sábado, 29 de agosto de 2020

Sérgio Magalhães - A voz do Rio

- O Globo

Peso da cidade pede independência em relação aos poderosos da ocasião

Paes? Crivella? Marta? Messina? Aproximam-se as eleições, um pleito crucial para o Rio de Janeiro ante a situação em que se encontra a cidade. Teremos oportunidade de debater sobre o futuro do Rio?

Tenho acompanhado eleições desde a democratização, e em raras situações temas urbanos estiveram em pauta. Contentamo-nos em destacar prioridades consensuais: saúde, educação e segurança. São questões fundamentais, é claro, comuns a todas as cidades. Mas não esgotam a complexidade da cidade contemporânea.

O Rio, com sua história multicentenária, capital da Colônia, do Reino, do Império e da República, centro político, econômico, social e cultural do país, precisa ser visto como tal, sem simplificações e sem exclusões.

Por isso mesmo, seu prefeito investe-se de um status político ímpar. A representação da cidade no âmbito nacional e internacional pede independência em relação aos poderosos da ocasião. Ela não pode ser trocada por eventual apoio eleitoral. Nessa condição, o compromisso com a democracia há de ser o pilar fundamental. Nossos candidatos dispõem-se a explicitar esse compromisso?

A voz política independente e autônoma do Rio de Janeiro é essencial para a cidade e para o país, não pode ser sublocada.

Não pode ser sublocada porque a complexidade do Rio pede intérprete forte. A cidade tem carências e potencialidades de igual peso. As primeiras precisam ser enfrentadas, as segundas precisam ser desenvolvidas. Um novo e reparador estatuto federativo para o Rio (já agora metropolitano) precisa ser pautado, ante as reconhecidas perdas, jamais compensadas, que a fusão e a mudança da capital representaram.

A cidade apresenta um quadro de carências urbanas de difícil compreensão. Como admitir que milhões de cariocas sofram pela ausência de infraestrutura e de serviços públicos, sofram em transporte desumano e, ainda, submetidos a regime brutal de traficantes e milicianos? Como admitir que, numa cidade com razoável padrão de qualidade urbana, tal situação perdure?

Sérgio Buarque de Holanda, em seu magistral e quase centenário livro “Raízes do Brasil”, dá uma pista ao considerar que estaríamos atentos à defesa do que nos é próximo e particular, familiar, da comunidade, despreocupando-nos do que é público, geral, da sociedade.

Assim, avançamos em segregação espacial e em desigualdade social. Para a mudança desse quadro, pressupõe-se que a liderança política da cidade, já no debate eleitoral, assuma compromisso de mobilizar as forças vitais da sociedade na construção de um programa para além dos mandatos. E que amplie a compreensão coletiva: saúde não é só hospital, como vemos na pandemia, mas inclui saneamento, serviços públicos, bom transporte, moradia salubre, entre outros fatores. Educação não é só escola, mas ambiente urbano que promova a interação social e a cultura. Na segurança quer-se polícia, mas a violência em nossas cidades é pouco associada à ausência do Estado pela escassez dos serviços públicos, inclusive o de controle urbanístico.

Nada disso é alheio ao poder municipal.

Saindo do patamar medíocre em que se encontra a política entre nós, atenta sobretudo a garantir seus futuros eventuais mandatos, fica possível desenvolver as potencialidades da cidade. Que são muitas, como a modernização do transporte, a expressão cultural da juventude pobre, o espírito empreendedor e capacidade de inovar do carioca, a qualidade ambiental, arquitetônica e urbanística do Rio, seu cabedal musical, a competência na área de comunicação, entre outras.

Claro, esse quadro é específico do Rio, mas é representativo das grandes cidades brasileiras. Se enfrentado, será capaz de oferecer novos caminhos para o desenvolvimento do país. Aliás, um dos papéis históricos desempenhados pela cidade.

Quais candidatos estarão dispostos a exercer essa liderança? A ser a voz democrática e independente do Rio?

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