sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Karl Marx*

A questão se cabe ao pensamento humano uma verdade objetiva não é teórica mas prática. É na praxis que o homem deve demonstrar a verdade, a saber, a efetividade e o poder, a citerioridade de seu pensamento. A disputa sobre a efetividade ou não-efetividade do pensamento-isolado da praxis – é uma questão puramente escolástica."


*Karl Marx (1818-1883), filósofo, sociólogo, historiador, economista, jornalista e revolucionário socialista. Nascido na Prússia, mais tarde se tornou apátrida e passou grande parte de sua vida em Londres, no Reino Unido. “Teses contra Feuerbach”, escrito em 1845, tese 2. In Os Pensadores, p.161. Nova Cultura, São Paulo,1987.

Monica de Bolle* - Decadência

- Revista Época

Sociedades que não mais reconhecem no conhecimento e na sabedoria as qualidades para seus líderes podem, sim, estar decadentes

E aí, o título evocou os sete pecados capitais? Não é desse tipo de decadência que se trata. A decadência sobre a qual escrevo é a definida pelo historiador e crítico cultural Jacques Barzun, falecido em 2012. Sua obra magna — Da alvorada à decadência: a história da cultura ocidental de 1500 aos nossos dias — foi publicada em 2000, quando o autor tinha 93 anos. Lembrei-me dela ao ler, no domingo passado, o ensaio de Ross Douthat no New York Times sobre seu novo livro, intitulado The decadent society (A sociedade decadente). Tanto Barzun quanto Douthat apresentam contraposições bem elaboradas à obra de Steven Pinker, O novo Iluminismo, publicada em 2018. Nesse livro, o argumento central de Pinker é que os intelectuais tendem ao pessimismo como uma espécie de atrator cognitivo — prefiro atrator ao termo mais comum, viés —, o que os leva a ignorar os progressos conquistados em diversas áreas nas últimas décadas. Tenho inúmeras críticas a essa obra específica de Pinker, mas as deixarei para outro artigo.

Voltando a Barzun. Sua definição de decadência não é moral ou estética. Sobre o termo, ele explica: “As artes como expressão da vida parecem ter sido exauridas, os estágios de desenvolvimento já foram ultrapassados. Instituições funcionam dolorosamente. A repetição e a frustração são o resultado intolerável dessa situação (...) Quando as pessoas aceitam a futilidade e o absurdo como estados normais, a cultura está decadente”. Douthat elabora: sociedades lideradas por gente mesquinha e arrogante não estão necessariamente em decadência, mas sociedades que não mais reconhecem no conhecimento e na sabedoria as qualidades para seus líderes podem, sim, estar decadentes.

José de Souza Martins* - Sob ataque

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Governos não são eleitos para insultar educadores, menosprezar cientistas ou desfazer as conquistas culturais e civilizatórias de um país. O governo atual não foi eleito para revogar o que somos

A publicação de uma lista da Secretaria de Educação de Rondônia com a determinação de recolhimento de 43 obras literárias destinadas às escolas, nos põe em face de orientações de governo que pedem análise e preocupação. Na objeção política ao livro e à leitura, no Brasil, que esse ato representa, é a civilização que está sob ataque com a chegada ao poder da mentalidade do desmonte do Estado brasileiro. Por aí, os eleitos de 2018 dão indicações de que supõem que, ao elegê-los, o povo abriu mão de seus direitos e conquistas como nação. Tudo vai se tornando revogável.

Não se trata de um evento de província, que nem por isso seria menos grave. Trata-se de desdobramento da guerra interna à erudição, declarada em diferentes atos de governo, como quando há semanas o próprio presidente sentenciou que os livros didáticos têm palavras demais. No seu governo, os livros serão, pois, instrumentos de minimização da cultura.

Governos não são eleitos para insultar educadores ou menosprezar cientistas ou desfazer as conquistas culturais e civilizatórias de um país. O governo atual não foi eleito para revogar o que somos no que de melhor temos. Protege-se no silêncio cúmplice da maioria.

As evidências que surgem nos diferentes setores do poder atual mostram que o regime de 1º de janeiro de 2019 funciona como um corpo invisível. É regulado por contaminação e identidade de propósitos que reúne os dispersos e frágeis na formação de um ser coletivo servil e cúmplice. Os absurdos de Brasília infiltram-se nos poros de Porto Velho e do país inteiro.

Fernando Luiz Abrucio*- O desmonte do serviço público

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Visão do governo Bolsonaro sobre a reforma administrativa está mais para o desmonte do que para a modernização do Estado em prol da cidadania

A democracia e o desenvolvimento dependem de um serviço público de qualidade e responsável perante a sociedade. Eis uma máxima da experiência internacional que abarca os países que combinam esses dois elementos. Mesmo com diferenças em alguns aspectos, vigora em todos eles um modelo baseado na profissionalização e responsabilização dos funcionários públicos. Se o Brasil almejar ser democrático e desenvolvido, precisa seguir esta trilha, o que vai significar fazer reformas em certas características da administração pública, sem que se perca o sentido nobre dessa função que, a despeito dos problemas existentes, tem sido essencial para melhorar a vida do país.

Mais uma vez, o Brasil realiza um daqueles debates estéreis baseados em visões dicotômicas de mundo. Não se deve nem defender um modelo meramente corporativista, e tampouco uma visão de que os funcionários públicos são uns parasitas. Qualquer ação nesse campo envolve um diagnóstico capaz de entender quais foram os avanços e os problemas que persistem.

Três elementos gerais podem ser destacados como marcas negativas na história do Estado brasileiro. O primeiro deles é o patrimonialismo. Esse fenômeno diz respeito à apropriação privada da coisa pública, podendo se manifestar na corrupção, na distribuição de empregos a amigos e parentes, bem como na criação de privilégios públicos a empresários ou categorias do funcionalismo público. A falta de transparência e de controles ajuda muito na manutenção desse modelo cartorial, que já se manifestou em governos de todos os espectros políticos, inclusive no atual, famoso por sua filhocracia.

A qualidade da gestão pública é outro tema relevante, envolvendo a capacidade de produzir melhores políticas públicas. Grande parte da máquina pública foi ineficiente ao longo da história, ao que se somava um sistema legal que aumentava os custos para a sociedade sem lhe dar os benefícios, como comprova a gigantesca legislação que procura regular todos os aspectos da vida dos cidadãos, favorecendo a pequena corrupção dos fiscais e os grupos que têm acesso privilegiado ao Estado.

César Felício* - Céu de brigadeiro, horizonte distante

-Valor Econômico

Bolsonaro quer ficar só e suas alianças são de curto prazo

Falar de 2022, para o presidente Jair Bolsonaro, é levar a discussão para uma zona de conforto. O presidente hoje - dois anos e oito meses antes do sufrágio - concretamente não tem adversários. A pesquisa divulgada ontem pelo site da revista “Veja”, realizada pela FSB com 2 mil entrevistas por telefone, é mais uma indicação neste sentido. Além de Bolsonaro liderar em todos os cenários em que é incluído, há um tanto de irrealismo em considerar como ameaças seus principais rivais.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, benzido pelo papa ou não, é inelegível, pelas normas da Lei da Ficha Limpa. O ministro da Justiça, Sergio Moro, por ora é um candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal, não há elementos para se pensar o contrário. O apresentador Luciano Huck é só uma conjectura. Ciro, Haddad e Amoêdo são puro “recall”. E Doria é o último colocado em qualquer cenário testado.

O antibolsonarismo é uma força, basta olhar a rejeição ao presidente, que não é capitalizada por ninguém. Há um vácuo, um posto vazio no cockpit, e Bolsonaro dá suas voltas no circuito. Seu maior inimigo, no momento, é o tempo. Faltam 30 meses e a quantidade de variáveis que podem surgir inviabilizam qualquer projeção de favoritismo. No começo de 2015, mesma antecedência em relação ao pleito futuro que vivemos hoje, também era impossível divisar quem encarnaria o antipetismo.

Bolsonaro deu partida para seu plano de reeleição em 2022 redobrando a aposta na comunicação direta com seu público de estimação, sem se comprometer com nenhuma liderança intermediadora.

Claudia Safatle* - Não é hora de relaxar

- Valor Econômico

A redução da dívida bruta/PIB se deu por razões conjunturais

Três fatores contribuíram para a primeira queda da dívida bruta do governo geral como proporção do PIB desde 2013. Foram eles: o crescimento da economia (de algo em torno de 1,2% em 2019), que reduziu a dívida em 3,9% do PIB; a venda de reservas cambiais pelo Banco Central, que contribuiu com uma queda de 2% do PIB; e a antecipação de pagamentos dos empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES, no valor de R$ 123 bilhões, que abateu mais 1,4% do PIB da dívida bruta.

O BNDES ainda tem cerca de R$ 165 bilhões de empréstimos do Tesouro e parte desses recursos vai entrar no caixa da União neste ano. A retração da dívida bruta como proporção do PIB no ano passado dá um grande alívio ao governo, mas, segundo o secretário Especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, não pode ser vista como uma redução estrutural.

Se nos próximos oito anos o governo geral apresentasse um superávit primário de 0,5% do PIB, na média do período, a dívida bruta cairia dos atuais 75,8% do PIB para a faixa de 65% do PIB, explicou ele.

Seria uma queda importante, de dez pontos percentuais do PIB, mas ainda assim o endividamento do setor público consolidado estaria muito alto comparado aos outros países emergentes e ao próprio país, que, em 2012, tinha uma dívida bruta correspondente a 52% do PIB.

Dora Kramer - As primeiras vítimas

- Revista Veja

Reformas tendem a não prosperar sob governantes populistas

O populista é por definição e conduta um ser egoísta, exibicionista e algo delirante. Desleal, dedica-se à arte de fazer as vezes de herói com o pescoço alheio. Tem especial talento para criar distrações sem efeito prático, mas bastante eficazes no quesito espetáculo.

A confusão armada pelo presidente Jair Bolsonaro com a fanfarronada sobre o preço dos combustíveis é um exemplo típico: ele sabe que é impossível “zerar” a cobrança de impostos, mas lança o desafio a fim de posar de benfeitor, deixando aos governadores o papel de predadores do contribuinte.

Esse tipo de governante gosta de atuar pela lógica do confronto, mas corre de situações em que as bolas divididas possam lhe render prejuízos eleitorais, ainda que as questões sejam absolutamente relevantes do ponto de vista do coletivo.

Luiz Inácio da Silva abandonou as mudanças na Previdência; esqueceu-se do discurso feito dias após a posse em prol da modernização das leis trabalhistas, com destaque para o funcionamento dos sindicatos; passou ao largo do sistema de tributos; e arquivou toda e qualquer reforma assim que percebeu o tamanho do contraditório a ser enfrentado.

Bolsonaro faz um pouco diferente, até porque, ao contrário de Lula, a unanimidade não está nos planos dele. Não por desejo, mas por impossibilidade. Joga, então, com o acirramento dos atritos de maneira seletiva, para consolidar a fidelidade de uma parcela do público, mas preserva margem de manobra quando a coisa tem dimensões mais amplas.

Luiz Carlos Azedo - O outro lado da praça

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Com o deslocamento da ala mais ideológica do centro do poder, o Palácio do Planalto deve ganhar mais coordenação e eficiência, porém, reforça seu distanciamento do campo político”

A confirmação da nomeação do general Braga Netto como novo ministro da Casa Civil, com o deslocamento do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) dessa pasta para o Ministério da Cidadania, reforça o viés bonapartista do governo Bolsonaro, o que não significa que esse seja o caráter do regime político brasileiro. Como se sabe, o bonapartismo se caracteriza pela centralização do poder na figura de um líder populista que se coloca acima das classes sociais e procura se legitimar através da comunicação direta com as massas. Estamos longe, porém, de um regime autoritário e militarista, porque o Brasil é uma democracia de massas, na qual o Congresso e o Judiciário têm grande protagonismo.

A mudança no Palácio dos Planalto completa uma troca de guarda: saiu a tropa de assalto e entrou a de ocupação. Os militares que darão as cartas no Palácio do Planalto — além do general Braga Netto, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva — sempre trabalharam juntos e são mais novos e bem mais moderados do que o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que já não tem a mesma ascendência sobre Bolsonaro do começo do governo.

Em termos de imagem, a ida de mais um general para o Planalto agrega ao governo valores identificados pela opinião pública como atributos positivos dos militares, como austeridade, competência e patriotismo. Com o deslocamento da ala mais ideológica do governo do centro do poder, o Palácio do Planalto deve ganhar mais coordenação e eficiência, porém, reforça seu distanciamento do campo político propriamente dito.

Entretanto, as pesquisas de opinião estão mostrando que a estratégia de Bolsonaro de manter a polarização com a esquerda, ignorar a imprensa e manter distância dos políticos está dando resultados positivos em termos eleitorais. O presidente da República mantém grande vantagem em relação aos seus principais adversários nas pesquisas, como candidato à reeleição, enquanto o governo, que sofre desgastes por causa de suas crises, recupera pontos na aprovação. Manter-se como um político antissistema não deixa de ser uma proeza de Bolsonaro, já que está no vértice do próprio sistema.

O outro lado dessa moeda, porém, é o fortalecimento do Congresso como poder político. A postura avessa às articulações políticas de Bolsonaro levou de volta ao Congresso a negociação dos interesses da sociedade e a liderança das reformas. O presidente da República já deu demonstrações de que sua agenda prioritária é a dos costumes e de combate aos movimentos identitários, não só com declarações, mas com atos administrativos. Mas essa pauta não prospera no Congresso, muito menos no Judiciário.

Ricardo Noblat - O Palácio do Planalto virou um puxadinho do QG do Exército

- Blog do Noblat | Veja

Ou não, segundo o Exército

Seus colegas de farda ainda se lembram dos argumentos esgrimidos pelo general Walter Souza Braga Netto em 2018 quando ele era Interventor Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro depois de ter sido Comandante Militar do Leste.

Nas reuniões, em Brasília, do Alto Comando do Exército, Braga Neto se destacava por defender a tese de que a Arma à qual servia com muito orgulho deveria manter-se distante das eleições, especialmente do candidato Jair Bolsonaro.

Que a soldadesca reverenciasse o ex-capitão, afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética, tudo bem. Ou melhor: ninguém poderia impedi-la de agir assim. Mas não faria bem à imagem do Exército se oficiais se comportassem da mesma forma.

Como Braga Neto, sempre pensou a maioria do Alto Comando – à frente o general Eduardo Villas Boas. Contudo, quando a vitória de Bolsonaro desenhou-se como quase certa, alguns generais debandaram ostensivamente para o lado dele.

Foi um desses generais, o atual ministro da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos, quem ajudou Bolsonaro a convencer Braga Neto para que aceitasse a vaga de Chefe da Casa Civil da presidência da República aberta com a saída de Onyx Lorenzonni.

O anúncio do nome de Braga Neto só foi feito ontem porque Bolsonaro quis saber antes do Comandante do Exército, general Edson Pujol, e do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, se o Exército estava de acordo com a escolha que ele fizera.

Reinaldo Azevedo - Aparecida, minha mãe, não foi à Disney

- Folha de S. Paulo

Empregadas, uni-vos na borrachada da luta sem classe

Minha mãe era empregada doméstica na década de 1970. Faxineira. Numa das casas, a patroa queria que as pedras do quintal, porosas, ficassem brancas. Era preciso esfregar muito. Com sabão em pó e água sanitária, que chamávamos “água de lavadeira”. Os pobres são convidados a encontrar o seu lugar já no vocabulário. “A linguagem é um vírus”. A educação pelas pedras.

A essa casa, tinha uns 10 anos, eu ia junto. A mãe tinha dores nas costas. Eu ajudava a esfregar o quintal. Ficava branco como leite. Nem pecado tributável passaria por ali.

Ela, então, molhou as pedras com a mangueira e as salpicou de Omo, aos poucos, em pequenas veredas. Pobre economiza sabão em pó alheio porque o desperdício ofende algo mais do que o bolso do patrão: agride o senso de sobrevivência. Peguei, moleque meio enfezado, a vassoura de piaçava para esfregar com força. Tem de ficar branca. Como leite. Sem pecado nem perdão.

Talvez fosse desnecessário acrescentar pitadas da estética “Parasita”. Ou de “Feios, Sujos e Malvados”, de que o filme coreano é caudatário, para informar: já tínhamos comido de pé, na cozinha, macarrão lavado com água de salsicha. Não era uma comida, mas um clichê. Como em “Parasita”. Como em “Feios, Sujos e Malvados”. Ettore Scola veio bem antes, admita-se, e era muito mais transgressor. Mas nós não queríamos roubar nada nem buscávamos intimidade.

A patroa viu a mãe polvilhar o sabão em pó. Gritou: “Tá pensando que eu sou a dona da fábrica de Omo? Você sabe quanto custa?” Ódio de pobre. Não havia desperdício. É que ela nos via como parasitas da sua riqueza. No fim das contas, o que a ofendia é que aquele serviço custasse uma diária.

Hélio Schwartsman - Guedes é bom?

- Folha de S. Paulo

Num governo funcional, ele talvez já estivesse no olho da rua

Tudo é relativo, de modo que, nos padrões da administração Bolsonaro, o Ministério da Economia desponta como uma ilha de racionalidade. Mas, se elevarmos um pouco a régua e utilizarmos critérios absolutos em vez de relativos, a avaliação de Paulo Guedes e sua equipe se torna bem menos efusiva.

É verdade que, ao longo do último ano, a paisagem econômica mudou para melhor, mas, sem prejuízo de algumas medidas acertadas, muito do desanuviamento se deu sem a participação direta do Executivo.

Parte da recuperação se deve à própria dinâmica dos ciclos econômicos. Embora Venezuelas sejam possíveis, o normal é que, depois de uma crise, venham mesmo dias melhores.

Um fator decisivo para o clima mais favorável foi a aprovação da reforma da Previdência. O Ministério da Economia decerto se esforçou para que ela ocorresse, mas quem preferir descrevê-la como uma obra tocada principalmente pelo Legislativo não estará errado. Houve até ocasiões em que o destempero verbal de Guedes atrapalhou. E ele continua sabotando a si mesmo quando impreca contra servidores públicos e domésticas.

Bruno Boghossian - Pobres e inconvenientes

- Folha de S. Paulo

Insulto a empregadas domésticas reflete visão impiedosa da população de baixa renda

Quando solta alguma declaração absurda, o ministro Paulo Guedes costuma dizer que a frase só parece ruim porque foi retirada de contexto. Colocadas lado a lado, no entanto, essas barbaridades desenham um quadro bem coerente.

O insulto às empregadas domésticas que brotou na explicação de Guedes sobre o valor do dólar foi tão gratuito que só pode ser interpretado como uma manifestação autêntica. Ele traduz a face amarga de um pacote que trata a população pobre como um detalhe inconveniente no meio de planilhas econômicas.

Na defesa de seu grande salto liberal, o ministro acenou com propostas que cruzam a fronteira da crueldade. Primeiro, veio a ideia de mutilar o benefício pago a idosos miseráveis. Depois, chegou a proposta de taxar o seguro-desemprego.

Ruy Castro* - Trump de bolso

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro quer ser Trump. E Trump nem sequer pensa em Bolsonaro a ponto de desprezá-lo

Jair Bolsonaro, ao se olhar no espelho, deve se ver como um Donald Trump em ponto menor. Um Trump de bolso, mas tão voluntarioso quanto, cortador de atalhos, que faz o que acha que precisa ser feito. Daí, como Trump, sente-se autorizado a espezinhar a máquina administrativa, a liturgia do poder e as instituições. Acontece que, por mais grosso, Trump não improvisa. Faz-se de ignorante, mas frequentou museus em jovem, estudou economia e aprendeu a falar. O matuto Bolsonaro estudou ordem unida, saltar de paraquedas e lavar cavalos. Há uma diferença.

Assim como Trump, Bolsonaro cavalga sobre a Constituição que jurou defender, desfaz conquistas de governos anteriores e despreza conceitos que há muito se julgavam estabelecidos, quanto às minorias, ao meio ambiente e às relações internacionais. Dia sim, dia não, precisa investir contra o Congresso, o Judiciário, a imprensa, a ONU e qualquer organismo que veja como uma ameaça à sua autoridade —para mostrar que está no poder. E como bate sem levar troco sente-se forte.

Vinicius Torres Freire - Ano começa com certo cheiro ruim de 2019

- Folha de S. Paulo

Economia frustrou um tanto, desvarios de Bolsonaro afetam mudanças econômicas

Este 2020 começa com algum cheiro ruim de 2019, com um pouco de mofo e poeira. Há pelo menos paralelismos entre o primeiro e o segundo ano da “nova era”.

1) O crescimento da economia na virada do ano foi frustrante, pelos dados conhecidos até agora, oficiais. Indústria e comércio cresceram menos em 2019 do que em 2018; serviços, um tico mais. O investimento em máquinas, instalações produtivas e residências foi menor, pela estimativa do Ipea.

2) O governo cria crises políticas e de imagem gratuitas e grotescas, atirando no próprio pé, tentando mirar na própria cabecinha.

3) Embora o “parlamentarismo branco”, a nova preponderância do Congresso, tenda a permanecer, mudanças ministeriais, a militarização do Planalto, incompetências políticas e outras barbaridades do governismo vão exigir algum rearranjo da relação com o Parlamento.

4) A demagogia de Jair Bolsonaro levanta outra vez a suspeita, ainda que risco ora remoto, de que o presidente avacalhe de vez a dita “agenda de reformas”, o programa da elite econômica.

Como se sabe, Bolsonaro causou confusão ao tratar de impostos sobre combustíveis ou de dólar, além de fraquejar com a reforma administrativa.

5) O governo parece uma balbúrdia mesmo em assuntos cruciais, de interesse do “bloco de poder”. Bolsonaro, numa contradança com Paulo Guedes, cria confusão sobre a reforma tributária. Em parte, o governo não sabe o que quer; em parte, ideias de Guedes têm sido vetadas em público pelo presidente (CPMF, “imposto do pecado”).

Bernardo Mello Franco - Falabella disse tudo

- O Globo

A TV brasileira consagrou personagens conhecidos pela aversão aos pobres. As declarações do ministro Paulo Guedes caberiam na boca de um deles

Odete Roitman tinha alergia a pobre. A magnata de “Vale Tudo” detestava o Brasil em geral e os brasileiros pobres em particular. “Essa terra não tem jeito. As pessoas aqui não trabalham, é um povo preguiçoso”, dizia. Para ela, o país podia ser resumido como “uma mistura de raças que não deu certo”.

Bia Falcão dizia que “pobreza pega”. Pega como sarna, como um vírus. Entra pela pele, pela respiração”, garantia. Numa cena de “Belíssima”, a empresária explicou sua receita para circular em áreas populares. “Prendo o ar. Não toco em nada para não me contagiar”. “Não sei como eu não morri”, emendou, depois de narrar uma incursão pelo subúrbio.

Caco Antibes gostava de rir da pobreza. “Pobre é uma coisa triste”, ironizava o trambiqueiro de “Sai de Baixo”. Dizendo-se um “príncipe dinamarquês”, ele fazia piada com tudo o que viesse do povo. “Casamento de pobre é a visão do inferno”, debochava, como se só os ricos tivessem direito a subir ao altar.

Flávia Oliveira - O suco de preconceito de Guedes

- O Globo

Na categoria dos trabalhadores domésticos, não há vestígio de abundância de viagens internacionais

Tão íntimo de planilhas e apresentações que justificam cortes e mais cortes nos gastos, projetos e mais projetos de reforma do Estado, o ministro Paulo Guedes perdeu-se na retórica na última peça de sua coleção de declarações impróprias. Não há evidência estatística que relacione trabalhadores domésticos à “festa danada” de viagens de brasileiros à Disneylândia, como declarou. Foi puro suco de preconceito. Dá para chamar de aporofobia, aversão aos pobres, misturada à misoginia, com pitadas de racismo estrutural.

No último trimestre do ano passado, segundo o IBGE, trabalhadores domésticos ganhavam em média R$ 897 por mês, quantia inferior ao salário mínimo de 2019 (R$ 998) e claramente incompatível com as visitas aos EUA que o czar da Economia associou ao dólar barato anterior à sua gestão. No gênero, Guedes não errou. A Pnad Contínua consagra o masculino, mas são mulheres nove entre dez (92,7%) pessoas ocupadas nos lares brasileiros. Duas em cada três (65,9%) têm a pele preta ou parda.

Na numerosa categoria dos trabalhadores domésticos, herança da colonização forjada na escravidão, não há vestígio de abundância de viagens internacionais. Nos anos recentes, o que sobra é precarização. Desde 2013, o país viu o total de ocupados saltar de 5,941 milhões para 6,356 milhões: em sete anos, saiu do ponto mínimo para o pico da série histórica. A informalidade deu tom: desde 2014, o número de trabalhadores sem carteira assinada passou de 4,038 milhões para 4,585 milhões. Mesmo com a PEC das Domésticas (que estendeu ao grupo os benefícios trabalhistas da septuagenária CLT), entre 2015 e 2019, o número de empregados formais caiu de 2,081 milhões para 1,770 milhão.

Ricardo Rangel* - Que autocrítica é essa?

- O Globo

A presunção do PT e de suas linhas auxiliares (como o PSOL, onde está Chico) é a principal responsável pela eleição de Bolsonaro

Anteontem, Chico Alencar, ex-deputado federal pelo PT e pelo PSOL, publicou neste espaço o artigo “Desafios do PT aos 40 anos”, sobre as perspectivas do Partido dos Trabalhadores.

Chico afirma que, antes de 1980, os partidos eram “ajuntamentos de interesses aristocráticos”, mas que o PT “veio das praças para os palácios” e “chegou criticando experiências autoritário-burocráticas do ‘socialismo real’”. O PT de fato nasceu com a promessa de ser um partido democrático, mas até que ponto a cumpriu?

Em 1985, as forças progressistas apoiavam Tancredo Neves, um democrata, mas o PT, amuado com a derrota das Diretas Já, recusou-se a votar, preferindo o risco da vitória de Paulo Maluf, candidato da ditadura. E, “democraticamente”, expulsou os três petistas que votaram em Tancredo.

O PT votou contra a Constituição “cidadã” que ajudou a escrever — e quase não a assinou. Em 1989, contra Collor, o PT “democraticamente” cindiu os brasileiros entre “nós” (os virtuosos) e “eles” (a direita, os canalhas, a elite branca de olho azul, os coxinhas, os fascistas), periodicamente reeditando a polarização.

O PT combateu o Plano Real, recusou uma aliança natural com o PSDB, colou no partido a etiqueta “direita”, fez uma oposição sistemática ao governo FHC. Lutou pelo impeachment de todos os presidentes não petistas, e não criou liderança relevante além daquele que, até da cadeia, é o chefe supremo. O partido “dos trabalhadores” vota contra a reforma do Estado e a favor dos privilégios das corporações (a nova aristocracia), enquanto defende o “socialismo real” de Cuba e Venezuela e advoga o “controle social” da mídia, dita “golpista”.

Segundo Chico, ao chegar ao poder, o PT “fez alianças desconsiderando fronteiras éticas, mais pragmáticas que programáticas”, e falhou na “construção de uma ‘nova gramática’ do poder, inclusive na formulação de uma política econômica alternativa”.

Os defeitos do PT vêm de antes da chegada ao poder (resultante, em parte, do apoio do PTB, comprado com dinheiro vivo), mas Chico é um tanto injusto em sua “crítica”. Corrupção costuma ser coisa desorganizada, cada um roubando como pode; já corrupção planejada, operada de forma centralizada pelo Palácio do Planalto, com mesada para parlamentar e objetivo estratégico, é uma “‘gramática’ do poder” que “nunca antes neste país” se viu. Já a “nova matriz econômica” — que atirou o país na maior recessão de todos os tempos e criou desemprego recorde — é, sem dúvida, uma “política econômica alternativa”.

Míriam Leitão - Greve, preços e o futuro da Petrobras

- O Globo

Presidente da Petrobras diz que a greve não teve impacto, defende a venda de ativos e nega que isso seja uma forma de privatização

A Petrobras enfrenta há 13 dias uma greve de funcionários, mas segundo seu presidente, Roberto Castello Branco, não houve queda de produção. “Até agora nenhum barril de petróleo deixou de ser produzido.” Ele nega que a empresa esteja sendo privatizada aos poucos, mas reafirma que continuará vendendo ativos porque a estatal é a petrolífera mais endividada do mundo. Castello Branco diz que as maiores companhias do setor estão diminuindo sua participação no refino, e é o que a Petrobras pretende fazer. Sobre preços, ele garante: “Até hoje a interferência do presidente Bolsonaro tem sido zero.”

Na semana passada, Bolsonaro usou a primeira pessoa para falar sobre queda dos reajustes: “Eu baixei o preço três vezes”, disse. Roberto Castello Branco garante que a empresa tem decidido os preços livremente. Perguntei o que ele achava que o presidente queria dizer:

— Ele é o presidente, tem o direito de falar o que quiser. Uma coisa é a política, outra é a administração de uma empresa. Nós seguimos administrando. O importante é que ele respeita a independência da Petrobras. Ele nunca me telefonou pedindo que baixasse o preço ou fizesse qualquer coisa.

Desde o dia primeiro, há uma greve na Petrobras, mas Roberto Castello Branco diz que espera que o problema seja superado em breve. Equipes de contingência têm mantido a produção e ele tem a expectativa de que os grevistas voltem ao trabalho:

— O Tribunal Superior do Trabalho classificou a greve como de motivação política, porque não existem motivos no campo real. Depois de seis meses de negociação, um acordo coletivo de trabalho foi assinado pela Petrobras e os sindicatos, em novembro, e a empresa vem cumprindo rigorosamente o que foi estabelecido.

Simon Schwartzman* - A tentação de Goebbels

- O Estado de S.Paulo

Devem nos preocupar os que não se importam com meios para chegar a seus fins políticos

Em 1934 o jovem Luís Simões Lopes, chefe de gabinete de Getúlio Vargas e mais tarde criador do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) e da Fundação Getúlio Vargas, vai a Berlim, fica fascinado com o Ministério de Propaganda de Goebbels e manda uma carta entusiasmada para o presidente dizendo que o Brasil precisava de algo parecido. “O que mais me impressionou em Berlim”, escreve, “foi a propaganda sistemática, metodizada do governo e do sistema de governo nacional-socialista. Não há em toda a Alemanha uma só pessoa que não sinta diretamente o contato do nazismo ou de Hitler, seja pela fotografia, pelo rádio, pelo cinema, através da imprensa alemã, pelos líderes nazis, pelas organizações do partido...”.

A carta expressa dúvida sobre a obsessão nazista com a grande conspiração dos judeus para dominar o mundo (“parece-me que através do capitalismo seria mais fácil”), mas é só um detalhe: “A organização do Ministério da Propaganda fascina tanto que eu me permito sugerir a criação de uma miniatura dele no Brasil.

Evidentemente, não temos recursos para manter um órgão igual ao alemão (...), mas podemos adaptar a organização alemã dotando o país de um instrumento de progresso moral e material formidável. A Alemanha, além de outras todas, leva-nos a vantagem de ter um governo praticamente ditatorial”.

“Com todos os tropeços que se nos deparam, devemos ensaiar a adoção dos métodos modernos de administração, de órgãos de ação pronta e eficaz, experimentados em outros países.”

Depois de detalhar as áreas de atividade do ministério, a carta continua dizendo que “a antiga nobreza é contra Hitler, que acabou na Alemanha com as castas”, e “a democratização é um fato. Os ‘dancings’, cinemas etc., que eram frequentados pela elite, estão hoje repletos de povo, que vive satisfeito e distraído, esquecido da política”.

Num apêndice há um resumo das principais áreas de atuação do Ministério da Propaganda: são dez itens, começando com questões gerais da vida social e política, combatendo os adversários dentro e fora do país e controlando todos os meios de propaganda e publicação, da arte e de cultura, e culminando com a organização de manifestações oficiais, festas nacionais, feriados e o hino nacional.

Eliane Cantanhêde - De Guedes para Lula

- O Estado de S.Paulo

Ministro devolveu a Lula e ao PT a marca social e o slogan do rico contra o pobre

Durante anos, o PT e o próprio ex-presidente Lula insistiram no que parecia uma fantasia, ou peça de marketing: a de que “as elites” rejeitavam Lula porque era um nordestino retirante e nunca suportaram que pobres viajassem lado a lado com eles nos aviões. Isso sempre soou bobo, ridículo, populista. Desde a quinta-feira, contudo, passou a fazer sentido, a ser levado a sério.

Em geral correto no conteúdo e desastrado na forma, o ministro Paulo Guedes acaba de dar de bandeja uma superbandeira política e eleitoral para o PT e Lula. “Empregada doméstica indo pra Disneylândia? Uma festa danada. Peraí!”, disse o ministro, que acaba de passar férias em... Miami!

Assim como há no Brasil o reino da piada pronta, Guedes introduz agora o slogan pronto de campanha. Só que da oposição, do adversário. Já dá para ouvir Lula e candidatos petistas entoando País afora: “Empregada doméstica indo pra Disneylândia? Uma festa danada Peraí!”. Nenhum marqueteiro maquiavélico faria melhor.

Para piorar as coisas para o bolsonarismo e melhorar para o petismo, a declaração foi exatamente na véspera de Lula se encontrar com o papa Francisco no Vaticano, por uma hora e em lugar reservado, para, segundo Lula, discutirem um “mundo mais justo e mais fraterno” e “a experiência brasileira no combate à miséria”.

Elena Landau* - A Desumanização

- O Estado de S.Paulo

Este governo teima em separar, desunir e antagonizar

A Desumanização é o título de um lindo livro de Valter Hugo Mãe. Em tempos de discussão sobre gravidez precoce, sua leitura é imperdível. Mostra numa escrita quase poética as consequências cruéis da falta de acolhimento familiar nesses casos. Roubei para usar aqui no seu sentido literal. Cai como uma luva para ilustrar a falta de humanidade deste governo, intolerante aos diferentes dele.

Presidente, filhos, ministros e colaboradores perderam a censura e com ela a cortesia. Pode ser bom que revelem o que realmente pensam, sem disfarces. Mas choca porque estão no comando de políticas públicas para todos os brasileiros, e não apenas seus eleitores. Políticas que deveriam ser desenhadas para integrar, unir, gerar oportunidades a quem não tem.

Essa é a essência do liberalismo. Mas este governo teima em separar, desunir e antagonizar.
Cada vez parecem se sentir mais à vontade para suas impropriedades, e vão subindo o tom. Não é só o conteúdo que ofende, mas a forma, que amplifica a ofensa. Gestos impróprios na porta do Palácio, # com palavrões, xingamentos a seguidores nas redes sociais. A agressividade dos seus apoiadores é estimulada pelo exemplo de cima, transformando a internet em uma praça de guerra.

Não deveria ser surpresa. Afinal, Bolsonaro começou sua campanha na votação do impeachment homenageando Ustra. Nada mais desumano e covarde que a tortura.

Todo dia é um 7 a 1. Compartilham ataque covarde e sexista a uma jornalista. Outra foi mandada de volta para o Japão. Debocham das aparências das mulheres. Aplaudem vídeos nos quais o homossexualismo é apresentado como origem de perversidades e dizem que portadores de HIV pesam no orçamento. Se divertem quando jornalista do “círculo do poder” faz chacota de brasileiro em palestra. 

O Goebbels tupiniquim só foi demitido, a contragosto do chefe, porque se sentiu tão à vontade que saiu do armário. Na Fundação Palmares está alguém que acha que a escravidão foi uma bênção para os negros. Um ministro, que nos remete ao personagem Justo Veríssimo, acha que pobre não sabe poupar, destrói o meio ambiente e não pode ir a Miami. Vivem numa bolha. E partilham das mesmas ideias.

Gilles Lapouge - Crueldade de Salvini

- O Estado de S.Paulo

De tempos em tempos, os corações vibram e fazem ouvir sua voz

Matteo Salvini, o homem forte da Itália, chefe da Liga, poderoso partido de extrema-direita, era ministro do Interior do último governo e, como tal, concebeu e aplicou uma cruel política de imigração: fechou os portos italianos sempre que um “barco à deriva”, carregado com centenas de “migrantes” (líbios, africanos, etc.) tentava se refugiar na Europa, longe da morte.

Essa decisão garantiu a fama e o poder político de Salvini. Finalmente, disse a maioria dos italianos, um homem lúcido e corajoso. Em vez de nos cansar com queixas, arrependimentos e orações, apiedado da tragédia dos migrantes, Salvini ataca a catástrofe pela raiz – e que se danem as almas sensíveis. A Europa está sendo assolada por novas “invasões bárbaras”. Salvini manda esses invasores de volta a seus desertos. E que se danem os sentimentos do coração.

O problema do coração é que ele é caprichoso. Por um bom tempo, engole as cobras e lagartos que lhe dão de comer os agrimensores, os contadores, os técnicos, os sensatos. Mas, de tempos em tempos, os corações vibram e fazem ouvir sua voz.

Foi o que aconteceu na Itália: o Senado italiano acaba de autorizar que se apresente à justiça um processo contra Matteo Salvini, que quer expurgar a Itália – e toda a Europa – dessas pessoas desterradas.

O que a mídia pensa – Editoriais

Incontinência verbal – Editorial | Folha de S. Paulo

Falas improvisadas de Paulo Guedes corroem sua credibilidade como interlocutor

Fiador do governo Jair Bolsonaro na área econômica, o ministro Paulo Guedes mina sua credibilidade com frequência quando vem a público expor o que pensa sobre os problemas brasileiros.

Não há dúvida de que o acelerado crescimento das despesas do governo com pessoal é uma questão que requer atenção, e a equipe do ministro há meses debate uma proposta de reforma administrativa para atacar o problema.

Na semana passada, no entanto, Guedes sabotou o próprio projeto ao chamar de parasitas os funcionários públicos, numa palestra em que defendeu mudanças nos salários e nas carreiras dos servidores.

Além de unir os sindicatos da categoria e outros opositores da reforma, o ataque grosseiro e indiscriminado ao funcionalismo contribuiu para desencorajar o governo e seus aliados no Congresso.

Na quarta (12), o ministro fez outra exibição de insensibilidade e destempero ao tratar com escárnio as empregadas domésticas enquanto discorria sobre o encarecimento do dólar e seu impacto na vida dos brasileiros.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Salário

Ó que lance extraordinário:
aumentou o meu salário
e o custo de vida, vário,
muito acima do ordinário,
por milagre monetário
deu um salto planetário.
Não entendo o noticiário.
Sou um simples operário,
escravo de ponto e horário,
sou caxias voluntário
de rendimento precário,
nível de vida sumário,
para não dizer primário,
e cerzido vestuário.
Não sou nada perdulário,
muito menos salafrário,
é limpo meu prontuário,
jamais avancei no Erário,
não festejo aniversário
e em meu sufoco diário
de emudecido canário,
navegante solitário,
sob o peso tributário,
me falta vocabulário
para um triste comentário.
Mas que lance extraordinário:
com o aumento de salário,
aumentou o meu calvário!