quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Merval Pereira - Nos bastidores

- O Globo

A mudança da composição da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), palco de julgamentos sensíveis como o da parcialidade do juiz Sérgio Moro, que pode beneficiar Lula e vários outros condenados pela Lava-Jato, e o do filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, sobre o foro em que seu processo sobre a “rachadinha” na Assembléia Legislativa do Rio será julgado, já está sendo negociada nos bastidores.

Sendo o mais provável que o ministro Celso de Mello (foto), que se aposenta no último dia de outubro, não reassuma seu posto por falta de condições de saúde, a Segunda Turma deveria normalmente ser composta pelo novo ministro indicado pelo presidente Bolsonaro para substituí-lo, mas há obstáculos.

Alega-se que ele já entraria tendo pela frente um caso politicamente delicado, o de Lula, e outros em que poderia se declarar impedido, como o do filho do presidente que o indicou. Se acontecer isso, que muitos ministros consideram apenas um pretexto, a troca seria feita com algum membro da Primeira Turma.

A prioridade seria do ministro Marco Aurélio Mello, o mais antigo na Corte, mas ele recusará pela segunda vez. Continua afirmando: “Não mudo de camisa”. Está na Primeira Turma desde 2002, quando deixou a presidência do STF. O ministro Dias Toffoli, que vai para a Primeira Turma no lugar de Luis Fux, que assumirá a presidência na quinta-feira, poderá, por antiguidade, escolher mudar de turma, e não será a primeira vez que o fará.

Em março de 2015, os ministros da Segunda Turma estavam incomodados com a falta do quinto nome do grupo, pois havia sete meses que esperavam pela definição da presidente Dilma sobre o novo indicado ao STF para substituir o ministro Joaquim Barbosa, que se aposentara. Toffoli acabou eleito presidente da Turma substituindo Teori Zavascki, cujo mandato terminaria em maio daquele ano, e herdou os processos do presidente. Edson Fachin, nomeado em lugar de Barbosa, foi para a Primeira Turma.

Também houve outra troca, quando morreu o ministro Zavascki, que era o relator da Lava-Jato na Segunda Turma. O ministro Alexandre de Moraes, que o substituiu, foi para a Primeira Turma, e Fachin prontificou-se a ir para a Segunda Turma, acabando como relator da Lava-Jato, escolhido por sorteio.

Atribui-se ao ministro Gilmar Mendes a negociação que levou Fachin para a Segunda Turma, da mesma maneira que agora ele estaria manobrando para levar Toffoli para lá. Fachin passou a votar ao contrário de Gilmar na maioria das vezes.

Se o ministro Dias Toffoli escolher ir para a Segunda Turma, voltará a enfrentar as críticas sobre sua própria parcialidade, como no julgamento do mensalão. Por ter sido advogado do PT, Toffoli foi pressionado para julgar-se impedido, mas não admitiu. Agora estará diante de um problema mais diretamente ligado ao ex-presidente Lula, pois votando pela parcialidade Moro estará permitindo que o ex-presidente se candidate em 2022.

Como tem sido considerado um “traidor” pelos petistas, especialmente por ter se aproximado do presidente Jair Bolsonaro neste seu mandato, estará em um impasse. Mas, ao mesmo tempo, o ministro Toffoli, deixando a presidência, poderá encontrar na importância de sua presença na Segunda Turma a manutenção de um prestígio político.

Caso Toffoli não aceite, o que, apesar de tudo é improvável, o próximo da lista é o ministro Luis Roberto Barroso, que não deve aceitar por estar às voltas com a eleição municipal como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Como a ministra Rosa Weber é a presidente da Primeira Turma, restaria o ministro Alexandre de Moraes.

Mais uma vez a judicialização da política leva o Supremo Tribunal Federal (STF) a ser o definidor da disputa presidencial de 2022. O julgamento da parcialidade de Moro deve acontecer no primeiro trimestre do próximo ano, quando as reuniões presenciais tiverem sido retomadas, e deve ter influência decisiva na armação do xadrez político-eleitoral.

Lula tendo condições de disputar a eleição, a esquerda brasileira terá que se reorganizar, seja em torno dele, como já sugeriu o governador Flavio Dino, ou se contrapondo a ele, como pretende até o momento Ciro Gomes do PDT.

Esse golpe na Operação Lava-Jato deverá forçar uma definição do ex-juiz Sérgio Moro como alternativa à polarização Lula x Bolsonaro. E teremos ainda no próximo ano a provável definição de Luciano Huck. Será um ano animado, se a pandemia deixar.

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