terça-feira, 22 de setembro de 2020

A autorização temerária de Crivella para volta de torcidas ao Maracanã – Opinião | O Globo

É uma decisão preocupante num momento em que a taxa de ocupação de leitos cresce na cidade

É temerária a decisão do prefeito Marcelo Crivella que autoriza a volta de torcedores ao Maracanã a partir de 4 de outubro, na partida entre Flamengo e Athletico Paranaense. O episódio expõe os equívocos da flexibilização como vem sendo implementada e vai além do campo esportivo, pois envolve questão de saúde pública.

Os argumentos de Crivella não se sustentam. Para ele, a reabertura do estádio às torcidas é uma forma de diminuir a presença de gente nas praias, onde as aglomerações têm sido uma constante, principalmente nos fins de semana. Daí a ideia de pedir à CBF para que os jogos ocorram às 11h. No estádio haveria, segundo o prefeito, controle mais rigoroso das multidões.

Ora, não é preciso ter 30 anos de praia para saber que, ainda que a CBF aceite o horário bizarro, são públicos distintos, em ambientes distintos. Os campeonatos têm vida própria, e a prefeitura não tem como controlar o calendário das partidas. A menção às praias parece apenas um pretexto para justificar a inpcia do governo para discipliná-las. Qualquer um sabia que a decisão de liberar o banho de mar e proibir que as pessoas ficassem na areia tinha tudo para dar errado.


A medida de Crivella também desagradou aos clubes, com exceção de Flamengo e Fluminense, que administram o Maracanã. A reabertura cria situação de desigualdade, já que os outros times jogam com portões fechados. Pelo país. As reclamações se multiplicaram, sem direito a VAR.

O absurdo maior é a ameaça à saúde pública. Mesmo considerando que o Maracanã teria um terço da capacidade e que fossem cumpridas regras como uso de máscaras e distanciamento, o risco não está afastado. Ao contrário, é praticamente certa a presença de infectados na torcida e altíssima a probabilidade de contágio.

O comportamento dos torcedores, que cantam e gritam o tempo todo, facilita a disseminação. Numa doença transmitida pelo ar, “superdifusores” podem passar o vírus a dezenas ou centenas de pessoas, como demonstram inúmeros exemplos de contaminação em cultos religiosos ou eventos esportivos. Nenhum país do mundo reabriu estádios à torcida sem que o vírus estivesse sob controle.

A autorização é ainda mais absurda por ocorrer num momento em que a ocupação de leitos e a média de mortes no Rio voltam a subir. Crivella tem culpado a população pela alta. É verdade que parte dos cariocas tem desrespeitado as normas para prevenção da Covid-19, promovendo aglomerações em praias, bares, festas e bailes funk — contribuindo, assim, para disseminar a doença. Mas responsabilidade maior tem o prefeito, ao tomar decisões estapafúrdias, sem amparo na Ciência, que só agravam a situação.

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