segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Teto para juros pode levar à restrição na oferta de crédito – Editorial | Valor Econômico

O teto de juros deve ser sempre a última alternativa

O projeto de lei aprovado pelo Senado que limita os juros do cheque especial e do cartão de crédito durante a pandemia poderá causar mais mal do que bem. A reação mais provável dos bancos será restringir a oferta de crédito. No caso do cheque especial, deverá afetar particularmente clientes de baixa renda, que são os principais usuários desse produto.

De fato, os juros bancários no Brasil são muito altos e, no caso das linhas de crédito rotativas, chegam a níveis absurdos. Vários estudos econômicos mostram, porém, que os altos juros se devem a uma série de fatores estruturais, como custos administrativos e de inadimplência e o baixo nível de competição. Os altos encargos trabalhistas, insegurança jurídica e violência afetam os bancos como qualquer outro setor econômico. Cinco bancos concentram mais de 80% do mercado. A queda dos juros será duradoura apenas se o governo e o Congresso Nacional adotarem medidas que lidam com essas mazelas.

Deveria servir de lição a experiência no governo Dilma Rousseff, que, com voluntarismo, determinou que os bancos federais baixassem artificialmente as suas taxas para forçar uma queda dos preços do sistema como um todo. Durante algum tempo, os juros de fato caíram, de cerca de 160% ao ano para cerca de 120% ao ano no caso do cheque especial. Mas os bancos públicos perderam o fôlego financeiro com essa política insustentável e tiveram que recuar. Com isso, a taxa voltou a subir e se estabilizou num patamar ainda mais alto nos anos seguintes, em cerca de 270% ao ano.

O governo Lula teve resultados mais permanentes, ao atacar alguns dos principais componentes que encarecem o spread bancário. Foram tomadas medidas que fortaleceram as garantias, como a aprovação da nova Lei de Falências, a adoção da alienação fiduciária no financiamento de imobiliário e a criação do crédito consignado. Não por acaso, as linhas de crédito de veículos, consignado e imobiliário são as com juros mais baixos no mercado

A partir de 2016, no governo Temer, o Banco Central voltou a lidar de forma mais estrutural com os altos custos do crédito rotativo. Uma das medidas foi limitar a 30 dias o tempo em que os clientes podem ficar pendurados no crédito rotativo do cartão de crédito. As taxas, que chegaram a perto de 500% ao ano, caíram a 300% ao ano. Nesse percentual, ainda estão muito altas. Mas, para baixá-las mais, o caminho mais seguro é mexer na complexa estrutura dessa linha de crédito. Há muito poder de mercado nas mãos de alguns participantes da cadeia do produto, que aos poucos está sendo desmontado. Um ponto central é o sistema de subsídios cruzados criado pelo cartão com pagamento à vista, isento de juros.

No caso do cheque especial, o Banco Central primeiro incentivou o próprio sistema bancário a adotar uma autorregulação para fazer os clientes migrarem dessa linha de crédito emergencial para outras mais baratas. Os resultados foram insuficientes, por isso no ano passado o Banco Central adotou medidas adicionais.

Uma delas foi justamente a adoção de um teto para os juros do cheque especial, de 150% ao ano. Embora não menos polêmico, o processo de definição desse limite foi bem diferente do projeto aprovado pelos senadores. O Banco Central fez estudos econômicos que mostraram que os bancos têm um grande poder de mercado no cheque especial e que os clientes, em geral de baixa renda, são pouco sensíveis a variações da taxa de juros.

O fato de o Banco Central ter identificado falhas de mercado, porém, não significa necessariamente que a imposição de limites para os juros seja o melhor remédio. A ação preferencial deve ser sempre na estrutura do mercado, derrubando barreiras que impedem maior competição, e na educação financeira, para que os clientes façam as escolhas adequadas na hora de contratar as operações de crédito.

O teto de juros deve ser sempre a última alternativa e, se possível, apenas temporária, até que sejam corrigidos problemas estruturas. Nesses casos, a definição de percentual adequado para o limite de juros não é trivial. Depende de uma cuidadosa avaliação de custos e benefícios. Uma taxa muito alta torna inócuo o limite e incentiva bancos que cobravam mais barato a convergir a esse percentual. Um teto muito baixo - como o definido pelos parlamentares, em 30% ao ano - provoca uma forte restrição de crédito pelos bancos. Pior que crédito caro é não ter crédito nenhum.

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