- O Estado de S.Paulo
Com um governo melhor, o Brasil enfrentaria também melhor o
desastre sanitário
Nesse final de semana o
noticiário dá conta de que o Brasil ultrapassou a trágica marca de cem
mil mortes pelo novo coronavírus.
O maior impacto dessa tragédia humanitária tem sido os mais vulneráveis, tanto
do ponto de vista das condições de saúde, como socioeconômicas. São pessoas
idosas, de classes sociais mais baixas, negros e pardos e portadoras de doenças
pré-existentes. A covid-19 expôs de forma cristalina e seletiva a enorme
desigualdade social e de renda do país.
Para muitos essa hecatombe
sanitária seria evidência de que as instituições brasileiras não apenas não
estariam funcionando, mas também de que estariam completamente falidas. Esse
diagnóstico, entretanto, peca por atribuir às instituições o que seria
consequência das políticas governamentais escolhidas.
Daren Acemoglu e James Robinson
argumentam em seu último livro Narrow Corridor: State, Societies,
and the Fate of Liberty que desenvolvimento com preservação de
liberdades requer equilíbrio entre Estado e a sociedade. O Estado precisa ser
forte e poderoso para proteger as pessoas, garantir direitos e proporcionar
serviços para seus cidadãos. Mas a sociedade também precisa ser forte,
vigilante e atuante, para impedir que o Estado faça mal uso de seus poderes.
Para os autores, o “corredor estreito”, gerado pelo equilíbrio dinâmico entre
sociedade e Estado, proporcionaria as condições para a emergência virtuosa de uma
espécie de “Leviatã algemado”.
O desenho institucional
brasileiro que emergiu na Constituição de 1988 criou um Estado forte, dotado de
um executivo poderoso, com uma burocracia profissionalizada e meritocrática e
organizações de controle (i.e., judiciário, ministério público etc.)
independentes. Ao mesmo tempo, preservou um sistema político inclusivo e representativo,
capaz de acomodar praticamente todos os interesses da sociedade. Ninguém fica
de fora do jogo político no Brasil. Ainda por cima, estimulou o desenvolvimento
de uma sociedade livre, complexa e, acima de tudo, vigilante para conter
potenciais desvios ou arroubos iliberais de governos de plantão.
O resultante dessa combinação
tem sido o desenvolvimento de instituições nitidamente inclusivas, mas não
necessariamente eficientes. No livro Brazil in Transition:
Beliefs, Leadership and Institutional Change eu e
meus coautores argumentamos que o perfil de inclusão, na realidade, tem sido
dissipativo, em que a estabilidade democrática seguida de redistribuição e
inclusão social são efetivamente alcançadas, mas também esse processo é
acompanhado por distorções e ineficiências. É importante lembrar que esse
perfil é o comum em países em desenvolvimento, e não apenas no Brasil.
Mas a existência de dissipação
não cancela a natureza transformadora das mudanças que o Brasil tem vivido com
o desenho institucional atual. Ou seja, dissipação não significa
necessariamente ausência de funcionalidade institucional. Como esse processo
ainda está em curso, é muito difícil identificar a parcela que é inclusão
efetiva daquela que é dissipação. Depende, essencialmente, do viés da lente do
observador. Se favorável ao governo de plantão, enfatizará aspectos que
confirmem a inclusão. Já observadores de oposição tenderão a encontrar mais
dissipação.
O arcabouço institucional não é
uma “camisa de força” que aprisiona os atores políticos. Mas dá os limites.
Existe espaço para escolhas de como governar e das políticas que serão
implementadas. As dissipações podem ser minoradas ou maximizadas a partir
dessas escolhas.
Dizer que as instituições não
funcionam é tão ingênuo quanto o seu oposto, ou seja, que as instituições
funcionam perfeitamente. As mazelas que o Brasil tem vivido são decorrências de
falhas de governo, mas não necessariamente evidenciam uma falha institucional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário