O teto de juros deve ser sempre a última alternativa
O projeto de lei aprovado pelo
Senado que limita os juros do cheque especial e do cartão de crédito durante a
pandemia poderá causar mais mal do que bem. A reação mais provável dos bancos
será restringir a oferta de crédito. No caso do cheque especial, deverá afetar
particularmente clientes de baixa renda, que são os principais usuários desse
produto.
De fato, os juros bancários no
Brasil são muito altos e, no caso das linhas de crédito rotativas, chegam a
níveis absurdos. Vários estudos econômicos mostram, porém, que os altos juros
se devem a uma série de fatores estruturais, como custos administrativos e de
inadimplência e o baixo nível de competição. Os altos encargos trabalhistas,
insegurança jurídica e violência afetam os bancos como qualquer outro setor
econômico. Cinco bancos concentram mais de 80% do mercado. A queda dos juros
será duradoura apenas se o governo e o Congresso Nacional adotarem medidas que
lidam com essas mazelas.
Deveria servir de lição a
experiência no governo Dilma Rousseff, que, com voluntarismo, determinou que os
bancos federais baixassem artificialmente as suas taxas para forçar uma queda
dos preços do sistema como um todo. Durante algum tempo, os juros de fato
caíram, de cerca de 160% ao ano para cerca de 120% ao ano no caso do cheque
especial. Mas os bancos públicos perderam o fôlego financeiro com essa política
insustentável e tiveram que recuar. Com isso, a taxa voltou a subir e se
estabilizou num patamar ainda mais alto nos anos seguintes, em cerca de 270% ao
ano.
O governo Lula teve resultados
mais permanentes, ao atacar alguns dos principais componentes que encarecem o
spread bancário. Foram tomadas medidas que fortaleceram as garantias, como a
aprovação da nova Lei de Falências, a adoção da alienação fiduciária no
financiamento de imobiliário e a criação do crédito consignado. Não por acaso,
as linhas de crédito de veículos, consignado e imobiliário são as com juros
mais baixos no mercado
A partir de 2016, no governo
Temer, o Banco Central voltou a lidar de forma mais estrutural com os altos
custos do crédito rotativo. Uma das medidas foi limitar a 30 dias o tempo em
que os clientes podem ficar pendurados no crédito rotativo do cartão de
crédito. As taxas, que chegaram a perto de 500% ao ano, caíram a 300% ao ano.
Nesse percentual, ainda estão muito altas. Mas, para baixá-las mais, o caminho
mais seguro é mexer na complexa estrutura dessa linha de crédito. Há muito
poder de mercado nas mãos de alguns participantes da cadeia do produto, que aos
poucos está sendo desmontado. Um ponto central é o sistema de subsídios
cruzados criado pelo cartão com pagamento à vista, isento de juros.
No caso do cheque especial, o
Banco Central primeiro incentivou o próprio sistema bancário a adotar uma
autorregulação para fazer os clientes migrarem dessa linha de crédito
emergencial para outras mais baratas. Os resultados foram insuficientes, por
isso no ano passado o Banco Central adotou medidas adicionais.
Uma delas foi justamente a adoção
de um teto para os juros do cheque especial, de 150% ao ano. Embora não menos
polêmico, o processo de definição desse limite foi bem diferente do projeto
aprovado pelos senadores. O Banco Central fez estudos econômicos que mostraram
que os bancos têm um grande poder de mercado no cheque especial e que os
clientes, em geral de baixa renda, são pouco sensíveis a variações da taxa de
juros.
O fato de o Banco Central ter
identificado falhas de mercado, porém, não significa necessariamente que a
imposição de limites para os juros seja o melhor remédio. A ação preferencial
deve ser sempre na estrutura do mercado, derrubando barreiras que impedem maior
competição, e na educação financeira, para que os clientes façam as escolhas
adequadas na hora de contratar as operações de crédito.
O teto de juros deve ser sempre a
última alternativa e, se possível, apenas temporária, até que sejam corrigidos
problemas estruturas. Nesses casos, a definição de percentual adequado para o
limite de juros não é trivial. Depende de uma cuidadosa avaliação de custos e
benefícios. Uma taxa muito alta torna inócuo o limite e incentiva bancos que
cobravam mais barato a convergir a esse percentual. Um teto muito baixo - como
o definido pelos parlamentares, em 30% ao ano - provoca uma forte restrição de
crédito pelos bancos. Pior que crédito caro é não ter crédito nenhum.
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