quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Vinicius Torres Freire - Para onde vai o dinheiro no juro zero?

Folha de S. Paulo

Dadas certas condições, Selic fica zerada em termos reais até meados de 2022

A taxa básica de juros da economia, a Selic, vai ficar abaixo de zero ou perto disso até meados de 2022, na perspectiva de quem olha o futuro neste agosto de 2020 (isto é, em termos reais, descontada a inflação). É o que se depreende da exposição de motivos do Banco Central para sua decisão da semana passada, documento chamado de Ata do Copom (Comitê de Política Monetária do BC). Na quarta passada, o Copom baixou a Selic de 2,25% para 2% ao ano.

Como todo mundo deve estar farto de saber, o rendimento daquela aplicação de renda fixa comum e da caderneta de poupança ficarão também perto ou abaixo de zero. É um problema para os pelo menos remediados, que têm a boa sorte de ter algum dinheirinho de sobra.

É uma questão maior também: para onde vai o dinheiro nesta situação, inédita no Brasil, de inflação baixa e juro real zero (ou inédita pelo menos desde quando o país tem um mercado financeiro)?

Taxas de juros baixas não levam necessariamente empresas ou empreendedores em geral a levantar dinheiro para criar ou expandir negócios, como se sabe. É ainda menos provável que tenham tal efeito em uma economia que, de uma recessão profunda, passou a uma quase estagnação e ainda tinha enorme capacidade ociosa quando caiu nesta recessão pandêmica. Pior, a gente não tem muita certeza do que será a política econômica em, digamos, seis meses, isso em um país sujeito a choques políticos praticamente anuais desde 2013, de resto.

Por exemplo, no mesmo dia em que o BC tratava de tantas incertezas e de quais seriam as condições de estabilidade da taxa de juros, alguns assessores econômicos de Paulo Guedes debandavam, como se confirmava no começo da noite desta terça-feira (11), quando eram escritas estas linhas. Estavam aparentemente insatisfeitos com o ritmo de “reformas”.

No caso de a política econômica não desmoronar, a retomada de investimentos (de um crescimento razoável do PIB) ofereceria também, claro, possibilidades de aplicações financeiras mais animadoras (embora de risco maior), além de uma perspectiva mais fundamentada para os voos da Bolsa. Mas não dá para dizer, por ora, que alta do preço das ações seja bolha. Simplesmente não sabemos no que vai dar este ambiente de juro real zero. O que farão os fundos de pensão, de previdência privada e seguradoras, que precisam de retornos regulares e estáveis?

Além do mais, pessoas ou empresas podem também “guardar o dinheiro no colchão” (naquele fundo de renda fixa ou em títulos no Selic, que perdem um pouco da inflação, mas têm risco muito baixo): nem gastam nem investem. Podem procurar “ativos reais”, como imóveis.

Podem ainda achar que o teto de gastos e esse arranjo todo mal-ajambrado de política econômica vai para o vinagre e, assim, investir em ativos denominados em dólar. No entanto, em tese, dados os “fundamentos” macroeconômicos e na ausência de sacolejos maiores no Brasil e no mundo, a perspectiva agora seria de ligeira valorização do real. Em tese. Seria.

Em uma atitude também inédita, o BC deu uma orientação do que pretende fazer no futuro (“forward guidance”) caso certas condições mínimas sejam satisfeitas (o teto de gastos não cai, continuam as “reformas”, a inflação não se aproxima rapidamente da meta em 2021 ou 2022): a taxa básica fica onde está ou até cai um tico.

Apenas agora vai se aprender o que se faz com dinheiro a juro zero e/ou estável no Brasil. “Zero” e “estável” se a política econômica não desmoronar, claro.​

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