terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Opinião do dia – Carlos Pereira*

É paradoxal o comportamento iliberal de líderes políticos eleitos democraticamente que, uma vez no poder, tentam subverter e enfraquecer as instituições democráticas.

O que diferencia e qualifica regimes democráticos são as respostas que sociedades e instituições ofertam a tentativas de líderes populistas de usurpá-los.

No Brasil, vários presidentes eleitos apresentaram comportamentos iliberais.

Entretanto, diferentemente de outros populistas do passado recente, o governo Bolsonaro já teve início sob um intenso escrutínio. Essa atitude vigilante da sociedade e das organizações de controle é consequência direta da retórica belicosa e desrespeitosa desde quando Bolsonaro ainda era candidato à Presidência. Portanto, o espaço do governo de agir de forma iliberal já é menor que o de outros populistas, assim como os riscos de que suas ações enfraqueçam a democracia.

A despeito das inúmeras demonstrações de resiliência a retóricas e ações iliberais de populistas de esquerda e de direita, alguns analistas insistem que os riscos à democracia seriam reais e maiores com Bolsonaro. Citam exemplos de Venezuela, Polônia, Hungria ou Turquia, onde o enfraquecimento da democracia foi possível inclusive com apoio popular. Esse risco seria potencializado em contextos de extrema polarização, em que eleitores estariam dispostos a abrir mão de um sistema democrático para ter um país que se aproximasse de suas preferências extremas.

Entretanto, consentimento popular a saídas autoritárias só é dado em um contexto de terra arrasada do ponto de vista institucional, o que nem de longe é o caso do Brasil. Ao contrário de se esgarçarem, os freios e contrapesos do sistema político brasileiro só se fortaleceram desde a redemocratização, ainda que de forma não linear. Mesmo que parte da sociedade brasileira se seduza com iniciativas iliberais, encontrará organizações de controle já imunizadas contra diferentes cepas de populismos.

*Carlos Pereira, cientista político, “Há vacina contra iliberalismos?”, O Estado de S. Paulo, 27/1/2020.

Alberto Aggio* - Há resistências à “guerra de movimento” de Bolsonaro

- Blog do Aggio

Creio que sejam necessários alguns referenciais para compreender a conjuntura política em curso, pelo menos em sua linhas gerais. O centro da conjuntura passa pelas iniciativas permanentes e recorrentes do governo Jair Bolsonaro. É ele quem tem a ofensiva, no momento. O seu método é equivalente a uma “guerra de movimento” (para usar aqui o categorial gramsciano), com objetivos no curto e no longo prazo. Embora o cenário mundial e nacional seja mais propício à “guerra de posições”, Bolsonaro escolheu a primeira porque se imagina dotado de um “programa” geral de alteração das perspectivas por onde o Ocidente trilhou o estabelecimento e consolidação de uma sociedade democrática. As oposições e a sociedade civil permanecem, por ora, em atitude de “resistência” e, portanto, na defensiva, mas realizam uma “guerra de posições”, em termos políticos e organizativos que poderá se consolidar e dar frutos.

A “guerra de movimento” de Bolsonaro pode ser sinteticamente vista como o que se convencionou chamar de “bolsonarismo” e seu objetivo maior é a alteração do regime político democrático no Brasil. O bolsonarismo é uma especie de pinochetismo meio torto em situação democrática. Não nasceu de um golpe de Estado e, portanto, não pode ter domínio de todo o Estado e da sociedade, mas seu movimento tem precisamente o sentido de estabelecer um regime político iliberal no Brasil. Evitar esse desfecho é essencial para a manutenção da democracia. Cada contenda com o governo tem esse preciso sentido. Talvez o episódio de manifestação de caráter abertamente nazista tenha sido o ápice desse embate. Mas, certamente, seguirão outros.

Entrevista - ‘País gira em círculos, sem lideranças e sem projeto’, diz sociólogo

Gabriel Manzano | O Estado de S. Paulo / Caderno 2, 27/1/2020

Para sociólogo, o Brasil sofre com a falta de lideranças, esquerda está desorientada e a direita ‘capturou os deserdados da globalização’ e veio para ficar

O cientista político Aldo Fornazieri, diretor da Escola de Sociologia e Política, não economiza palavras para definir o quadro político-social do Brasil: “A falta de lideranças é uma coisa trágica”. E não só na política: “Faltam líderes de fato – daqueles que inspiram confiança e apontam uma direção à sociedade, como os definia Maquiavel no século 16 – nos meios empresariais, sindicais, industriais, educacionais, religiosos…”

E não é de hoje, acrescenta. “Episódios decisivos da história – independência, proclamação da República, Revolução de 30, o golpe de 1964, mesmo os 13 anos do PT, a rigor mantiveram o jogo e as elites conservadoras no poder. Em nenhum deles houve inovação e mudança”. Esse olhar deu origem a um livro, Liderança e Poder, que Fornazieri deve publicar ainda este ano, no qual fala do “declínio acentuado das lideranças” à luz dos ensinamentos de Maquiavel.

O País, ressalta o professor, “gira em círculos”. A esquerda “está desorientada, não tem projeto, ignora temas como meio ambiente e revolução tecnológica”. E a direita “capturou os deserdados da globalização e veio para ficar”, afirma nesta entrevista a Gabriel Manzano.

A seguir, os principais trechos da conversa.

• Como vê hoje o Brasil, com um ano de governo Bolsonaro, Lula solto e uma campanha eleitoral pela frente?

Vejo o País numa continuidade trágica, que faz parte da sua história. Ele gira em círculos, marcado por injustiças, incapaz de construir sua grandeza. E as responsabilidades cabem aos três grandes atores em campo – direita, centro e a esquerda.

• A começar pela direita, que balanço faz do atual governo?

Acho que ele frustrou expectativas. Do ponto de vista do crescimento, não conseguiu reduzir o desemprego. Não há até aqui sinais claros de retomada da economia ou políticas públicas que estimulem a pequena e a média empresa, grandes geradoras de emprego. A desigualdade aumenta: o IBGE nos diz que metade da população vive com algo em torno de 400 reais. No meio político, tivemos ataques sistemáticos à democracia – o mais recente levou à queda do secretário da Cultura, há dez dias. E convivemos com atos hostis à cultura, contestação de dados do INPE sobre desmatamento, descaso com o aquecimento global…

• E como vê os outros dois lados, centro e esquerda?

Vejo a centro-direita política dando as cartas no País, centrada na figura de Rodrigo Maia. Ele se projetou como grande articulador em nível nacional, fechando com a centro-esquerda na questão democrática e com o ministro Paulo Guedes na economia. É um centro que tem maioria e consegue barrar as bobagens do presidente nas medidas provisórias.

• E quanto à esquerda?

Vejo-a numa situação crítica. Ela entrou num defensionismo político lá por 2015, com as primeiras manifestações contra o impeachment de Dilma, e ali continua até hoje. O que me parece é que ela não achou o seu lugar no atual quadro político. Nas suas pautas, tentou mobilizar alguma coisa e fracassou. Um exemplo, a pauta da reforma da Previdência. Olhe as grandes manifestações em toda a França, pelo mesmo tema. E sabe quanta gente havia no protesto na Câmara, em Brasília, contra essa reforma? Vinte pessoas.

Carlos Andreazza - Autoritarismos

- O Globo

Moro, valor absoluto, é o combate à corrupção

A ideia — de recriar o Ministério da Segurança Pública — existe, e há muito. Quando vazou, em 2019, o presidente reagiu como de costume: atacando a imprensa. A imprensa, porém, estava certa. A notícia procedia. Não pode ser considerada novidade agora. A novidade é ter sido transmitida — agora — pelo próprio Jair Bolsonaro. Esse é o fato relevante, do qual deriva a questão: por que pôs o assunto em pauta?

Ao ponto: a improvável recriação do ministério não importa; importante é a divulgação da ideia, ato que compõe um método de exercício de poder para mostrar quem tem o poder.

A ideia é um “estudo”. Né? A pressão pela volta do ministério, porém, é real e tem fundamento na disputa pelo controle da Polícia Federal. O cargo é cobiçado por Anderson Torres, secretário de Segurança do DF e articulador do encontro de secretários da área com o presidente — reunião para a qual Bolsonaro não convidou Sergio Moro, na qual sabia que se reivindicaria o restabelecimento da pasta e cuja transmissão ao vivo autorizou.

Torres é muito próximo do ex-deputado Alberto Fraga, que é amigo íntimo do presidente e abertamente candidato a chefe do ministério reclamado, alguém que se sentiu à vontade em dar entrevistas desqualificando a competência de Moro para cuidar de segurança pública. Que tal?

