terça-feira, 10 de março de 2020

Paulo Fábio Dantas Neto* - Prudência e urgência (razões de tática e estratégia políticas)

Pouco mais de um ano de governo Bolsonaro e tornou-se um bordão, aceito em amplos ambientes, a ideia de que os democratas brasileiros precisam se articular e se entender para derrotar a estratégia de enfraquecimento da democracia representativa, levada a cabo pelo Presidente da República. Situação limite essa, pois caberia, a quem ocupa esse posto, ser justamente o mais poderoso e eficaz defensor do regime e da Constituição, graças aos quais chegou aonde está. Os fatos, porém, já não deixam dúvida de que temos um presidente subversivo da lei e da ordem. Esse ponto é tacitamente reconhecido, seja por quem aplaude, seja por quem abomina a sua conduta golpista. Quem aplaude admite lhe dar ainda mais poderes para, supostamente, mandar os políticos embora. Quem abomina, busca a melhor maneira de atalhar esse seu caminho.

No campo bolsonarista, eventuais dúvidas táticas sobre como levar ao sucesso a sua estratégia golpista resolvem-se com ordens do dia de um capitão que se tornou especialista em constranger generais. A ordem em vigor, no momento, convoca abertamente, para o próximo domingo, 15/03, uma manifestação de rua, fisicamente próxima à Praça do Três Poderes, para aclamar o presidente e contestar as autoridades ocupantes dos dois outros poderes da República. A essa altura, a sociedade, apreensiva, já se pergunta, com razão, o que farão a Polícia Militar e as Forças Armadas se algum dos dois poderes postos na berlinda solicitar, legitimamente, sua proteção, em caso dessa manifestação sair dos limites razoáveis e degenerar em agressão direta como, aqui e ali, há muito tempo se ensaia. Augusto Heleno esteve só, em sua provocação golpista? Poderia ser devidamente “enquadrado”, por seus interlocutores na ativa, depois daquelas declarações? Autoridades militares responsáveis e comprometidas com a democracia terão força para não deixar que o ovo da serpente alimente os apetites e contamine a corrente sanguínea de seus pares e comandados?

Essas perguntas não calam porque nenhuma pessoa sensata, que observe com atenção a cena política atual, ignora que as cúpulas dessas corporações já podem estar sofrendo uma dupla pressão nas bases que, por hierarquia profissional, comandam. Refiro-me à disseminação, pelo aparelho de doutrinação bolsonarista, em estratos mais baixos da oficialidade das forças armadas, de uma nostálgica ideologia golpista e salvacionista que a derrota do regime autoritário na transição democrática dos anos de 1980, seguida de três décadas de democracia, puseram em desuso naquele ambiente. Em que grau essa subversão de valores democráticos já avançou recentemente na corporação é algo que só pode ser sabido por quem detém informações privilegiadas. Mas o processo preocupa, assim como deve preocupar também a pressão corporativa que pode emanar, em grau crescente, ainda mais embaixo, diante de uma eventual indisposição, por dever constitucional, de comandantes militares com um presidente subversivo. Sim, pois esse presidente e seus filhos propagam um discurso demagógico que acena às tropas com vantagens materiais e, no caso de policiais transgressores da lei, também com uma odiosa impunidade.

Merval Pereira - Aventura perigosa

- O Globo

A ideia de que haveria disposição dos militares de controlar os ímpetos de Bolsonaro já foi superada

O presidente Bolsonaro está levando parte das Forças Armadas a uma aventura que não se sabe como terminará. A idéia equivocada de que haveria por parte dos militares disposição de controlar os ímpetos de Bolsonaro já foi há muito superada.

Mesmo que se saiba que existe desconforto de parte dos militares com as posições do presidente em certos temas, sempre há um ingrediente ideológico que une as Forças Armadas. A política de Meio-Ambiente do governo, por exemplo, se por um lado preocupa pelo prejuízo à imagem internacional do país, e pela possível perda econômica que pode provocar, também une os militares na visão estratégica da região.

O temor de que a região possa ser dominada por interesses estrangeiros une o pensamento militar a favor de nossa soberania, supostamente ameaçada. As questões ideológicas na política são também mais fortes do que eventuais desacordos com a maneira como as situações são enfrentadas por Bolsonaro.

Há uma tendência a considerar que ele é quem sabe lidar com políticos, pois é quem tem popularidade e votos. Ainda durante a campanha, quando o General Villas Boas ainda era o Comandante do Exército, alguém, numa roda de conversa em seu gabinete em que estavam generais que hoje integram o governo Bolsonaro, perguntou por que os militares não controlavam um pouco os arroubos do então candidato. Villas Boas deu uma gargalhada e disse: “Ele é incontrolável”.

Carlos Andreazza - Quinze semanas para as Cassandras

- Globo

Bolsonaro arma o conflito e o usa como desculpa

Quinze semanas. Eis o prazo para que as reformas econômicas estruturais sejam aprovadas — inclusive e sobretudo aquelas que o governo ainda não mandou ao Parlamento. Mas a culpa, claro, é do Congresso Nacional, responsável — segundo a narrativa influente — por não fazer tramitar projetos cujos textos não recebeu. Um absurdo! Está lá no telefone da tia do zap; presença confirmada na próxima manifestação pró-Bolsonaro e contra a corja que não o deixa trabalhar.

Quinze semanas para o trem andar. Pouco mais de três meses. Arredondando: daqui até junho. Período estabelecido pelo próprio ministro da Economia, decerto sob pressão — por resultados — de um chefe cuja conversão ao liberalismo tem amarras tão firmes quanto as possíveis a um Geisel que só pensa em reeleição.

Na ditadura, aliás, era mais fácil — refletirá agora o liberal econômico tipicamente brasileiro, aquele a serviço do reacionarismo, impressionado com o capitalismo chinês, sujeito para quem, na prática, a democracia é o empecilho. O liberal brasileiro, o que celebra o patriota general Heleno, aquele em cuja juventude, ajudante de ordens do mais radical entre os ditadores, não era necessário instilar manifestação contra o Congresso — já que Congresso (autônomo) não havia. Tempos difíceis os atuais; os de um Ernesto Geisel que só pensa em reeleição, que é obrigado a conviver com um Legislativo independente, e que tem por principal conselheiro um Silvio Frota. Força, guerreiro!

Quem acreditou que Jair Bolsonaro — aquele que compreende economia como Dilma Rousseff, e que sempre votou com o PT em matéria econômica — pudesse ser o que jamais foi? Quem? Ele. O liberal brasileiro.

Bernardo Mello Franco - A novela de Regina Duarte

- O Globo

Regina Duarte assumiu há seis dias e já parece estar na corda bamba. Ontem a atriz foi desautorizada duas vezes pelo governo que passou a integrar

Regina Duarte assumiu há seis dias e já parece estar na corda bamba. No domingo, a atriz disse que uma “facção” quer derrubá-la da Secretaria da Cultura. O desabafo só aumentou a agressividade da ala mais radical do bolsonarismo.

O ideólogo Olavo de Carvalho, guru do presidente, escreveu que Regina “não está boa da cabeça” e “não deve ocupar cargo nenhum”. Em vez de receber solidariedade, a atriz foi desautorizada duas vezes num intervalo de poucas horas.

De manhã, o ministro Luiz Ramos foi às redes para criticar sua entrevista ao “Fantástico”. Disse que o uso do temo “facções” indica divisões “inexistentes e inaceitáveis” no governo. À noite, o Planalto cancelou a nomeação de Maria do Carmo Brant de Carvalho. Ela seria uma das principais integrantes da equipe de Regina.

A assistente social foi nomeada ontem para chefiar a Secretaria da Diversidade Cultural. No fim do dia, o Planalto cancelou o ato em edição extra do “Diário Oficial”. Maria do Carmo havia sido tachada de esquerdista por blogueiros ligados ao governo.

Eliane Cantanhêde - Encolhendo ministros

- O Estado de S.Paulo

O ‘sol’ Bolsonaro começa a apagar o brilho de mais uma estrela: Regina Duarte

É só impressão ou os grandes nomes que se aproximaram do presidente Jair Bolsonaro e entraram no governo estão encolhendo? É uma espécie de maldição que agora se abate sobre a atriz e secretária de Cultura, Regina Duarte, eterna “namoradinha do Brasil”.

Se havia um verdadeiro “mito” na posse do governo, era o juiz Sérgio Moro, cuja fama atravessou fronteiras e oceanos depois de comandar a maior operação de combate à corrupção do mundo. Não durou muito. Mito como juiz de Curitiba, Moro foi colocado no devido lugar pelo presidente, conhecido tanto pelo ciúme quanto pela mania de perseguição, o capitão do “quem manda no governo sou eu”, reforçado pelo “quem tem votos e popularidade sou eu”.

O super-Moro foi diminuindo até que sua mulher, Rosângela Moro, admitiu: “não vejo o Bolsonaro, o Sérgio Moro, eu vejo o Sérgio Moro no governo Bolsonaro, eu vejo uma coisa só”. Quem engoliu quem? O presidente, que encolhe todos à sua volta, ou o ministro, que aguentou uma desautorização após a outra e não deu uma palavra contra o motim de PMs no Ceará?

O super-Guedes também não está mais essa Brastemp toda, depois de perder o embalo da reforma da Previdência e tratar como corriqueiro o PIB de 1,1%. Diz que “sem reforma não tem crescimento”, mas nada de enviá-las ao Congresso. Enquanto isso, o presidente se encarrega de convocar – agora à luz do dia – manifestações que são, sim, contra o Legislativo e o Judiciário.

Luiz Carlos Azedo - Um conto árabe

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

”Com a nova crise do petróleo, a conjuntura mudou completamente, mas parece que o presidente Jair Bolsonaro ainda não percebeu a verdadeira dimensão do problema”

“Aquele que não sabe se adaptar às realidades do mundo sucumbe infalivelmente aos perigos que não soube evitar (…) Aquele que não prevê as consequências de seus atos não pode conservar os favores do século” (As Mil e Uma Noites). Desde a década de 1970, a Arábia Saudita manipula o fato de que o petróleo não tem uma fonte renovável, virando a mesa na relação com as grandes potências. O desenvolvimento da economia do carbono, com a industrializaçao e a ampliação do consumo, somente aumentou seu poder de barganha, liderando a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Foi-se o tempo em que as chamadas “Sete Irmãs” (Standart Oil, Royal Dutch, Shell, Móbil, Gulf, BP e Standart Oil da Califórnia) controlavam os preços do mercado.

A primeira crise do petróleo ocorreu em 1956, quando o Egito nacionalizou o Canal de Suez, que era de propriedade anglo-francesa. A medida fez com que o abastecimento de produtos nos países ocidentais fosse interrompido, o que causou aumento dos preços do petróleo. O segundo momento foi em 1973, em protesto ao apoio que os Estados Unidos deram a Israel durante a Guerra do Yom Kipur: os países-membros da Opep novamente supervalorizaram o preço do petróleo. Entre outubro daquele ano e março de 1974, ou seja, em cinco meses, aumentou 400%, com reflexos nos Estados Unidos e na Europa, e desestabilizou a economia mundial.

Essa crise foi um fator decisivo para o colapso do chamado “milagre brasileiro”, durante o governo de Ernesto Geisel, o que colocou em xeque o regime militar. A resposta do governo foi criar o programa do álcool e iniciar a busca de petróleo no mar, para reduzir a dependência. Só recentemente o Brasil passou a ser autossuficiente na produção de petróleo. Nova crise ocorreu após a Revolução do Irã, cuja guerra com Iraque reduziu a produção de petróleo, eram os dois maiores produtores, e a oferta do petróleo foi bastante reduzida no mercado mundial. Em 1991, a Guerra do Golfo gerou outra crise. O Kuwait foi invadido pelo Iraque, os Estados Unidos intervieram no conflito e expulsaram os iraquianos do Kuwait, que, ao sair, incendiaram poços de petróleo.

Na crise financeira de 2008, iniciada no mercado imobiliário dos Estados Unidos, movimentos especulativos de escala global fizeram com que o preço do petróleo subisse 100% entre os seis primeiros meses do ano. Agora, estamos diante de nova crise, provocada pela Arábia Saudita, num cenário em que os preços do petróleo já estavam em baixa, por causa da epidemia de coronavírus, que desacelerou a economia global e afetou a demanda por energia. Os membros da Opep ainda são os maiores produtores de petróleo do mundo, juntos somam 27,13% da produção mundial.

Joel Pinheiro da Fonseca* - A agenda das reformas falhou?

- Folha de S. Paulo

Passada essa turbulência global, vamos acelerar o passo de recuperação?

Já são três anos da agenda de reformas no governo federal, que se tornou um mantra da equipe econômica. Como fazer para crescer? Reformas. Como atrair investimentos? Reformas. Como reagir ao coronavírus? Reformas. O crescimento, contudo, ainda é pífio.

Coronavírus e petróleo atrapalham, mas nada nos dizem sobre o acerto ou erro do caminho atual. A grande pergunta que se coloca é: passada essa turbulência global (supondo, portanto, que o “normal” ainda voltará a existir), vamos finalmente acelerar o passo da recuperação?

Os resultados fracos não refutam, mas dão aos adversários das reformas uma clara vantagem retórica que tem de ser respondida. O crescimento prometido (e foi prometido, sim, inclusive pelo governo atual) ainda não veio. O que está dando errado?

A primeira resposta é a triunfalista: nada está errado, apenas tivemos azar com contratempos globais temporários. Se nos mantivermos firmes na agenda, voltaremos à aceleração prevista no início do ano. É o voto de confiança que Guedes parece ter recebido de Bolsonaro. Se passar do prazo de validade, pode levar à reação contrária. Alternativas não faltam. Militares, Fiesp, MDB —todos estão se aproximando do presidente e têm planos que fogem à estrita ortodoxia de Guedes. O canto da sereia vai se tornando mais sedutor.

Pablo Ortellado* - A confusão como estratégia

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro mente e se contradiz, contando com descrença na imprensa e máquina de propaganda

Bolsonaro despreza os fatos e não se dá o trabalho de parecer coerente.

No começo do seu mandato, o Orçamento impositivo foi apresentado como manobra do Congresso para enquadrar um presidente que não queria negociar; depois, durante a votação, virou projeto desde sempre apoiado pela família Bolsonaro, demonstrando que não existia tensão entre os Poderes; em seguida, foi vetado pelo presidente.

Neste ano, quando o veto estava prestes a ser derrubado, voltou a ser chantagem do Congresso, motivo de sonoro "foda-se" pronunciado por um ministro; na semana passada, foi alvo de meticulosa negociação com os parlamentares; em seguida, a negociação, registrada no Diário Oficial, foi categoricamente negada.

A manifestação do dia 15/3 passou pelo mesmo processo.

Originalmente, foi convocada para pressionar o Congresso pela prisão em segunda instância; depois, a reboque do áudio vazado do general Heleno, virou convocação anti-Congresso; diante da repercussão negativa, transformou-se em ato pró-governo; de maneira pró-ativa, o presidente compartilhou a convocação; confrontado com o fato, disse que o fez na condição de pessoa privada; alegou, em seguida, que o vídeo não era sobre a manifestação deste ano, mas sobre uma manifestação de 2015; por fim, em evento público, fez elogio à manifestação, ressalvando que era espontânea.

É atordoante a sucessão de vaivéns.

O que os fatos sugerem é que, por inabilidade, Bolsonaro permitiu que o Congresso mordesse parte expressiva do Orçamento discricionário do Executivo.

Andrea Jubé - ”O que faremos com esse povo na rua?”

- Valor Econômico

Bolsonaro perde “dominância narrativa nas redes”

“O que mete medo em político é o povo na rua”, ensinava o Doutor Ulysses há três décadas. Líder da campanha pelas Diretas Já e ator relevante no impeachment de Fernando Collor em 1992, ele falava com propriedade: assistiu às multidões lotarem o Vale do Anhangabaú em São Paulo e a Candelária, no Rio de Janeiro, nos comícios de 1984, e aos caras-pintadas ocuparem o gramado do Congresso ao som de “Alegria, Alegria”.

A emenda Dante de Oliveira foi rejeitada, mas o ex-senador Heráclito Fortes, um dos mais próximos de Ulysses, pondera que sem a pressão popular a eleição indireta da chapa Tancredo-Sarney não se viabilizaria e a transição democrática seria adiada.

Sem a pressão popular talvez não prosperassem os processos de impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff, admitiu à coluna um cacique do MDB que acompanhou os bastidores de ambos.

No sábado, o presidente Jair Bolsonaro resgatou a máxima de Ulysses para desafiar o Congresso. Dobrou a aposta em sua popularidade, mesmo em meio à crise econômica aguda, e conclamou a população a sair às ruas no dia 15 para defender o governo.

“Político que tem medo de movimento de rua não serve pra ser político”, discursou, em indireta aos parlamentares.

No primeiro momento, a aposta surtiu efeito e os dirigentes do Legislativo e Judiciário fecharam-se em Copas, em um gesto de cautela pelo temor da reação das redes e das ruas. Pesou, igualmente, uma dose de pragmatismo: uma reação enérgica colocaria em xeque o acordo que lhes garantiu R$ 20,5 bilhões em emendas ao Legislativo.

Pedro Cafardo - O sapo, o escorpião, o rinoceronte e a crise

- Valor Econômico

Duas coisas afligem os brasileiros preocupados com economia no momento, o crescimento anêmico da atividade e o avanço da desigualdade no país

A dramática crise global criada pelo coronavírus, que levou pânico ontem aos mercados, aumenta a preocupação brasileira com dois problemas: o crescimento anêmico da atividade e o avanço da desigualdade.

Ambos os problemas são “irmãos” e naturalmente afligem também o presidente Jair Bolsonaro, em especial agora que a crise ameaça sufocar a economia mundial e, por tabela, a brasileira. Embora seja bastante cuidadoso ao comentar em público o desempenho de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente parou de chamá-lo com a frequência de antes de Posto Ipiranga, ou seja, a entidade com solução para tudo.

O Posto Ipiranga foi mal ao chamar servidores de “parasitas” e ao estranhar viagens de empregadas domésticas à Disney. Na semana passada, também tropeçou ao dizer que, “se fizer besteira”, o dólar pode ir a R$ 5.

Mas esse tipo de declaração não preocupa tanto Bolsonaro. Em ano eleitoral, sabe-se que começou a incomodá-lo mais o fato de Paulo Guedes não demonstrar apego a medidas para atenuar o arrocho fiscal e dar oxigênio à economia. O circo está pegando fogo e ele se recusa a chamar os bombeiros. Mantém o discurso único das reformas. Aflige o presidente a perspectiva de não poder oferecer pelo menos 2% de crescimento em seu segundo ano de governo, objetivo medíocre, mas que agora parece inatingível.

No momento em que a economia pede socorro, é oportuno lembrar da fábula do sapo e do escorpião. Depois de uma longa conversa, o sapo concordou em carregar o escorpião para travessar o rio. O escorpião prometeu não picá-lo durante o trajeto com o argumento de que isso mataria os dois. Mas no meio do caminho o sapo sentiu uma picada forte nas costas e perguntou: “Vamos morrer os dois. Por que você fez isso?”. E o escorpião respondeu: “Porque essa é a minha natureza e eu não posso mudá-la”.

É da natureza da atual equipe econômica fazer a política que está fazendo: cuidar das contas públicas e deixar que o mercado faça o resto do trabalho. Não se pode esperar dela, por exemplo, o lançamento de um pacote de medidas que promovam desenvolvimento e distribuição da renda. Isso não é da natureza dela. Nem em crises dramáticas como a de agora.

Se Bolsonaro tivesse mais informação, saberia de antemão: por formação e ideologia, essa equipe jamais adotará muitas medidas desse tipo. Liberais convictos, esses economistas creem que, equilibradas as contas públicas e retomada a confiança dos meios empresariais, o próprio mercado se encarregará de colocar o país no rumo do crescimento econômico. Por isso fizeram a reforma da Previdência, brigam por outras reformas e aparentemente não se lembram de que a pasta da Economia incorporou a do Planejamento.

Bolsonaro e a crise – Editorial | Folha de S. Paulo

País precisa mitigar efeito do choque econômico, que presidente parece ignorar

O mergulho dos preços do petróleo, gatilho para desvalorizações acentuadas dos maiores mercados acionários nesta segunda (9), vai completando o quadro de crise econômica global, algo que não ocorria desde o final da década passada.

Pela primeira vez na história moderna, a China figura no epicentro do abalo internacional. O gigantismo que atingiu nas cadeias de suprimento industrial, no consumo e até no turismo faz-se notar mundo afora no momento em que o país asiático é obrigado a reduzir bruscamente sua atividade a fim de combater uma epidemia viral.

As ondas recessivas que se difundem a partir do engasgo chinês são reforçadas pelo espalhamento dos casos de covid-19, o que vai inibindo a circulação de pessoas, serviços e mercadorias e pressionando sistemas de saúde globalmente.

O Brasil já começa a sofrer esses choques, seja porque é importante parceiro comercial chinês e grande fornecedor de alimentos e minério para o mundo, seja pela expectativa de impacto direto do novo coronavírus sobre a população e a atividade econômica brasileiras.

Quanto ao arsenal de defesa contra solavancos externos, o país está desfalcado de capacidade fiscal. Em razão dos desvarios cometidos também a pretexto de mitigar efeitos da crise de 2008-9, a dívida pública explodiu e grandes déficits federais se tornaram recorrentes.

Economistas dizem que governo precisa de agenda contra a crise

Enquanto Monica de Bolle defende revisão de teto de gastos contra crise, Zeina Latif diz que políticas de estímulo seriam um equívoco

Eduardo Cucolo – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A estratégia do Ministério da Economia de manter restrições a investimentos públicos e apostar nas reformas econômicas neste momento de desaceleração econômica mundial divide os economistas do setor privado.

Para a economista Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, há chances de uma contração econômica no Brasil neste ano, e o governo precisa deixar a agenda de reformas em segundo plano e priorizar uma agenda de resposta à crise.

"A agenda de reformas continua sendo tão importante quanto antes. Ela só deixa de ser prioritária. Precisa haver agora um pensamento diferente: como evitar que a economia brasileira tenha uma recessão neste ano", afirma.

"O governo precisa ter uma agenda de resposta à crise, coisa que não tem, na qual o principal foco do gasto público é o investimento, principalmente em infraestrutura. O ministro Paulo Guedes não queria investimento em infraestrutura? É hora de fazer", Monica De Bolle, economista

De Bolle defende a revisão da regra do teto de gastos, que tem limitado principalmente os investimentos do setor público.

Diz ainda que o Brasil fez uma redução expressiva da taxa de juros, que está próxima de zero em termos reais (descontada a inflação), o que permite ao governo aumentar gastos que impulsionem o crescimento econômico. "Com a taxa de juros real baixa, a gente ganhou um espaço na dívida pública que não tinha. Em momentos de crise, esse espaço é para ser usado."

A economista Zeina Latif, por outro lado, diz que seria um equívoco adotar políticas tradicionais de estímulo econômico, o que pode piorar a confiança no país, além de ter pouco efeito na recuperação da atividade. "Digamos que a gente tenha de tomar medidas mais sérias do lado da saúde. Se você não for responsável agora, quando realmente precisar desses recursos, corre o risco de não ter", afirma.

"Significaria rasgar o esforço fiscal e ainda comprometer recursos que podem ser necessários se essa epidemia atingir uma escala que a gente não está imaginando", Zeina Latif, economista

Ela afirma, no entanto, que os ruídos na relação entre Congresso e governo e as falas do ministro Guedes têm contribuído para a piora na percepção sobre o Brasil. "É um momento de seriedade, de mostrar harmonia entre Poderes. As falas do governo estão trazendo mais incertezas."

A professora de economia do Coppead/UFRJ, Margarida Gutierrez, também avalia que o importante neste momento é ganhar a confiança dos agentes econômicos, reduzir os ruídos políticos e aprovar reformas.

"Usar política fiscal, nem pensar. Isso poderia soar como se estivesse abandonando a estratégia de redução do desequilíbrio fiscal e vai ter um aumento mínimo de demanda, porque o investimento leva tempo para maturar."

O colunista da Folha e ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa defende uma reforma do teto de gastos, o que inclui um limite diferenciado para os investimentos. Ele lembra que o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Central Europeu recomendaram uso de política fiscal para combater a crise, o que inclui reforço da rede pública de proteção social e saúde.

Guedes quer reformas contra crise, mas Congresso defende mais medidas

Nos EUA, Bolsonaro apoia ministro da Economia e diz que coronavírus está superdimensionado

Danielle Brant , Daniel Carvalho , Julia Chaib , Thiago Resende , Bernardo Caram , Paulo Saldaña e Marina Dias | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA E MIAMI - No dia em que o principal índice da Bolsa brasileira teve a maior queda diária do século, o ministro Paulo Guedes (Economia) se disse sereno. Ele defendeu as reformas para conter a crise.

Em resposta às declarações de Guedes, o Congresso cobrou mais ações e sinalizou que irá desidratar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial. Ela cria gatilhos para conter gastos públicos.

A disputa entre Arábia Saudita e Rússia pelo preço do petróleo agravou a fuga de investidores de ativos mais arriscados, já contagiada por causa do novo coronavírus.

As principais Bolsas mundiais fecharam em forte queda nesta segunda-feira (9). O Ibovespa recuou 12,17%, aos 86.067 pontos, a maior queda diária percentual desde 1998. O dólar fechou em alta de 2%, a R$ 4,727.

A convulsão nos mercados gerou reação de parte dos Poderes e chegou a Brasília. Guedes afirmou que a equipe econômica está tranquila.

Segundo o ministro, "a democracia brasileira vai reagir transformando essa crise em avanço das reformas". "[É hora de] Os três Poderes, com serenidade, cada um resolver sua parte", disse.

A orientação de Guedes à equipe econômica foi a de intensificar o discurso de que a crise exige o aprofundamento das reformas. Para ele, o momento de turbulência ajudará a convencer a sociedade sobre a necessidade de ajustes.

Não está nos planos do governo adotar medidas de estímulo, como ampliação do investimento público ou concessão de incentivos tributários.

Na mesma linha, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, confirmou que não há "nenhuma medida emergencial" a ser adotada pelo governo Jair Bolsonaro.

Ele ainda negou que haja previsão de aumento da Cide –contribuição sobre o preço dos combustíveis recolhida pelo governo federal.

Em meio à crise aguda, governo e Congresso batem cabeça sobre medidas a serem tomadas. A discussão está centrada em uma ação imediata para a crise atual, enquanto as reformas têm efeito de médio e longo prazos.

"Nós estamos prontos para ajudar, como colaboramos no ano passado com toda agenda de reformas. Acho que elas [reformas] ajudam, mas certamente não são o único ponto para solucionar os danos da crise", disse Maia.

Maia externou contrariedade com as cobranças de Guedes pela aprovação das medidas.

"Ainda não chegou nem a administrativa nem a tributária, e a [PEC] emergencial, o governo decidiu encaminhar uma pelo Senado e não usar a do deputado Pedro Paulo, que estava pronta desde 2017, 2018", criticou.

Apesar de não ter indicado quando vai enviar as reformas, Bolsonaro chancelou as decisões de Guedes.

Em Miami, onde falou a um grupo de empresários brasileiros, disse ser leal à política econômica do ministro.

Dia de pânico, exceto em Brasília – Editorial | O Estado de S. Paulo

Enquanto o pânico varria os mercados, com as bolsas desabando, o preço do petróleo despencando e o dólar disparando em todo o mundo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, insistia, ontem de manhã, em ostentar tranquilidade e quase indiferença em relação aos desafios econômicos associados ao coronavírus. Reformas estruturantes são a melhor resposta à crise, disse o ministro, como se os estragos – já iniciados ou já captados no radar – fossem adiáveis até a aprovação e sanção de projetos ainda nem mandados ao Congresso. Enquanto essas declarações eram difundidas, circuit breakers eram acionados em bolsas, no Brasil e no exterior, para interromper os negócios e deter, por algum tempo, o tombo das cotações.

O Brasil tem uma dinâmica própria de crescimento e vai reacelerar, disse o ministro, se as “coisas certas” forem feitas. Em outro momento ele se mostrou até mais otimista, repetindo, como um mantra, uma declaração já ouvida em janeiro em Davos: o Brasil acelera enquanto o mundo desacelera.

Falta vender essa crença aos mercados, dentro e fora do País. Investidores de fora seguem tirando dinheiro do Brasil, enquanto, internamente, economistas de instituições financeiras e de consultorias continuam baixando as projeções para este ano. Pelas novas estimativas, a economia brasileira crescerá 1,99% em 2020. Quatro semanas antes se projetava uma expansão de 2,30%. Na semana passada os cálculos apontavam 2,17%, segundo a pesquisa Focus, publicada pelo Banco Central (BC).

Quando o ministro falou à imprensa, por volta das 10 horas da manhã, o tsunami de pessimismo já se havia espalhado por todo o mundo. O preço do petróleo havia caído mais de 30%. Divergências entre o governo russo e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) podem ter tido alguma influência, mas a causa básica foi mesmo a previsão de menor demanda. Essa previsão havia sido publicada pela própria Opep e pela Agência Internacional de Energia (AIE). Um corte nas estimativas já havia ocorrido no fim de 2019.

'É preciso eliminar o teto de gastos e retomar investimento público’, diz economista

Entrevista com Monica de Bolle, economista

Para Monica de Bolle, governo precisa reconhecer que o cenário econômico mudou e trocar reformas por investimentos públicos em infraestrutura

Douglas Gavras | O Estado de S. Paulo

A perspectiva de uma crise global deve obrigar o governo brasileiro a reavaliar sua política econômica: com a suspensão do teto de gastos e a volta do investimento público, para evitar que o Brasil volte a entrar em recessão, avalia Monica de Bolle, pesquisadora sênior em Washington do Peterson Institute for International Economics, nos Estados Unidos.

Nesta segunda-feira, 9, a Bolsa brasileira fechou em queda de 12,17%, aos 86.067,20 pontos, a maior queda diária, em porcentual, do Ibovespa desde setembro de 1998. O dia foi de caos nos mercados financeiros globais, com o avanço da crise do coronavírus e a queda no preço do petróleo.

Para a economista brasileira, o governo precisa reconhecer que o cenário econômico mudou e trocar a agenda de reformas por uma agenda de investimentos públicos em infraestrutura. "Alguns investimentos podem começar imediatamente. É preciso deixar a ideologia de lado."

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estado:

• Há algum sinal de que essa crise possa durar pouco?

Não vai melhorar tão cedo, a coisa tende a ficar tensa por um bom tempo. A questão do petróleo é pontual e afeta o Brasil, mas a crise sanitária é mais grave do que se pensava. A situação atual é muito diferente das crises tradicionais. Em uma crise tradicional, a gente conhece as políticas econômicas necessárias para combater. Em 2008, por exemplo, a resposta foi dar estímulo monetário e fiscal. Isso teve o efeito de apagar incêndio e o de dar sustentação econômica. Agora, a política econômica não tem papel no apagar do incêndio. E só os médicos e cientistas podem fazer alguma coisa a respeito, para frear o número de novos casos.

• O governo pode agir para limitar os impactos na economia?

A maneira como a epidemia vem sendo tratada no Brasil e no resto do mundo é um desserviço tremendo. Tanto é, que o número de casos está subindo muito nos países afetados. Diante desse quadro, temos uma crise duradoura e a resposta de política econômica tem espaço limitado. Dá para fazer estímulos monetários e fiscais, mas enquanto a epidemia perdurar o efeito é limitado. Ajuda, mas não resolve.

• O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil do ano passado foi uma decepção: cresceu 1,1%, quando as previsões iniciais eram de pelo menos 2,5%. Agora, com a economia mundial desacelerando, a previsão é de um 2020 difícil. Então, como fazer para que a economia responda?

Não agir é a pior escolha. O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda que é preciso pensar em estímulos. No Brasil, o governo está obcecado em manter uma agenda de reformas, de médio e longo prazos, quando o momento é de pensar em como responder a essa crise. É preciso começar a desenhar medidas, deixar as reformas de lado e focar no que é preciso fazer para que o Brasil não entre em recessão.

Fernando Dantas - O liberalismo falhou de novo?

- O Estado de S. Paulo

Na minha visão, não (respondendo à pergunta do título). Nesta coluna, tento explicar o porquê.

O superchoque do coronavírus parece ser mais um prego no caixão da retomada da economia brasileira em 2020 em ritmo mais animador. No auge do furacão, não há nem como falar quais serão os impactos no crescimento ao longo do ano. Mas certamente o sonho de crescer no intervalo entre 2,5% e 3% parece enterrado nas brumas do passado recente.

Acumulado com expansões anuais de ligeiramente mais do que 1% desde 2017, o resultado projetado para 2020 reacendeu o debate sobre o “fracasso” da política econômica liberal no Brasil.

Com efeito, a partir de 2016, as equipes econômicas que se sucederam no comando da economia brasileira têm perfil liberal e ortodoxo. E fica difícil “culpar o PT” ou a recessão de 2014-2016 pelo que está acontecendo quatro anos depois.

Assim, na arena do discurso político, mais uma narrativa de fracasso do liberalismo vai sendo montada.

Mas será mesmo?

O Brasil é uma economia com carga tributária, ao longo das últimas décadas, dependendo do critério, na faixa de 30-35% do PIB. Países emergentes ao gosto do que pregam os economistas liberais estão numa faixa mais próxima de 20%.

O Brasil gasta por volta de 13% do PIB com Previdência e outros benefícios a idosos, enquanto uma visão ortodoxa de economia recomendaria algo como metade daquele percentual. As pensões por morte brasileiras ultrapassam 4% do PIB, enquanto o número aceitável seria de no máximo 2%.

O déficit público nominal brasileiro em 12 meses roda acima de 5,5% do PIB há vários anos, quando países que “fazem o dever de casa” em termos de ortodoxia costumam ter resultado fiscal equilibrado ao longo do ciclo econômico, ou pelo menos não muito longe disso.

Reformas podem atenuar efeito de crise

Segundo economistas, parceria entre Executivo e Legislativo para dar andamento às reformas pode reduzir incertezas e atrair investimentos

Cleide Silva, Douglas Gavras e Márcia De Chiara | O Estado de S.Paulo

Medidas que possam reduzir a exposição do Brasil ao caos verificado na segunda-feira, 9, em todo o mundo passam por entendimento entre Executivo e Legislativo para iniciar, de imediato, as reformas urgentes como a administrativa, a tributária e a PEC emergencial, segundo vários economistas ouvidos pelo ‘Estado’.

Mas há também quem defenda a continuidade da redução de juros, liberação de compulsórios e até a suspensão do teto de gastos por dois anos.

“Se tivermos clareza sobre as reformas, como elas vão andar, se virmos um clima de parceria entre Executivo e Congresso em volta de uma agenda que permita reduzir a incerteza doméstica, melhoraria o ambiente de negócios e tornaria o Brasil muito mais interessante do ponto de vista do investimento”, diz Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV.

Para José Roberto Mendonça de Barros, economista e sócio da MB Associados, a área de infraestrutura é a que mais precisa de investimentos no momento. “A lei do saneamento, por exemplo, geraria grandes obras públicas e teria efeito social enorme, como a geração de empregos.”

Já Bráulio Borges, pesquisador do Ibre, acredita que a agenda da infraestrutura teria enorme potencial não só para dinamizar a atividade no curto prazo, como aumentar a produtividade brasileira no médio e longo prazo. “Mas essas coisas não saem do papel do dia para a noite.”

De imediato, Borges defende o uso da política monetária para atenuar o impacto do turbilhão externo provocado pelo coronavírus e acentuado pela guerra do petróleo. Ele lembra que, assim como na crise de 2008, hoje o efeito líquido da alta do câmbio e da queda das commodities é desinflacionário. “Por isso há espaço para o Banco Central cortar juros e tentar reativar a economia como já fez no passado.”

Pedro Fernando Nery* - E o que fazer?

- O Estado de S.Paulo

Nesta crise do mercado global, cortes de juros seriam pouco efetivos para aumentar gastos e investimentos

Já antes do derretimento dos mercados, alguns analistas e entidades – como a OCDE – alertavam para o risco de uma recessão global. Com taxas de juros já baixas, e diante da natureza anormal da crise, estímulos dos bancos centrais fariam pouco sentido. Restaria a política fiscal, mas muitos países teriam chegado em 2020 sem espaço para gastar. Seria o caso do Brasil. Então o que fazer?

O economista Chris Rupkey resumiu a dificuldade da política monetária: nesta crise, cortes de juros seriam pouco efetivos para aumentar gastos e investimentos. As empresas estariam atrás de liquidez: “Elas não querem empréstimos e investir no futuro. Elas estão correndo para as montanhas”. A economista-chefe da OCDE, Laurence Boone, avalia que o choque do coronavírus não pode ser tratado somente pelos bancos centrais: “Ele tem realmente de ser acompanhado por medidas fiscais”.

Algumas convergências aparecem nas primeiras análises sobre o uso da política fiscal como remédio econômico para o coronavírus. Há papel de destaque para o que aqui chamamos de Seguridade.

Uma 1.ª prescrição é óbvia: é preciso que haja recursos para a saúde, inclusive nos entes subnacionais. Uma 2.ª é ampliar os benefícios pagos aos trabalhadores que perdem renda com a crise, o que inclui os que precisam ficar em casa. Uma 3.ª é dar fôlego às médias e pequenas empresas dos setores mais afetados, por exemplo, com desonerações sobre a folha de pagamento.

Crise pressiona pela aceleração das reformas – Editorial | O Globo

Turbulência que pode se equiparar à de 2008 força Bolsonaro a acabar com a letargia diante das mudanças

O Brasil com Jair Bolsonaro no Planalto enfrenta uma turbulência financeira mundial com todas as características para rivalizar com a crise deflagrada em 2008, a partir do desmoronamento do sistema financeiro americano causado por enorme bolha especulativa no mercado de hipotecas, e que levou o mundo à recessão.

Ainda é cedo para prognósticos seguros, mas a queda profunda das bolsas ao redor do planeta, à medida que os mercados abriam no Oriente, na noite de domingo e madrugada de ontem — um movimento em série que invadiu o Ocidente, contaminando Europa e Américas —, coloca o presidente da Republica diante de tarefas urgentes. Mercados tiveram quedas recordes, forçando o acionamento de freios (“circuit breakes”) que suspendem o pregão por um determinado tempo, para evitar um pânico maior. Aconteceu em Wall Street, que fechou com uma queda de 7,6%, no pior dia desde dezembro de 2008; e no Brasil (Ibovespa), onde as ações mergulharam 12,17%, pior resultado diário neste século.

Ainda na noite de domingo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, divulgou pelo Twitter uma correta conclamação a que os poderes da República atuem com harmonia e espírito democrático, para que a crise vire uma “oportunidade de se somar forças em busca das soluções necessárias e urgentes”. Maia garantiu que “o Congresso está pronto para avançar com as reformas capazes de restabelecer a confiança”.

Míriam Leitão - Choque econômico em três dimensões

- O Globo

Brasil sofre choques do coronavírus, da queda abrupta do petróleo e também sente a crise entre poderes criada pelo presidente

O dia de ontem marca bem essa era dos fatos inesperados em que vivemos. O cenário externo que já era grave piorou muito. A decisão da Arábia Saudita de aumentar a produção e reduzir os preços do petróleo provocou uma hecatombe em todos os mercados. No Brasil, começava mais uma semana de conflito entre governo e Congresso. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, avaliou que a crise pega o país “desorganizado” e alertou: “não podemos transferir nossas mazelas para a crise internacional”. O Ibovespa perdeu 12,1% no dia. Depois do fim do pregão a Itália restringiu a circulação de pessoas em todo o país, que é a oitava maior economia do mundo.

Era para ser mais uma semana tensa por razões nacionais, depois que o presidente Jair Bolsonaro convocou para a manifestação e provocou: “político que tem medo da rua não serve para ser político”. Em entrevista que me concedeu ontem na “GloboNews”, Rodrigo Maia não quis responder a essa declaração.

— Não posso ser comentarista da frase do presidente. Temos problemas mais graves, como um milhão e quinhentas mil crianças que abandonam as escolas. Por isso fomos eleitos. Temos que discutir o Fundeb, o combate à pobreza e à desigualdade.

Então a situação é essa. O país tem muito a fazer no médio e longo prazo, mas os atritos gerados pelo governo nos levam para uma pauta diversionista. Neste momento, três fios desencapados se encontraram. O coronavírus está parando a economia internacional. No Brasil, a tensão institucional se agravou com a convocação feita pelo presidente no fim de semana. E houve a queda abrupta dos preços do petróleo, desorganizando toda a economia mundial.

Guerra do petróleo e coronavírus elevam risco de recessão mundial

Ibovespa tem queda de 12,17% e empresas perdem R$ 432 bi Petrobras e Vale: valor de mercado cai R$ 126,9 bi Paulo Guedes: reformas são a melhor resposta para a crise

João Sorima Neto | O Globo

SÃO PAULO, BRASÍLIA E NOVA YORK - As Bolsas de todo o mundo tiveram ontem quedas históricas provocadas pela guerra de preço do petróleo entre a Rússia e a Arábia Saudita, após semanas de baixa por causa do medo do coronavírus. A Rússia não quer reduzir a produção para elevar a cotação, afetada pela menor demanda chinesa. O Ibovespa caiu 12,17%, maior queda diária desde 10 de setembro de 1998, e as empresas listadas na Bolsa de São Paulo acumularam perdas de R$ 432 bilhões. O impacto foi maior para as exportadoras de commodities. O valor de Petrobras e Vale caiu R$ 126,9 bilhões. O circuit breaker, mecanismo que paralisa o pregão, foi acionado, mas não conteve os prejuízos. O dólar renovou o recorde, fechando a R$ 4,728, apesar da venda à vista de reservas pelo BC, de US$ 3,5 bilhões, e do anúncio de novo leilão, de US$ 2 bilhões, hoje. As principais Bolsas americanas registraram quedas em torno de 8%. Os mercados financeiros da Ásia e da Europa também tiveram fortes prejuízos. Analistas veem sinais de que a recessão mundial é inevitável. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a equipe econômica está tranquila, e que as reformas são a melhor resposta à crise. O Estado do Rio pode perder até R$ 2,3 bilhões em receitas do petróleo neste ano.

Mercados acionários de todo o mundo sofreram ontem perdas históricas na esteira de uma disputa entre Arábia Saudita e Rússia sobre os preços do petróleo —o que se somou à turbulência causada pela epidemia de coronavírus. Os dois fatores, para analistas, formam uma tempestade perfeita que aumenta o risco de uma recessão. Várias Bolsas amargaram as maiores quedas desde 2008, quando eclodiu a crise financeira global. Já o Ibovespa, principal índice da B3, desabou 12,17%, o maior desde setembro de 1998, na crise russa. O indicador caiu aos 86.067 pontos. Desde 23 de janeiro, quando o Ibovespa atingiu a máxima histórica de 119.527 pontos, a desvalorização acumulada é de 38,8%. Somente ontem, as empresas com ações negociadas na Bolsa brasileira perderam R$ 432 bilhões de valor de mercado, segundo a Economática.

Mesmo com o Banco Central vendendo US$ 3,5 bilhões das reservas internacionais, a cotação do dólar comercial subiu 2,03% a R$ 4,728, novo recorde histórico. Durante o dia, a moeda americana chegou a atingir R$ 4,79. O BC já anunciou que irá vender hoje mais US$ 2 bilhões.

Diante da forte volatilidade, o Tesouro Nacional cancelou o leilão que faria na quinta-feira de títulos públicos prefixados.

NEGÓCIOS TRAVADOS
Às 10h31m, meia hora depois da abertura, quando o Ibovespa caía 10,02%, a Bolsa acionou o mecanismo de circuit breaker, que trava os negócios por 30 minutos sempre que as quedas ultrapassam 10%. O mecanismo não era acionado desde 18 de maio de 2017, um dia após o colunista do GLOBO Lauro Jardim revelar áudios do empresário Joesley Batista que comprometiam o então presidente Michel Temer.

Todas as ações do Ibovespa fecharam no vermelho. Os papéis da Petrobras, por exemplo, perderam 29,7%.

O pânico dos investidores se refletiu no chamado risco país, medido pelos contratos de credit default swap (CDS), uma espécie de seguro contra calotes dos governos. O CDS subiu 30% e chegou a 186 pontos, retornando ao patamar de dezembro de 2018. Foi a maior alta desde 22 de outubro de 2008, na crise financeira global, quando houve um salto de 49,8%.

Nos Estados Unidos, as principais Bolsas também acionaram o circuit breaker quando a queda do índice S&P 500 superou os 7%, logo após a abertura do pregão. Os negócios ficaram suspensos por 15 minutos. Os principais índices americanos fecharam em queda de mais de 7%, no pior dia desde 2008.

Foi a primeira vez que os negócios em Wall Street foram interrompidos desde as eleições presidenciais de 2016.

As quedas também foram fortes na Ásia e na Europa. A Bolsas da Austrália (-7,33%) e de Paris (-8,39%) também registraram suas maiores perdas desde a crise de 2008, enquanto a de Frankfurt (-7,94%) teve seu pior dia desde o 11 de Setembro.

Para o economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani, a disputa entre Arábia Saudita e Rússia piorou o que já era grave:

— Os mercados já estavam tensos com a falta de informações sobre os impactos do coronavírus. A guerra do petróleo é um choque dentro de outro choque, agravando o nervosismo dos mercados — disse Padovani, que observa que o grande temor dos investidores são as consequências que a epidemia pode trazer aos outros dois motores do crescimento mundial, além da China, que são os Estados Unidos e a Europa.

INCERTEZA CORROSIVA
Em relatório a clientes, Joachim Fels, assessor econômico global da gestora Pimco, afirmou ver possibilidade de uma recessão nos EUA ena Europa neste semestre. O Japão, segundo ele, já estaria em recessão. “Em nossa opinião, o pior para a economia ainda está por vir”, escreveu Fels.

Maia rebate Guedes e diz que só reformas não bastam para conter crise

Presidente da Câmara diz que governo também precisa adotar ações além das propostas tributária e administrativa

Danielle Brant e Paulo Saldaña | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), rebateu nesta segunda-feira (9) o ministro Paulo Guedes (Economia) e afirmou que apenas as reformas não bastam para conter a instabilidade econômica que afetou o país em decorrência da crise internacional.

Maia fez breves declarações ao chegar a um evento de educação em Brasília. Questionado sobre se era hora de acelerar as reformas no país, como defendeu Guedes mais cedo, o presidente da Câmara afirmou que o governo também precisa adotar algumas ações, além das propostas tributária e administrativa.

“Tem algumas ações que o governo vai ter que tomar, algumas atitudes, e parte delas, parte da solução de médio e longo prazo são as reformas”, afirmou. Na sequência, cobrou o envio dos textos ao Congresso.

O governo tem prometido, desde o ano passado, enviar as propostas de reforma tributária e administrativa, mas, até agora, não encaminhou os textos aos congressistas.

“Ainda não chegou nem a administrativa e nem a tributária, e a [Proposta de Emenda à Constituição] emergencial, o governo decidiu encaminhar uma pelo Senado e não utilizar a do deputado Pedro Paulo, que estava pronta desde 2017, 2018”, criticou.

“Nós estamos prontos para ajudar, como colaboramos no ano passado com toda agenda de reformas, acho que elas ajudam, mas certamente não são o único ponto para solucionar os danos da crise”.

Maia também voltou a pedir mais diálogo do governo com o Legislativo e o Judiciário e afirmou que cabe ao Executivo deixar claro como os outros dois poderes podem auxiliar no processo de retomada de crescimento.

Maia diz que só reformas não bastam para conter crise global

Presidente da Câmara não citou o que seria necesário fazer, mas afirmou que o governo vai precisar adotar medidas nos próximos dias

Camila Turtelli e Idiana Tomazelli | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou nesta segunda-feira, 9, que o governo precisará de outras ações além das reformas para enfrentar a atual crise, causada pela disseminação do coronavírus e também pela forte queda nos preços do petróleo. Ele não quis especificar quais seriam essas ações.

“Certamente o governo tem outras ações que vai precisar tomar nos próximos dias”, disse. “Não sei, não vou ficar me intrometendo porque vão dizer que eu estou me colocando onde não devo”, respondeu ao ser questionado sobre quais ações. “Acho que existem outros projetos que vão poder ser votados no curto prazo, agora, preciso que esse encaminhamento seja coordenado pelo poder Executivo.”

Segundo Maia, o grande desafio do Congresso neste ano é reorganizar as contas públicas. Ele voltou reafirmar a necessidade da reforma administrativa do governo para avançar. “O que cabe ao Parlamento é reorganizar o Estado”, disse.

“A reforma tributária acho que o governo acabou tendo sorte porque nossa proposta que trata de bens e serviços já foi apresentada”, disse lembrando que o governo deve enviar ainda esta semana o projeto que unifica PIS e Cofins.

A equipe econômica ainda não enviou ao Congresso suas propostas de reforma administrativa, que prevê reduzir o número de carreiras dos servidores e o salário de entrada dos novos funcionários públicos, e tributária, para simplificar o sistema tributária.

Nesta segunda-feira, Guedes disse que a equipe econômica está "absolutamente tranquila" e que a melhor resposta para a crise é o encaminhamento das reformas.

Para Maia, a crise do petróleo deve ter impacto de “um ou dois meses” e afirmou não esperar que o choque tenha efeitos permanentes.

Em contraponto a Guedes, Maia diz que tocar reformas não basta para conter crise

Presidente da Câmara cobra o envio de textos da reforma tributária e administrativa ao Congresso

Renata Mariz | O Globo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse nesta segunda-feira que o Congresso aguarda o texto das reformas administrativa e tributária que o governo ficou de enviar desde o ano passado. Ele afirmou, no entanto, que outras ações são necessárias por parte do Executivo para aplacar as consequências da crise internacional, sem dar exemplos. Mais cedo, o ministro Paulo Guedes, da Economia, afirmou que a melhor resposta para a crise será o andamento das reformas estruturais.

- O Parlamento nunca faltou ao Brasil em momentos de crise e não vai ser diferente agora, muito pelo contrário. Tem pautas de médio e longo prazo, como as duas reformas que o governo deve encaminhar nos próximos dias. Então, estamos aguardando ansiosos já há alguns meses. E o governo tem outras ações que vai precisar tomar nos próximos dias - disse Maia, ao falar com os jornalistas após participar de um evento sobre educação básica em Brasília.

Ao ser questionado sobre quais atitudes deveriam ser tomadas, o presidente da Câmara respondeu que não falaria para evitar que digam que está "se intrometendo onde não deve". Em relação às declarações de Guedes, de que era preciso dar seguimento às reformas como forma de enfrentar a crise, Maia se mostrou surpreso e respondeu em tom de ironia:

- Ele falou isso hoje? Acho que ele repetiu meu tuíte. Quer dizer que estamos sintonizados.

Durante o evento, Maia afirmou que espera que a reforma tributária avance já nos próximos meses. No caso da administrativa, ele disse que haverá atraso, por ser necessário aprová-la primeiro na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

“Crise se chama Bolsonaro, sobrenome Guedes”, diz Roberto Freire

- Portal do Cidadania

Freire critica viagem do presidente e alienação do ministro da Economia

Um dos mitos do governo Jair Bolsonaro se desfaz: o de que havia no governo uma banda boa, racional e competente. Diante da crise, quem deveria assumir o controle do processo e liderar a busca por soluções brinca de faz de conta.

Tranquilidade? Enquanto a bolsa suspende operações após cair 10%, o dólar dispara, Petrobras perde +- R$ 80 bilhões em valor de mercado, risco país em escalada… O mundo racional está tudo, menos tranquilo.

No Brasil, milhões de desempregados, pibinho e irresponsabilidade em alta. O país precisa de muito além das reformas. O nome desta crise é Bolsonaro. O sobrenome é Guedes.

Bolsonaro foi pra Flórida tietar o ídolo Trump. Guedes está no mundo da lua. O “Posto Ipiranga” não tem respostas para problemas sérios. Não sairemos desta com o país abandonado à própria sorte. Quem vai liderar, dizer qual é o caminho?

Países com lideranças sérias estão tomando atitudes responsáveis. Aqui, transformaram o Planalto numa bagunça da pior qualidade. Um exemplo? Países como a Itália estão restringido a circulação de pessoas e evitando aglomerações em razão do coronavírus. Aqui, o próprio presidente convoca manifestação.

Poesia | Fernando Pessoa - Antes de nós

Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.
Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.
Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes.
Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.
Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga,
Que fará na alta praia
Em que o mar é o Tempo?