terça-feira, 13 de outubro de 2020

Andrea Jubé - Eles só pensam naquilo

- Valor Econômico

Renan Calheiros prega reeleição de Davi pela “estabilidade”

O bordão é da Dona Bela, a “moça intocada” vestida de colegial, que se atirava ao chão com histeria, depois se levantava, embicava os lábios e revirava os olhos com aquele ar de quem comeu e gostou, na Escolinha do Professor Raimundo.

Mas também saiu dos versos do malemolente Genival Lacerda, cantor de “ele tá de olho é na butique dela”. Até hoje, o quase nonagenário paraibano se sacoleja em shows pelo Nordeste, ao som de:“ você só pensa naquilo; você só pensa naquilo; você só pensa naquilo, meu bem; você só pensa naquilo”.

Da turma de Chico Anísio ou do xote nordestino, poucas vezes o bordão da comédia e do forró serviu tanto para definir os bastidores de Brasília como nos últimos dias.

Todos os comensais negam, mas somente uma pauta fazia salivar os participantes da rodada de jantares dos últimos 20 dias em Brasília, nas residências do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), da senadora Kátia Abreu (PP-TO), e do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas: a sucessão na Câmara e no Senado.

Sobrava algum espaço para discutirem a sabatina do desembargador Kássio Marques, indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF), e com menos interesse, a vacina da Covid-19. O coronavírus não é mais prioridade para os políticos, que após meses de isolamento, voltaram a Brasília e renunciaram às máscaras nesses encontros gastronômicos para matar a fome de articulação política ao vivo, depois de tanto debate online.

Como consequência desse desinteresse pela pandemia, normalizaram-se as notas oficiais lacônicas, em que o político informa que se infectou, mas passa bem. Nenhum deles menciona uma tomografia de pulmão, um eletrocardiograma, um monitoramento médico diário ou uma discreta perda de olfato ou paladar.

Menos de uma semana após o evento na casa do ministro Bruno Dantas, para reconciliar Maia e Paulo Guedes, dois convidados vieram a público informar que se infectaram, mas passam bem: o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e o líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM).

Rodrigo Maia, recém curado da covid, estava, teoricamente, com os anticorpos nas alturas. Por isso, não se preocupou em receber a oposição para um jantar um dia após a reunião na casa de Dantas.

Segundo um dos presentes, Maia pediu à oposição apoio a candidatos que estejam comprometidos a “valorizar a instituição”. Nesse rol, citou nominalmente seus aliados: o vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), o autor da proposta da reforma tributária e líder do MDB, Baleia Rossi (SP), o deputado Marcelo Ramos (PL-AM).

Para arrepio do líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL), principal adversário de Maia na sucessão, o presidente incluiu na lista de candidatos de seu grupo dois nomes do PP: o relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PB) e a deputada Margarete Coelho (PI). Aguinaldo é competitivo, mas a cúpula do PP fechou com Lira. A ideia é contemplar Aguinaldo com outro posto. Eventualmente, um ministério no ano que vem.

A referência de Maia a Baleia Rossi embaralha um dos cenários no Senado. Se ao fim, o Supremo proibir o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de disputar a reeleição, o caminho estaria aberto para um emedebista, pela prerrogativa de representar a maior bancada.

Todavia, o Centrão não endossaria o retorno da hegemonia do MDB na cúpula do Legislativo. Uma das leituras é que Baleia sendo contemplado com a eventual aprovação da reforma tributária ao menos na Câmara, Braga teria o caminho livre para tentar o comando do Senado.

Segundo outro participante do jantar na casa de Maia, ele se declarou convencido de que não deve ser candidato, caso a reeleição seja franqueada para os titulares das duas Casas.

A fonte ressalva, entretanto, que Maia não poderia afirmar o contrário em público. Nos bastidores, contudo, a recondução da dupla Maia-Alcolumbre entusiasma o mercado, em nome da estabilidade institucional e da garantia de continuidade das reformas.

Nas conversas reservadas, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que ganhou novo protagonismo com a interface com Guedes, tem pregado justamente essa tese. A interlocutores que o ouviram nos três jantares de que participou - dois na casa de Kátia Abreu, um na de Bruno Dantas - o ex-presidente do Senado disse que apoia a reeleição de Alcolumbre em nome da estabilidade institucional e democrática.

Renan argumenta que num cenário em que a democracia esteve por um fio - até os caciques se deixarem levar pela crença de que domesticaram o presidente Jair Bolsonaro - a reeleição de Alcolumbre, um interlocutor reconhecido do Palácio do Planalto, é a garantia de dois anos de harmonia institucional e da defesa das reformas necessárias ao ajuste fiscal.

A coluna apurou que aliados de Alcolumbre fizeram essa tese chegar a ouvidos de ministros do Supremo, que julgarão a legitimidade constitucional de sua eventual reeleição.

Um senador bem informado pondera, entretanto, que apesar do aparente favoritismo de Davi, há três grupos distintos organizados sobre a sucessão na direção da Casa.

O primeiro grupo está comprometido com Alcolumbre, que já dividiu espaços na Mesa Diretora e nas presidências das comissões.

Um segundo grupo, que este senador chama de “ingênuos”, estaria convencido de que o Supremo agirá com responsabilidade para impedir a “aventura constitucional”, de autorizar a reeleição do presidente no meio da legislatura.

O terceiro grupo seria formado por senadores que fazem “jogo duplo”. Fingem que estão com Alcolumbre, tentam iludi-lo desse compromisso, mas dia e noite estão dedicados à procura de um plano B.

Contudo, mesmo este grupo se inclina para Alcolumbre quando bate o receio de que a ausência de um segundo nome competitivo abra caminho para um tertius de espírito intrépido, disposto a aventuras como processar o impeachment de um ministro do STF, ou instalar uma “CPI da Toga”.

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