O jogo é feio. E o modus operandi bolsonarista, instrumentalizando a ambição de oportunistas, é conhecido: disparar uma ideia, distribuir recados, jogar iscas, testar reações —e depois retroceder. Esticar a corda ventilando uma possibilidade, alcançar o pretendido — e depois afrouxá-la. Num só lance, mede-se a reação da sociedade, especialmente da base do bolsonarismo robustecida pelos fiéis do lavajatismo; colhe-se o alimento decorrente do atrito com a imprensa, o presidente mobilizando seus bate-paus para desqualificar o jornalismo que lhe reproduzira as palavras; e se difunde, no caso, a mensagem de autoridade destinada ao ministro: “Quem manda sou eu”.

Bernardo Mello Franco - Witzel tropeçou no próprio teatro

- O Globo

O governador faz parte de uma geração de políticos viciados em redes sociais. A pretexto de prestar contas aos cidadãos, eles passam o dia fazendo propaganda de si mesmos

Como se não bastassem a água suja da Cedae e as enchentes no Noroeste Fluminense, Wilson Witzel arranjou outra crise para começar o ano. Sem pedir autorização, o governador gravou e divulgou uma conversa com o vice-presidente Hamilton Mourão. A atitude enfureceu o general e o presidente Jair Bolsonaro.

No domingo, Bolsonaro fez o primeiro sermão. “O que se trata por telefone tem que ser reservado”, disse. Ontem Mourão bateu mais firme. “Ele diz que foi fuzileiro naval. Eu acredito que ele esqueceu a ética e a moral que caracterizam as Forças Armadas”, esbravejou.

O telefonema fatídico durou pouco mais de um minuto. Com o celular no viva-voz, Witzel ligou para Mourão, relatou danos causados pela chuva e fez um pedido genérico de ajuda. O governador montou a cena para se promover nas redes sociais. Faltou avisar ao general que ele participaria do teatro como coadjuvante.

Merval Pereira - O novo emprego

- O Globo

Redes de proteção social baseadas no emprego e nos salários são o referencial atual, mas o quadro já está mudando drasticamente

O recém encerrado Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, dedicou especial atenção ao debate sobre tributação e novas tecnologias que deveria estar mais aceso no Brasil, na véspera da discussão no Congresso da reforma tributária. O destino dos empregos nessa nova era tecnológica se imbricou com a discussão tributária.

O que ficou claro é que há uma emergência mundial de uma revolução na requalificação do trabalhador, e demandas que uma série de novas tecnologias trarão, tanto tributárias, quanto trabalhistas.

Em Davos, uma das discussões mais interessantes foi sobre a tributação em paraísos fiscais. Nada menos que cento e trinta e cinco países estão debatendo, por exemplo, propostas de como enfrentar o desafio colocado por uma economia crescentemente digitalizada. Uma das perguntas principais é: como modernizar as regras e garantir aos países uma fatia justa da receita de trilhões de dólares investidos em paraísos fiscais pelo mundo?

Outra questão levantada nos debates: como taxar os produtos que serão feitos por impressoras 3D dentro de casa? Com a crescente possibilidade de trabalho à distância, o trabalhador cada vez mais poderá ter uma atuação independente. Ninguém sabe como fará, mas todos sabem que precisam resolver essas questões. O Brasil precisa se antenar às novas tendências, e ao que se está a discutir no mundo.

José Casado - Lucros com a cleptocracia

- O Globo

Políticos e empresários ganharam fortunas em negócios obscuros

Estava tudo dominado no Brasil, em Angola e em Portugal. Inquéritos nas duas margens do Atlântico mostram como políticos e empresários ganharam fortunas em negócios obscuros e interligados, com dinheiro das empresas estatais Petrobras e da Sonangol e a participação de bancos e fundos públicos brasileiros, angolanos e portugueses.

Nesse bioma floresceu Isabel, afortunada primogênita do ex-presidente angolano José Eduardo Santos, com US$ 2 bilhões em patrimônio, acionista de 424 empresas, das quais 155 em Portugal e sete no Brasil, disseminadas por setores como energia, finanças e comunicações.

