posição cada vez mais subalterna. No ano passado, eles declinaram 19%, o que levou a uma redução de sua fatia no bolo das receitas líquidas de 24,7% - de 6,53% para 4,92%.

O encolhimento dos investimentos não é inexorável, mas uma decisão política dos governos de dar prioridade aos gastos correntes ao longo do tempo, inchando a máquina pública e contribuindo para sucatear a infraestrutura utilizada pelos cidadãos. O estudo do Tesouro sublinha que se os Estados respeitassem os limites de alerta da LRF com gastos de pessoal, de 54%, teriam economia de R$ 35,5 bilhões em 2019, um valor maior do que os R$ 33,9 milhões dos investimentos realizados.

Mas as renúncias fiscais têm um efeito ainda maior no orçamento. A média da taxa de benefícios concedidos no ICMS é de 16,8%, ou uma abdicação de receitas de R$ 91,7 bilhões, ou quase o triplo dos investimentos. O imediatismo das guerras fiscais garantiram investimentos de ontem, mas ajudam a sufocar os de hoje - 65% das renúncias concedidas são por tempo indeterminado.

Na pandemia, as receitas de Estados e municípios, no primeiro semestre, caíram 4,2%, ou menos R$ 13 bilhões. O auxílio direto da União aos Estados para a guerra contra a covid-19 foi maior do que as perdas - R$ 37 bilhões para gastos livres. Somado à suspensão do pagamento de dívidas, o apoio atingiu R$ 115 bilhões a Estados e R$ 18 bilhões a municípios. O susto da pandemia, em perspectiva otimista, deveria induzir os entes federados a dar prioridade à infraestrutura de saneamento, saúde e educação, e controlar mais as despesas correntes. A decisão é política.

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