terça-feira, 22 de setembro de 2020

Trainee exclusivo para negros não constitui racismo – Opinião | O Globo

Varejista Magalu acerta ao tentar ampliar a presença das vítimas do preconceito em cargos de liderança

Ao lançar um programa de treinamento exclusivo para negros, o varejista Magalu despertou reação virulenta nas redes sociais. Por usar a cor da pele como critério para seleção, a empresa foi acusada de racismo. Ao mesmo tempo, a iniciativa foi elogiada por movimentos negros, que a veem como um passo necessário na reparação de injustiças históricas.

O Magalu informou que, na empresa, se identificam como “pretos” ou “pardos” 53% dos funcionários, mas só 16% dos que ocupam cargos de liderança. De acordo com o presidente da empresa, Frederico Trajano, apenas 10 dos 250 trainees já contratados eram negros. Usar a cor da pele como critério é um atalho para corrigir a distorção.

Não apenas no Magalu, programas semelhantes têm sido ocupados por brancos na quase totalidade. Isso é resultado de políticas que, ao longo da história, garantiram aos brancos privilégios na formação acadêmica, mas também do racismo que persiste em processos de seleção. O Supremo Tribunal Federal tem sido consistente ao aprovar as cotas como forma de ação afirmativa — e o critério do Magalu não passa de uma cota estipulada em 100%. Embora envolvam discriminação pelo fenótipo, as cotas não constituem, no entendimento do STF, uma forma de racismo.


Não há ilegalidade, portanto, se uma empresa privada quer adotar uma política para ajudar a corrigir uma distorção histórica por meio de discriminação reversa. Trata-se de um único programa de treinamento, não de um critério de seleção permanente. Há ainda, para a sociedade, um benefício indireto, na medida em que, mesmo que os selecionados não sejam contratados, o programa contribuirá para devolver ao mercado profissionais negros mais capacitados, que poderão assumir posições de comando noutras empresas.

Mas não é uma decisão isenta de custos. Para a empresa, há custos internos de duas naturezas. Primeiro, trata-se de uma seleção mais desafiadora para garantir a qualidade técnica dos profissionais. Hoje, esse já é um custo mais fácil de mitigar, em virtude das políticas de ação afirmativa que vêm sendo adotadas nas universidades e têm garantido ao mercado uma oferta de profissionais negros capacitados bem maior do que poucos anos atrás.

O segundo custo, revelado pelo movimento de boicote contra a varejista promovido nas redes sociais, é bem mais preocupante, na medida em que se estende para fora da empresa. A reação virulenta resulta do racismo latente na sociedade. Dificilmente haveria a mesma revolta diante de um programa de treinamento destinado apenas a mulheres.

Políticas de seleção como a do Magalu oferecem pretexto a reações do tipo e, indiretamente, alimentam o ressentimento e o discurso racista que maculam a política contemporânea. O Magalu está certo em querer contratar mais negros para posições de liderança. Transformar isso em jogada de marketing, contudo, pode contribuir para agravar o problema que a empresa se propõe a resolver.

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