É sócia (15%) da Galp, que explora petróleo em sete áreas da costa brasileira (na Bacia de Santos, projeto Lula/Iracema). Os laços se estendem ao grupo Sonae, com 40 mil empregados, e avançam pela praça financeira europeia, onde liquida 42,5% do banco EuroBic. Nada seria possível sem o aval de governos e de auditorias como BCG, PwC e McKinsey.

Míriam Leitão - O medo contamina mercados globais

- O Globo

Na economia, o medo do desconhecido se reflete nas cotações e foi isso que aconteceu ontem como efeito do coronavírus

Ações, moedas, petróleo, em todos os mercados do mundo ontem foi um dia difícil. O pior em meses. Por onde se olha na economia pode haver impacto se o coronavírus se espalhar mais. Ainda que o risco seja contido, já está afetando. A China é um país que quase não tem férias, e os poucos dias de folga são os da comemoração do Ano Novo Lunar. Desta vez, não houve festas, as ruas ficaram vazias e trabalhadores estrangeiros que viajaram não estão voltando. As viagens em geral estão restritas, centros industriais estão dando férias coletivas. O país que puxa a economia mundial e que nunca para está parando e vai consumir menos. É isso que os mercados refletiam ontem.

O Ibovespa caiu 3,29%, a maior queda desde março, o dólar subiu para R$ 4,21, a Petrobras recuou 4,3% e a Vale, 6,1%. O Brasil é grande fornecedor de commodities para a China. O índice composto das bolsas europeias caiu 2,3%. Nos EUA, houve queda nos três principais índices. Dow Jones zerou os ganhos do ano. Montadoras internacionais como a Nissan, PSA e Renault anunciaram que estavam tirando seus empregados estrangeiros das plantas em áreas da China que foram atingidas pelo vírus, segundo o “Financial Times”. Os trabalhadores do centro industrial de Suzhou, com 11 milhões de habitantes, onde estão essas montadoras e fornecedores da iPhone como a Foxconn, tiveram sua volta ao trabalho adiada por mais de uma semana. Os bancos que se expandiram muito pelo interior da China estão mantendo longe os seus funcionários. Xangai, com 21 milhões de habitantes, determinou que todos os negócios parem até o dia 9 de fevereiro. Há inúmeras decisões que vão afetar a atividade no curto prazo.

Luiz Carlos Azedo - Risco de pandemia

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“São dois problemas: um é genético, como as bactérias, os coronavírus estão em permanente evolução; o outro, a escala demográfica da China, com quase 1,386 bilhão de habitantes”

Radicado em São Paulo, o médico chinês Peter Liu, em vídeos postados nas redes sociais, afirma que a China perdeu o controle sobre a epidemia do coronavírus. Atribuiu a informação a sua irmã, deputada estadual em Pequim, no mesmo dia em que a capital chinesa registrava a primeira morte devido à doença. Segundo ele, as autoridades da cidade de Wuhan falharam pela demora em fechar as fronteiras: “Quando decidiram fechar, já haviam saído 300 mil pessoas de Wuhan para o mundo, para a China inteira”, afirmou. “A minha irmã falou que na China todas as cidades estão infectadas, em todas as cidades têm pessoas que já têm o problema”, completou.

Ontem, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou como “elevado” o risco internacional de contaminação pelo novo coronavírus. Retificou a avaliação feita anteriormente pela própria instituição, que assumiu o “erro de formulação” ao apontar o risco como “moderado”. Até o começo da tarde, os dados oficiais apontavam 81 mortes e mais de 2,7 mil pacientes infectados. A epidemia de coronavírus na China gerou drásticas restrições ao transporte de pessoas e mercadorias, paralisia do turismo e queda do consumo,e já ameaça agravar a desaceleração da economia chinesa.

Pequim adotou medidas de confinamento sem precedentes: em plenas festividades do Ano Novo chinês, o governo suspendeu as viagens organizadas na China e para o exterior, um duro golpe para o turismo. Wuhan virou “cidade proibida”, embora seja um “hub logístico” e centro de produção de automóveis da província de Hubei. Nela está instalada a Dongfeng, segunda fabricante automotiva chinesa, que tem parcerias com as francesas Renault e PSA, com fábricas instaladas na região. Produz 1,7 milhão de veículos. O setor automotivo gera negócios de mais de 58 bilhões de dólares por ano.

Pablo Ortellado* - Gritaria elitista

- Folha de S. Paulo

Crítica agressiva contra neutralidade de artistas populares apenas confirma pecha de elitista que é atribuída à esquerda

Em sua coluna na Folha, na semana passada, Anderson França criticou de maneira contundente artistas populares que não tomaram posição contra o ex-secretário da Cultura Roberto Alvim.

O artigo ressalvava que artistas como Zélia Duncan, Marcelo D2 e Pedro Cardoso tinham corajosamente marcado posição, mas artistas de origem pobre, como Anitta, Maiara e Maraisa e Whindersson Nunes, tinham se calado, talvez com medo de perder contratos de publicidade. França foi ainda mais longe e incluiu uma ilustração de Maiara e Maraisa com uma braçadeira nazista, sugerindo que esses artistas não eram apenas inconsequentes como tinham efetivamente aderido à barbárie. Como diz o ditado, quem se cala contra o nazismo também é nazista.

O artigo teve enorme repercussão, com mais de 16 mil interações no Facebook. Fãs dos artistas criticados reagiram indignados. A ilustração de Maiara e Maraisa foi retirada do site da Folha, acompanhada de um pedido de desculpas do jornal.

Hélio Schwartsman - De volta ao século 13

- Folha de S. Paulo

Novo presidente da Capes defende criacionismo em contraponto à teoria da evolução

Depois de uma breve escala na Alemanha nazista, o governo Bolsonaro agora nos leva para o século 13. Como o leitor já deve ter adivinhado, falo da nomeação de Benedito Guimarães Aguiar Neto para a presidência da Capes, o órgão responsável pela pós-graduação no país.

Aguiar Neto é evangélico. Até aí, nenhum problema. Existem excelentes cientistas religiosos. Um bom exemplo é o do geneticista Francis Collins, cristão devoto que dirigiu o Projeto Genoma Humano e agora comanda o NIH, a agência dos EUA responsável pela pesquisa biomédica. Collins, apesar de já ter escrito um livro religioso, não permite que suas convicções pessoais interfiram em seu trabalho científico.

Aguiar Neto, que é engenheiro eletricista, não segue o exemplo de Collins. Ele defende que o design inteligente (DI) seja ensinado nas escolas “como contraponto à teoria da evolução”.

Ranier Bragon – Sinais do apagão

- Folha de S. Paulo

Apagões pipocam aqui e ali na máquina pública; não há Titanic que suporte tanta competência

A máquina pública é formada por tal engrenagem complexa e impermeável a solavancos que, digamos, mesmo que amanhã assuma a cadeira presidencial o Marinheiro Popeye, o país continuará a sua marcha. Ocorre que tudo tem limite.

Lentamente, a incompetência patente, a total falta de ideia sobre o que fazer, o brancaleonismo piorado pela prepotência, o pelotão da ignorância travestido de exército da salvação, enfim, tudo isso, misturado, haveria de cobrar a devida fatura.

Jair Bolsonaro, que gosta de dar voltinhas em Brasília para comer pastéis, visitar feiras, bem que poderia aproveitar algum desses momentos em que não tem, ou não sabe, o que fazer —e eles parecem ser muitos— e dar um pulinho nas agências do INSS. Lá não vendem pastéis, mas foi em uma delas que o repórter Bernardo Caram encontrou o trabalhador rural Paulo Novais de Jesus, que disse aguardar há três meses a liberação de um auxílio-doença. Devido a isso, tem feito incursões na mendicância. “Tive que perder a vergonha de pedir comida para a família.” Ao todo, 1,3 milhão de brasileiros estão em situação similar, no rol de vítimas de apagões que pipocam aqui e ali na máquina pública que Paulo Guedes quer pôr abaixo para o bem geral da nação.

Joel Pinheiro da Fonseca* - O palavrório do presidente importa?

- Folha de S. Paulo

Conforme a linguagem vai sendo desgastada, seu conteúdo deixa de importar

Não há nada de errado numa fala informal e espontânea. Quando Bolsonaro faz uma piada improvisada sobre o preço da carne, isso não suscita críticas. A piadinha aí é uma marca de autenticidade que o aproxima do cidadão comum. Mas e quando a fala é uma arma de ataque? Ou quando ela mente?

Deveríamos nos preocupar ou nos ater apenas aos atos do governo e ignorar as falas como um ruído mais ou menos inócuo?

Não raro, o presidente, seus ministros ou seus filhos acusam pessoas ou instituições ou ofendem valores importantes de nossa sociedade.

Alguns exemplos de acusações falsas: o presidente acusou Ricardo Galvão, então diretor do Inpe, de estar a serviço de ONGs. Acusou os ambientalistas de Alter do Chão de serem responsáveis por queimadas. Acusou um ex-assessor seu de participar do complô para matá-lo. O ministro da Educação acusou as universidades federais de cultivarem plantações extensivas de maconha. O ministro do Meio Ambiente insinuou que o Greenpeace estaria ligado ao vazamento de óleo no Nordeste.

A fala de um líder se presta a diversos fins: um deles é mover os sentimentos de quem os ouve, transmitindo medo ou esperança, ódio ou conciliação; agregar ou dividir. As paixões das massas guardam um enorme poder, e por isso também enormes perigos. O dia do Holocausto, lembrado nesta segunda-feira (27), nos mostra o poder de destruição de um povo tomado pelo medo paranoico e pelo ódio. Buscar levar as paixões do povo ao extremo é a marca de um líder que busca o poder tirânico.

Eliane Cantanhêde - Este 2020 promete!

- O Estado de S.Paulo

Coronavírus, sacolejo nas Bolsas, chuvas assassinas e, claro, pérolas do presidente

O ano de 2020 começou malvado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) demorou, mas admitiu ontem que o coronavírus caracteriza um “alto risco”, não mais só “moderado”. Ou seja: aparentemente afastada a ameaça de uma guerra entre Estados Unidos e Irã, o mundo enfrenta agora o temor de uma epidemia de proporções ainda incertas.

O vírus já atingiu milhares de pessoas e já matou dezenas na China, extrapolou para o resto da Ásia, a Europa e os Estados Unidos e deixa todos os continentes em estado de alerta. O risco é de morte, mas ameaça também a economia dos países. Obviamente, o Brasil não está fora da mira.

Para o bem e para o mal, a globalização veio para ficar. O espetacular fluxo de pessoas entre continentes e países corresponde a uma grande facilidade de exportação do vírus aos quatro cantos do mundo. A extensão e as projeções ainda são incertas, mas, certamente, não dá para dormir tranquilo.

E o risco de globalização do vírus também impacta diretamente as transações comerciais e financeiras, particularmente de commodities. E é exatamente por isso, e preventivamente, que a Bolsa sacolejou fortemente no Brasil. Vale, Petrobrás, Gerdau, CSN e Suzano chegaram a perder R$ 33 bilhões em valor de mercado na manhã de ontem. O vírus nem chegou ao Brasil, mas o medo já se instalou.

O Ministério da Saúde criou um Centro de Operações de Emergência, junto com a Anvisa, para tomar as medidas possíveis neste momento. Não é simples, porque as ações se concentram em aeroportos, portos e pontos estratégicos de fronteira, mas vamos pensar juntos. Como não há voos diretos do Brasil para a China, o monitoramento não tem foco, é dos mais variados voos, que vêm da Ásia, dos EUA e de capitais da Europa, como Madri, Lisboa, Roma, Amsterdã. E as fronteiras? O Brasil não consegue nem monitorar tráfico de drogas, armas e cigarros...

Rubens Barbosa* - O Reino Unido abandona a Europa

- O Estado de S.Paulo

Com o Brexit a União Europeia perde uma voz enérgica e ativa no cenário internacional

A eleição parlamentar de 12 de dezembro resultou na maior derrota do Partido Trabalhista desde 1935 e, de 1987 até hoje, na maior vitória dos conservadores. Apesar da divisão do país, o primeiro-ministro Boris Johnson passou a ter ampla maioria e maior liberdade para operar a saída do Reino Unido da União Europeia (UE).

Com a aprovação do Parlamento britânico, o Reino Unido deverá sair juridicamente da União Europeia na sexta-feira próxima, dia 31, três anos depois do referendo de junho de 2016. Haverá, até 31 de dezembro de 2020, um período de transição que o primeiro-ministro Boris Johnson pretende não prorrogar, mas que poderá estender-se até dezembro de 2022, dependendo da evolução das negociações.

No corrente ano a principal prioridade do governo britânico será abrir negociações comerciais com a UE e aprovar medidas legislativas internas em praticamente todas as áreas, pondo fim a um casamento que durou 45 anos. O Parlamento deverá examinar e aprovar legislação em todas as áreas para substituir normas e regulamentos da União Europeia hoje em vigor. Johnson, na contramão de políticas do Partido Conservador, tem reafirmado que pretende ter mais flexibilidade no tocante à presença do Estado sobretudo nos programas sociais, ao contrário das políticas seguidas até aqui no âmbito da UE.

Andrea Jubé - O troca-troca no governo Bolsonaro

- Valor Econômico

Cresce pressão pela substituição de Gustavo Canuto

O presidente Jair Bolsonaro foi aconselhado a aproveitar a nomeação da atriz Regina Duarte para a Secretaria de Cultura para deflagrar mudanças no primeiro escalão que são cogitadas há meses.

É essa a expectativa para o desembarque de Bolsonaro hoje em Brasília, após a viagem à Índia, que está causando frisson (para citar Tunai, morto na última semana) entre autoridades e políticos influentes na Esplanada.

Muito além da controversa recriação do Ministério da Segurança Pública, que induz ao confronto direto com o superministro Sergio Moro, evoluíram nos bastidores articulações para substituir os ministros do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, e da Educação, Abraham Weintraub.

Bolsonaro é avesso a mudanças. Em dezembro, disse que não faria reforma ministerial. “No meu governo não tem troca-troca”. Mas o risco de uma septicemia na área educacional e de novas crises com o Congresso em ano de reformas o obrigam a refletir.

Uma fonte do governo ressalva que não se cogita uma “reforma ministerial”, mas o que se chama nos bastidores de “freio de arrumação” para recolocar áreas estratégicas nos trilhos, como a Educação, e afinar a relação com parlamentares, já que o Desenvolvimento Regional abriga os programas de maior apelo eleitoral, depois do Bolsa Família.

Em dezembro, em uma reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Bolsonaro afirmou que estava disposto a substituir Canuto, segundo relato de uma fonte do DEM. O sucessor seria um nome avalizado pelo Centrão (DEM, MDB, PP, PL, SD, Republicanos), que comandou a pasta em gestões anteriores.

Em ano de eleições municipais, com o Congresso esvaziado a partir de junho, interessa ao presidente aparar as arestas com os parlamentares para garantir, senão a aprovação, o avanço das reformas no Legislativo: tributária, administrativa e três emendas constitucionais (PECs): emergencial, do pacto federativo e dos fundos infraconstitucionais.

O Desenvolvimento Regional - que veio da fusão da Integração Nacional e Cidades - é um dos mais cobiçados da Esplanada. Com orçamento de R$ 14 bilhões, pilota políticas de forte apelo popular, como o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), e estratégicas para o Nordeste, por meio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), que destina recursos para prefeituras da região e do norte de Minas Gerais.

No fim do ano, cresceu a insatisfação no Planalto com Canuto. Bolsonaro ficou contrariado porque o ministro autorizou a execução de emendas extraorçamentárias - recursos transferidos às prefeituras indicadas pelos parlamentares - à revelia do palácio.

Francisco Lopes* - As projeções do Sr. Ministro

- Valor Econômico

Se aceitarmos as projeções da Focus, a economia poderá estar crescendo algo perto de 3% ao ano ainda em 2020

Fazer projeções sobre economia, como se sabe, é sempre arriscado, mas nosso estimado ministro da Economia aposta numa trajetória de crescimento que parte de 1% em 2019, fica entre 2 e 2,5% em 2020, e chega a 3% em 2021 e 4% em 2022. Como avaliar isto: pessimista ou otimista?

Creio que é pessimista no curto prazo, pois não leva em conta que a medida normalmente utilizada da taxa de crescimento anual do PIB pode às vezes ser uma indicação bastante imprecisa da evolução do nível de atividade.

Permitam-me um exemplo bobo. Suponha que um indivíduo preocupado em controlar seu peso faz uma pesagem ao final de cada trimestre e nota que ao longo do ano de 2018 manteve sempre a marca de 60 kg. Em 2019, porém, começa a ganhar peso chegando a 66 kg no último trimestre. Suponha que o peso médio nos quatro trimestres de 2019 tenha ficado em 63 kg. Pergunta: qual foi o ganho de peso entre 2019 e 2018? Foi de 5%, dividindo 63 por 60, ou de 10%, dividindo 66 por 60? É claro que, se estou interessado em avaliar quanto efetivamente engordei em 2019, é a segunda percentagem que me interessa.

No caso do crescimento do PIB ocorre algo semelhante. O IBGE produz um indicador do PIB real a cada trimestre e podemos comparar a média de 2019 com a média de 2018, mas isto não é uma medida adequada para o crescimento efetivo em 2019. O correto é comparar o indicador do último trimestre de 2019 com o do último trimestre de 2018. Podemos denominar a primeira medida de taxa média de crescimento e a segunda de taxa de crescimento em quatro trimestres ou, abreviando, taxa 4T.

Naturalmente temos uma taxa de crescimento 4T para cada trimestre do ano. Por exemplo, para 2019 o IBGE já divulgou as taxas 4T de 0,59% no primeiro trimestre, de 1,08% no segundo e de 1,19% no terceiro. Também é importante notar que a taxa de crescimento média do ano é aproximadamente igual à média simples das taxas 4T dos quatro trimestres. Então se a taxa média de 2019 for realmente de 1,17% como projetado no último relatório Focus do Banco Central, a taxa 4T ainda não divulgada para o último trimestre será igual a 1,17 vezes 4 menos 0,59 menos 1,08 e menos 1,19. Ou seja, a taxa de crescimento 4T para 2019 será de 1,82%. Portanto se os números do Focus estiverem corretos a economia brasileira já cresceu a um ritmo próximo a 2% em 2019.

Centro-esquerda barra avanço da Liga na Itália

Heloísa Traiano Especial para O GLOBO

Derrota da extrema direita em eleição regional na Emília-Romanha, no Norte, após forte mobilização popular que quase dobrou comparecimento às urnas, tira de Salvini ímpeto para pressionar por mudança do governo central em Roma

Após várias horas de otimismo cauteloso, a esquerda italiana respirou aliviada no início desta segunda-feira quando foi confirmada a sua vitória nas eleições da região da Emília-Romanha, no Norte da Itália. Numa votação altamente simbólica para a política nacional, o candidato do Partido Democrático (PD), Stefano Bonaccini, garantiu o segundo mandato consecutivo como presidente regional com 51% dos votos.

O resultado é interpretado como um recado negativo para o conservadorismo em expansão no país, indicando que certas fronteiras permanecem intransponíveis —pelo menos neste tradicional berço da esquerda nacional, que se orgulha da sua história de resistência partigiana ao fascismo de Benito Mussolini.

SALVINI INVESTIU PESADO
A margem favorável foi de oito pontos percentuais contra Lucia Borgonzoni (43%), candidata da Liga, a legenda de extrema direita liderada pelo popular ex-vice-premier Matteo Salvini. Se, por um lado, o resultado pode ter sido uma surpresa agradável aos 45 minutos do segundo tempo para o PD —as últimas pesquisas apontavam cerca de 45% das intenções de voto para cada campanha —, por outro sinaliza um expressivo avanço do conservadorismo também aqui. Há apenas cinco anos, quando houve a última eleição, o então candidato da Liga obteve 29% dos votos, contra os 49% conquistados por Bonaccini.

O que a mídia pensa – Editoriais

Mais um fiasco – Editorial | Folha de S. Paulo

Após falha no Enem, MEC escolhe militante do design inteligente para a Capes

O que sobra em empáfia a Abraham Weintraub, nas redes sociais, lhe falta em competência à frente do Ministério da Educação. Sob sua administração, o MEC tem sido fonte inesgotável de más notícias para o ensino e a pesquisa no Brasil.

Considere-se a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Fundamental para a pós-graduação e a formação de professores, o órgão está no centro de uma polêmica porque Weintraub escolheu para dirigi-la um adepto do criacionismo.

Ressalve-se que o currículo acadêmico de Benedito Aguiar, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, parece adequado para a função. Numa instituição confessional como a que dirigiu, seria aceitável o ensino da doutrina religiosa segundo a qual todas as espécies são obra de Deus, não tanto da seleção natural neodarwiniana.

Aguiar, entretanto, subscreve a corrente do design inteligente, ou criacionismo “científico”, coisa que não é. Nessa forma de pensar, estruturas complexas dos organismos, como os olhos, teriam de ser projeto de uma inteligência superior, e não fruto do acaso (como é seu hábito caricaturar a teoria de Charles Darwin aperfeiçoada com o advento da genética).

Poesia | Joaquim Cardozo - Chuva de caju

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria.