quarta-feira, 11 de março de 2020

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

Com coronavírus, desemprego alto e crescimento baixo, mais do que nunca, precisamos de serenidade e boa liderança. Ainda há tempo para sustentar os impulsos de ódio. Menos do que as manifestações contra, o país precisa de pacificação e rumo. A eles, pois.


*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, em Twitter, 10/3/2020.

Merval Pereira - Alimentando fantasmas

- O Globo

Bolsonaro vive da discórdia, se alimenta de intrigas e deixa por onde passa um rastro de destruição moral

É impressionante a irresponsabilidade do presidente Bolsonaro no trato da coisa pública, comportamento que nunca teve maior repercussão nos seus 27 anos de mandatos populares porque ele nunca teve importância política. Todos os assuntos são tratados com leviandade própria dos que cuidam apenas da próxima eleição.

Afirmar que a pandemia do Covid-19 é um exagero que a “grande mídia propaga pelo mundo” é no mínimo uma imprudência governamental que pode gerar uma crise de saúde pública no país. Tão pernicioso quanto a “marolinha” de Lula na crise financeira de 2008.

Se fosse levado a sério a tempo, o mal teria sido cortado pela raiz. Circulam na internet vários vídeos com barbaridades defendidas por Bolsonaro durante sua carreira de deputado federal, inclusive não pagar impostos, sonegação que se hoje fosse adotada por seus seguidores fiéis quebraria o governo que ele preside.

Essas mesmas barbaridades foram ditas e reditas durante a campanha eleitoral, e ele só chegou com chances no segundo turno porque até o último momento seus adversários acreditavam que acabaria perdendo fôlego.

Não contavam com o acirramento da polarização antipetista, e muito menos com a facada, trágico atentado que até hoje prejudica a saúde de Bolsonaro e, na campanha, protegeu-o dos debates.

Bernardo Mello Franco - Diante da crise, Jair age como um Bolsonaro

- O Globo

O cenário de crise exigia um presidente sério e capaz de apontar caminhos. Mas Bolsonaro insiste em estimular a radicalização e o choque entre Poderes

O dólar bateu novo recorde, a Bolsa registrou a maior queda no século e os economistas passaram a falar em recessão. As notícias do início da semana exigiam um presidente sério, equilibrado e capaz de apontar caminhos ao país. Mas Jair agiu como um Bolsonaro. Em vez de se comportar como adulto, voltou a estimular a radicalização e o choque entre Poderes.

Em Miami, o capitão usou sua tropa para manter a faca no pescoço do Congresso. Ele afirmou que as manifestações contra o Legislativo e o Judiciário vão mostrar quem está afinado com o “interesse do povo brasileiro”. No mesmo discurso, o presidente questionou a lisura da eleição de 2018. Sem apresentar provas, disse que só não venceu no primeiro turno porque teria havido fraude nas urnas eletrônicas.

Ao incentivar as marchas a seu favor, Bolsonaro praticou um ato de chantagem explícita. Ele disse que os protestos vão acontecer “de qualquer jeito”, mas indicou que pode esvaziá-los se os parlamentares abrirem mão de controlar parte do Orçamento. A declaração sobre as urnas foi ainda mais irresponsável. O presidente voltou a jogar seus seguidores contra a Justiça Eleitoral, num teatro da conspiração em que ele interpreta o eterno papel de vítima.

Zuenir Ventura - Clima de guerra

- O Globo

Bolsonaro comporta-se misturando impotência e cinismo

O cenário é preocupante. Além do coronavírus que está chegando ameaçador e da guerra de preços do petróleo que trouxe o pânico ao mercado financeiro internacional, há os problemas internos: mais de 11 milhões de brasileiros desempregados, o desmatamento da Amazônia batendo recordes, a economia estagnada, o dólar nas alturas, a Bolsa despencando, o PIB de 1,1%.

Diante desse quadro, o presidente Bolsonaro comporta-se misturando impotência e cinismo. Como não sabe o que fazer, faz palhaçada. Já deu bananas para os repórteres e já fantasiou um humorista de presidente com faixa e tudo e levou-o até a porta do palácio para dar entrevista sobre o “pibinho”, um dos vexames de seu governo.

A última dele para desviar a atenção da crise foi agora na Flórida, onde falou para uma plateia de maioria de evangélicos brasileiros. Sem explicar por que demorou tanto a denunciar fraude nas eleições de 2018, ele afirmou que teria provas de que foi eleito no primeiro turno e que as mostraria em breve.

Já o ministro Paulo Guedes, que se mostra tranquilo, minimiza a gravidade da crise atual dizendo que ela será resolvida com as reformas. Mas como a da Previdência demonstrou, será preciso estar em harmonia com o Congresso, o que não é bem o caso. Primeiro ostensivamente, depois disfarçadamente, Bolsonaro gostaria que a manifestação de domingo fosse contra o Parlamento e o STF.

Míriam Leitão - Como enfrentar o risco da recessão

- O Globo

Economistas fazem propostas diferentes para sair da crise, mas concordam que o governo Bolsonaro dificulta qualquer solução

O Brasil pode entrar em recessão. É o que acham os economistas Monica de Bolle, do Peterson Institute, e Armando Castelar, da Fundação Getúlio Vargas. Monica defende o aumento do gasto público, como resposta, desde que seja em investimento de infraestrutura com efeito multiplicador. 

Armando discorda e argumenta que elevar o gasto público pode trazer mais desconfiança. Os dois concordam que o governo não tem projeto e que o presidente Jair Bolsonaro é parte do problema com sua agenda de geração de conflitos.

O mundo está dividido sobre qual é a melhor forma de proteger a economia nesta crise provocada pelo coronavírus. O governo americano reduziu a zero os custos sobre a folha de salários, o governo da Alemanha disse que não é o caso de usar estímulos fiscais. É difícil saber por onde ir, mas é fácil perceber que o caminho de Bolsonaro está errado. O presidente brasileiro parece viver em outro planeta. Nas últimas horas ele subestimou a crise e, do nada, inventou que houve fraude na eleição em 2018, que ele venceu.

Monica de Bolle disse que não se deve elevar gasto corrente, porque o multiplicador é muito baixo. Por isso, recomenda que o governo inverta a ordem da sua agenda. Deixe as reformas constitucionais para depois e coloque na frente o plano de infraestrutura.

Luiz Carlos Azedo - Barafunda

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro articula com aliados a derrubada das emendas impositivas, acenando com a possibilidade de “desconvocar” a manifestação de domingo, contra o Congresso”

Grande quantidade de pessoas que se movimentam descontrolada e desordenadamente; confusão, desordem. Junção desorganizada de objetos, de coisas; desarrumação. Esse é o significado da palavra que melhor ilustra a relação do governo com o Congresso: barafunda. O governo não sabe qual é sua prioridade no Congresso. Tramitam, simultaneamente, o pacote de medidas emergenciais, que começou a ser mitigado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, e três projetos relativos ao Orçamento Impositivo, em apreciação na Comissão Mista do Orçamento, enquanto o presidente da República segura as reformas administrativa e tributária anunciadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, aguardadas pelo Congresso.

Ontem, a Comissão Mista de Orçamento (CMO), integrada por deputados e senadores, suspendeu os trabalhos sem finalizar a votação dos três projetos enviados por Bolsonaro, em meio a negociações entre Executivo e Legislativo pelo controle de uma fatia do Orçamento de 2020. Aprovou apenas o texto que regulamenta a execução do Orçamento Impositivo. O senador Marcelo Castro (MDB-PI) suspendeu os trabalhos por falta de quórum. Uma parte da oposição e outra dos governistas querem devolver os recursos das emendas impositivas do relator ao Executivo e esvaziaram a sessão. As outras duas matérias devem ser analisadas hoje. Tratam da transferência de R$ 9,6 bilhões para o Executivo e de regras para a ordem de prioridade dos parlamentares na execução de parte das emendas. Os três textos, porém, precisam ser apreciados em sessão do Congresso Nacional.

Bolsonaro chega hoje ao Brasil. Na sua passagem pelos Estados Unidos, assinou um acordo na área de Defesa com Donald Trump, que deve facilitar os negócios do setor para ambos os países, deu uma declaração colocando em dúvida o resultado da votação no primeiro turno das eleições presidenciais de 2018, prontamente rechaçada pela presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, e minimizou a epidemia de coronavírus, que chamou de fantasia criada pela mídia. Também classificou como “pequena crise” a turbulência provocada pela redução do preço do petróleo. Por muito pouco, não a comemorou, ao dizer que era melhor do que subir 30%. Para completar: articula com aliados a derrubada dos projetos de emendas impositivas, acenando com a possibilidade de “desconvocar” a manifestação prevista para o próximo domingo, contra o Congresso.

Vera Magalhães - Distopia bananeira

- O Estado de S.Paulo

O que Bolsonaro quer ao afirmar que eleição foi fraudada? Inviabilizar a próxima?

O Brasil e o mundo já viveram crises combinadas antes, de diferentes naturezas e gravidades. Em 2008, a crise dos subprime nos Estados Unidos engolfou as economias de vários países ao redor do globo. No Brasil, a Lava Jato e a reeleição de Dilma Rousseff provocaram um vórtex de recessão econômica, corrupção sistêmica e inviabilidade política de um governo, levando ao impeachment.

Mas o que está em curso em 2020, aliás, desde o advento Jair Bolsonaro, tem características inéditas e com pitadas de surrealismo.

Não serei a primeira a comparar o atual governo do Brasil a um regime digno das distopias literárias e cinematográficas mais conhecidas, mas, agora, é como se os roteiristas tivessem resolvido forçar a mão para além da verossimilhança.

Ao mesmo tempo há pitadas de filme-catástrofe, com uma epidemia, a do novo coronavírus, que se espalha pelo planeta sem que se saiba ao certo sua gravidade e duração, e uma crise econômica também global, associada ao surto. Para fechar o clichê distópico, o Brasil tem no comando (sic) dessa situação caótica um presidente disposto a avançar dia a dia no propósito de implodir as instituições. Não há Posto Ipiranga que dê jeito numa pane dessas proporções.

Rosângela Bittar - Palácio em reforma

- O Estado de S.Paulo

Estaria no Planalto a ferramenta para romper o impasse da governabilidade

Na gestão Jair Bolsonaro, por incrível que pareça, ainda existem pessoas que pensam estrategicamente. Isto significa, na crise permanente em que prefere atuar o chefe do Executivo, isolar no campo da propaganda eleitoral sua maneira excêntrica de exercer o poder. É indispensável evitar que a falta de lógica transborde e contamine a todos.

Enquanto o presidente faz política (a seu modo), enfrenta delírios persecutórios e arremessa bombas verbais nas instituições, sua retaguarda precisa oferecer condições objetivas de trabalho.
Retaguarda na política e, em especial, no Palácio do Planalto, pois a economia segue orientada. A urgência está em construir um canal de diálogo para votar as reformas enquanto o presidente se comporta como quiser. Estaria no Palácio do Planalto a ferramenta para romper o impasse da governabilidade.

Todos já sabem como atua o presidente e não adianta pensar em mudanças de personalidade. Por exemplo: ano passado, nesta mesma época, mas com epicentro em maio, o presidente convocou seus eleitores a irem às ruas, também contra o Legislativo e o Judiciário. Foram momentos decisivos do primeiro ano de mandato que ele repete agora e certamente triplicará no ano que vem, mais perto da campanha de reeleição.

Bolsonaro funciona testando limites. Este ano disputa com o coronavírus o título de quem pode mais. Se seus apoiadores destemidos enfrentarem aglomerações, o presidente colherá êxito total. Para não desestimular a tropa, já está, inclusive, provocando o adversário por exageros do alarme.

Sem base no Congresso, fortalecer o Palácio é a solução buscada para este momento.

Paulo Delgado* - Mecânica do poder

- O Estado de S.Paulo

Nosso slogan é a estupidez da política, o caminho que o Brasil escolheu para fracassar

Tem sido difícil ajudar o Guedes, é o que se houve aqui e ali entre intelectuais vinculados às atividades econômicas. Na área acadêmica a antipatia é esperada, pela linguagem coercitiva e disciplinar característica do governismo atual. Presume-se que a defesa do liberalismo não visa unicamente a mudar as habilidades no trato da política pública, mas a fazer um pensamento econômico mais obediente, quanto mais útil, à mecânica do poder.

Do lado dos simpáticos, mas críticos, mesmo sabendo que a política é um jogo de espaços, as maneiras do governo revelam uma natureza ligada a uma imodéstia que pouco ajuda. Uns lembram que em tudo há uma arte, até mesmo para cortar as pedras. Com o continuado cenário de incerteza, com forte característica de risco e a má conduta da economia, melhor não exagerar e pedir ao País que se comporte como adulto por um tempo infinitamente excessivo. Pois adversário do melhor ambiente de negócios tem sido a compulsão do governo por selfies e lives, explorações infantis de si mesmo. Fogo de artifício que costuma queimar o fogueteiro.

O presidente quer construir um campo de provas desconhecido para operar seu governo. A convocação dos desfiles de domingo – com tanta antecedência não é uma manifestação – continua tendo objetivos ocultos e visa a compensar a dispersão administrativa. A ideia de renovação por crise permanente sugere levar o atrito institucional ao limite para mudar peças na anatomia do poder. Convidando militares da ativa para se tornarem ministros, a digital das Forças Armadas na política já é fato.

José Roberto Batochio* - Dois Poderes da República sob ataque

- O Estado de S.Paulo

Convocar manifestação contra o Congresso e o STF constitui atentado à democracia

Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais que têm sido experimentadas de tempos em tempos” - Winston Churchill, discurso na Câmara dos Comuns em 1947.

Quando pronunciou a frase que se tornaria o mantra da democracia através dos tempos, Churchill era um deputado que acabara de experimentar as agruras desse sistema político, baseado no voto popular. Dois anos antes, a 2.ª Guerra Mundial ainda nem havia acabado, mas o gigante que conduzira a Inglaterra na vitória dos Aliados contra o nazi-fascismo foi derrotado nas eleições e deixou o cargo de primeiro-ministro. Muitos se revoltaram contra o que entenderam ingratidão dos ingleses, porém o estadista não se abalou: “Eles têm o direito perfeito de nos enxotar. Isso é democracia. É por isso que estamos lutando”.

Noutras circunstâncias, quando os inimigos da democracia insistem em atacá-la, os democratas é que devemos arrogar não só o direito, mas o dever de defendê-la. Nossos tempos talvez sejam, desde a grande corrente libertária forjada pelo pós-guerra dos anos 1940, os mais adversos a esse sistema de governo em que o povo detém, pelo voto igualitário, o controle de seu destino político. A democracia representativa, em especial, é submetida a um descrédito que no fundo alveja a política como instrumental de administração e solução institucional dos conflitos na sociedade. A todo instante se escreve o epitáfio da representação política e são, de fato, visíveis os sinais de insatisfação dos eleitores com seus representantes. A pesquisa Barômetro das Américas, realizada de dois em dois anos pela Universidade Vanderbilt, dos Estados Unidos, com apoio no Brasil da Fundação Getúlio Vargas, revelou em sua última rodada, em 2019, que 58% dos brasileiros não estão satisfeitos com o funcionamento da democracia no País, mas, dando razão a Churchill, um porcentual maior, 60%, acha que ela ainda é a melhor forma de governo. Um hiato autoritário imposto por um golpe antidemocrático conta com a simpatia de 35% dos brasileiros, mas a maioria de 65% rejeita a ideia.

Fábio Alves - Copom sob fogo cruzado

- O Estado de S.Paulo

O vaivém do BC causa ruídos. O Fed adotou uma sinalização firme, concorde-se ou não

A próxima decisão do Copom sobre a taxa Selic se transformou num debate polêmico e acirrado acerca do dilema que a autoridade monetária enfrenta neste momento de crise internacional, deflagrada pelo impacto do surto do novo coronavírus na economia global e pela guerra de preços do petróleo entre Rússia e Arábia Saudita.

O dilema do Banco Central é o seguinte: cortar a Selic, colocando pressão sobre o dólar ao reduzir o diferencial de juros entre o Brasil e o exterior, em particular as taxas praticadas nos Estados Unidos, ou manter os juros inalterados em 4,25% e não desancorar o câmbio, mas deixar de injetar um necessário estímulo em meio à desaceleração da economia global e à resposta coordenada de redução de juros pelos bancos centrais mundiais.

Se há uma disputa ferrenha entre analistas e investidores sobre o Copom cortar ou não os juros, na reunião marcada para o próximo dia 18, a culpa é, em grande parte, do próprio BC, que vem emitindo sinais contraditórios sobre os próximos passos da política monetária, tornando a calibragem das expectativas confusa.

Basta lembrar que, no comunicado da sua última reunião, em fevereiro, o Copom sinalizou que interromperia o ciclo de corte de juros.

Em meio ao pânico com o coronavírus, no dia 3, logo depois que o Federal Reserve (Fed) fez um corte emergencial dos juros americanos em 0,50 ponto porcentual, o BC divulgou uma nota dizendo que “o impacto sobre a economia brasileira proveniente da desaceleração global tende a dominar uma eventual deterioração nos preços dos ativos financeiros”.

Elio Gaspari - Economia ensina que esperança não é estratégia

- Folha de S. Paulo | O Globo

Guedes deve ter seus motivos para estar tranquilo, mesmo que seja um dos poucos com essa serenidade

A Bolsa de Nova York teve a maior queda desde a crise de 2008, a de São Paulo suspendeu o pregão, fechou com um tombo de 12% e o dólar bateu em R$ 4,73. Diante desse quadro, o doutor Paulo Guedes disse que "estamos absolutamente tranquilos", pois sua equipe "é serena, experiente". Nada contra, salvo os precedentes.

Em 2008, Lula disse que a grande recessão americana chegaria ao Brasil como uma "marola". Deu no que deu. Em 1979 e 1980, diante de uma alta do petróleo e dos juros americanos, o governo brasileiro (e o FMI) garantiam que a dívida externa seria administrável. O país quebrou, entrando na sua década perdida. Em 1973, quando o mundo sofreu o primeiro choque do petróleo, o Brasil era apresentado com uma "ilha de tranquilidade".

Paulo Guedes deve ter seus motivos para estar tranquilo, mesmo que seja um dos poucos ministros da Economia com essa serenidade. Seus antecessores acreditaram que crises podiam ser mitigadas com otimismo. Como ensinou Tim Geithner, o ex-diretor do Federal Reserve Bank de Nova York e ex-secretário do Tesouro americano, que toureou a crise de 2008, "esperança não é estratégia".

Ninguém explicou a origem do pânico financeiro das últimas semanas. Atribuí-lo ao coronavírus é pouco. Se for só isso, a economia mundial tomará um tombo em 2020. Em 1973, quando os países exportadores de petróleo começaram a aumentar o preço do barril, poucos se deram conta do tamanho da encrenca. Seis anos depois, quando o aiatolá Khomeini derrubou o Xá do Irã e provocou a segunda alta do petróleo, muita gente achava que ele era um velhinho bondoso de barbas brancas. Em 2008, quando o economista Nouriel Roubini previa a crise bancária, chamavam-no de "Doutor Fim do Mundo". Ele virou profeta e, na segunda-feira (9), diante da queda do preço do petróleo somada ao coronavírus, tuitou: "recessão e crise à vista".

Ruy Castro* - Receita de impeachment

- Folha de S. Paulo

Se for preciso uma crise econômica para afastar um presidente, há uma a caminho

Em sua guerra contra o Brasil e a favor de si mesmo, Jair Bolsonaro conta com o apoio de seus familiciares, meia dúzia de generais bovinos, uma rede digital clandestina de propaganda e auxiliares robotizados como Abraham Weintraub ou oportunistas como Sergio Moro. É material humano de encomenda para quem quer se sustentar no poder, mas não para administrar um país. Aliás, o desprezo de Bolsonaro pela administração se revela na maneira airosa e piadista com que trata os problemas.

Escorado numa massa de seguidores narcotizados pela ideologia, Bolsonaro sente-se forte para ignorar, ofender ou humilhar congressistas, juízes, investidores, jornalistas, chefes de Estado, economistas, diplomatas, servidores públicos, intelectuais, artistas, professores, estudantes, mulheres, minorias sexuais, indígenas, ambientalistas, portadores de HIV, nordestinos —a lista cresce todos os dias. É muita gente para se ter contra si, e cada membro desses grupos sociais ou categorias representa um voto —ou Bolsonaro não está exatamente preocupado com eleições?

Bruno Boghossian – Mercadores do caos

- Folha de S. Paulo

Com suspeita sem provas sobre eleição, presidente tenta reforçar sua aposta no caos

Em momentos de tensão, Jair Bolsonaro gosta de investir no tumulto. O presidente aproveitou o caos que se desenha na economia para lançar novas suspeitas sem provas sobre o resultado das eleições e ampliar sua carga de intimidação sobre o Congresso. De quebra, desdenhou do coronavírus e levantou hipóteses de traição dentro do Planalto.

O pacote é mais do que um lance de diversionismo. Ele cumpre o papel de desviar atenções e mascarar o fato de que o governo não tem um plano para conter os riscos para a economia, mas o objetivo principal de Bolsonaro é alimentar a desordem e cultivar um ambiente cada vez mais favorável a rupturas.

O presidente não explicou como pretendia reagir ao derretimento das Bolsas em seu encontro com brasileiros em Miami, na segunda (9). Preferiu fabricar mais um elemento de incerteza ao fazer um novo ataque à lisura das últimas eleições.

Vinicius Torres Freire - Governo tem atrapalhado, diz Arminio Fraga

- Folha de S. Paulo

Economista rejeita mais gasto, pede plano racional de reformas e comenta riscos financeiros

Arminio Fraga lidou com a grande crise da desvalorização do real, faz 21 anos. Era o recém-nomeado presidente do Banco Central quando a então recente estabilização da moeda parecia ir para o vinagre. O que fazer agora?

O economista e financista não propõe medidas heroicas. É o caso de “evitar grandes ruídos nas mais diversas áreas, manter a disciplina macro e tocar a agenda de reformas. O Congresso tem feito muito, mas precisa de mais ajuda do Executivo”. O governo tem atrapalhado.

Fraga observa que o primeiro ano do governo poderia ter sido aproveitado para mais reformas, mas então nem as prioridades foram apresentadas com clareza. Perdeu-se tempo com um plano de reforma tributária inviável, em parte pela ideia de recriar uma CPMF, por exemplo.

Até agora, não se sabe quais são as prioridades e tampouco o governo parece saber o que quer fazer. Há confusão, desarticulação política no Congresso. “Pela confiança, não estão ganhando o jogo”.

Aumentar o gasto público, mesmo de modo emergencial, a fim de elevar o investimento, não seria uma opção.

Sim, houve um colapso do investimento público, que está em mínimos históricos. “Algum investimento público é indispensável. Agora, não vejo como aumentar, o Estado está quebrado”.

Países que têm crédito no mercado pagam juros baixos, como EUA e Alemanha, podem investir em época de crise. Não seria o caso de quem teve problemas de excesso fiscal e tem dívida alta, argumenta.

“Neste momento, uma tentativa de aumentar despesa, mesmo estritamente direcionada a investimento, tende a desestabilizar tudo e ter efeito contraproducente. Por ora, nosso problema ainda é reencontrar espaço fiscal para fazer investimento público”.

Fernando Exman - Confiança, matéria escassa em Brasília

- Valor Econômico

Governo deve repensar modelo de articulação política

O momento impõe ao governo uma reflexão sobre seus métodos de articulação política.

Não há mais quem defenda, na Esplanada dos Ministérios ou no Congresso, o modelo de relacionamento adotado pela administração Jair Bolsonaro com o Legislativo. O problema do presidente, contudo, é que esse debate interno ocorre em um momento em que a confiança talvez seja a matéria mais escassa na Praça dos Três Poderes. Uma mudança de rota, se o governo surpreender e por um outro caminho optar, não será fácil.

Isso não quer dizer que serão substituídos, a curto prazo, os atuais articuladores políticos do governo.

Como diz um frequentador dos principais gabinetes do Palácio do Planalto, é inquestionável que Bolsonaro mantém plenos poderes para trocar quem quiser de sua equipe. Para essa autoridade, porém, Bolsonaro enfrentaria dificuldades práticas para demitir alguns dos ocupantes dos principais cargos da máquina federal sem correr o risco de criar turbulências.

O presidente se cercou de amigos pessoais e quadros oriundos das Forças Armadas, diz essa mesma autoridade: “Não se pode nomear quem não se pode demitir”.

Foi nessa conjuntura que, em vez de dispensar, o presidente acabou transferindo o ministro Onyx Lorenzoni da Casa Civil para o Ministério da Cidadania. Aliado de primeira hora de Bolsonaro, Onyx pegou na mão do antigo colega da Câmara dos Deputados e o ajudou a percorrer o país, participar de eventos políticos e de encontros com empresários.

Onyx integrou o núcleo de coordenação da campanha que saiu vitoriosa das eleições de 2018, o que lhe deu gabarito para ocupar um lugar de destaque no governo. Já na transição desempenhou papel importante no embate com a oposição e como porta-voz de uma administração de ruptura.

No entanto, equivocou-se ao imaginar que teria facilidades em manter sob seu controle tanto a gestão do governo quanto a articulação política.

Outro erro, este coletivo, foi acreditar que negociações com as bancadas setoriais seriam suficientes para garantir a aprovação da agenda legislativa de interesse do governo. Essa decisão foi tomada depois de longas discussões entre os formuladores da estratégia da campanha e do programa de governo de Bolsonaro.

Cristiano Romero - Faria Lima tem dívida com a democracia

- Valor Econômico

Muitos ainda creem que o Brasil precisa de um regime autoritário

Ao discursar na Câmara dos Comuns, em 11 de novembro de 1947, Winston Churchill proferiu a mais curta e célebre definição de democracia: “A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”. Uma variante dessa definição seria a seguinte: “A democracia é o mais imperfeito dos regimes políticos. Viva a democracia”.

A pedra basilar da democracia é a liberdade de expressão. Todo cidadão tem o direito sagrado de discordar do governante de seu país e de manifestar publicamente o seu desagrado. Num regime democrático, não deve existir crime de opinião, do contrário, não se trata de democracia.

Quando uma ditadura irrompe, o primeiro direito suprimido é a liberdade de expressão, que se traduz na censura às empresas de mídia. Jornais são fechados, jornalistas são vigiados, presos e calados. Isso ocorre antes mesmo de políticos da oposição serem cassados.

No Brasil, durante a segunda metade da ditadura militar, que nos suprimiu, de 1964 a 1985, o direito de escolher pelo voto direto o presidente da República, forças antagônicas se juntaram para resistir ao regime autoritário. Em 1984, no palanque do movimento “Diretas Já”, pontuaram representantes do centro à esquerda no espectro político. Olhando o grupo mais de perto, era possível ver vultos da centro-direita e da extrema esquerda.

Derrotada a emenda Dante de Oliveira, que instituiria a eleição direta naquele ano, antecipando em cinco anos o retorno do sufrágio universal para a escolha do presidente, próceres da ditadura - José Sarney, da Arena, partido do governo durante o regime militar - e da chamada “resistência democrática” - Tancredo Neves, do então MDB, além de Ulisses Guimarães, maior liderança da oposição à ditadura - se uniram para impedir que outro prócer do regime - Paulo Maluf, ex-governador biônico de São Paulo - ganhasse o pleito indireto que o Congresso Nacional realizou para eleger o sucessor de João Figueiredo, o último general a presidir o país (de 1979 a 1985).

Terminada a ditadura, cada grupo político reunido em torno das “Diretas Já”, todos subscritores dos valores capitais de um regime democrático, foi para um lado. Os que chegaram ao poder não tardaram em reclamar da imprensa, esquecendo-se que restaurar a democracia não era outra coisa a não ser restabelecer a liberdade de expressão. A Constituição de 1988, ao estabelecer entre os direitos fundamentais do cidadão brasileiro o fim de qualquer forma de censura - numa versão popular, “é proibido proibir” -, refletiu a opinião de uma sociedade que amargou um regime ditatorial pela segunda vez no espaço de apenas 27 anos. Ainda assim, nenhum governo, repita-se, absolutamente nenhum, conviveu bem com a imprensa em 30 anos de presidentes eleitos.

TSE rebate Bolsonaro e defende sistema eleitoral, e ministros cobram provas

Magistrados discutiram resposta logo após as declarações do presidente

Carolina Brígido e Victor Farias | O Globo

BRASÍLIA — O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) saíram em defesa do sistema eleitoral brasileiro nesta terça-feira, após o presidente Jair Bolsonaro afirmar, ontem, que teria ocorrido uma fraude nas eleições presidenciais de 2018 e que teria provas. "Eleições sem fraudes foram uma conquista da democracia no Brasil, e o TSE garantirá que continue a ser assim", disse o tribunal em nota, ressaltando que, ao longo de mais de 20 anos de utilização das urnas eletrônicas, nunca foi comprovado um caso de fraude.

O texto divulgado pelo TSE foi elaborado pela atual presidente da Justiça Eleitoral, ministra Rosa Weber, e pelo futuro presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso, que assume o posto em maio deste ano. Alguns ministros do TSE conversaram ontem à noite, logo após as declarações, sobre como responderiam ao presidente. Eles concordaram que a Corte deveria se pronunciar o quanto antes em defesa das votações eletrônicas. Alguns ministros também concordaram com a necessidade de exigir prova de que houve fraude, para basear eventual investigação do caso.

Antes de sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça, Rosa afirmou que “a Justiça Eleitoral não compactua com fraudes”. Ela ressaltou que o sistema é auditável, o que o torna ainda mais confiável.

— Eu mantenho a minha convicção quanto à absoluta confiabilidade do nosso sistema eletrônico de votação. E essa confiabilidade e essa segurança, ela advém, em especial, da auditabilidade dessas urnas eletrônicas. Isso foi um verdadeiro mantra durante as eleições de 2018. Tanto que ao longo de mais de 20 anos de utilização do sistema, jamais foi comprovada qualquer fraude — afirmou.

Bolsonaro fala de fraude eleitoral para aquecer claque digital

Por Francisco Leali | O Globo

O presidente Jair Bolsonaro lançou a isca: dos Estados Unidos, sem que nada ou ninguém tivesse tratado do tema, defendeu a teoria de uma fraude na eleição de 2018. Na sua lógica, só não levou a faixa presidencial no primeiro turno por conta disso.

Enquanto o planeta se estressa com bolsas em baixa e casos de coronavírus alcançando mais países, Bolsonaro afirma que estão exagerando tanto sobre a crise econômica, quanto sobre o problema de saúde pública.

Bolsonaro quer que se fale dele. E apresenta-se como vítima de um complô eleitoral há dois anos. As palavras do presidente parecem ter destino certo: fala para sua rede de seguidores que está com hora marcada para ir às ruas.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo peso político que a fala do presidente da República tem, se viu obrigado a divulgar nota reafirmando a credibilidade do processo eleitoral, questão que, sabe-se, é fundamento de regime democrático.

Enquanto isso, o filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, que tem uma montanha de seguidores digitais, se encarregou de ressuscitar um vídeo do dia da votação no primeiro turno em que eleitores se diziam perplexos por não conseguirem votar no 17. Os relatos, checados pela justiça eleitoral na época, não se sustentavam. Mas a família Bolsonaro indica que prefere a versão ao fato.

‘Vamos tratar do que é sério’, afirma Maia após declaração sobre suposta fraude nas eleições

Presidente da Câmara evita comentar declaração de Bolsonaro e diz que Congresso aguarda encaminhamento das reformas tributária e administrativa

Camila Turtelli | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evitou comentar a declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre a suposta fraude nas eleições de 2018 e disse, nesta terça-feira,10, que a questão já foi respondida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “Vamos no que interessa? Temos 52 milhões de brasileiros vivendo com US$ 5 por dia. Vamos tratar do que é sério e urgente para o brasileiro”, disse.

Na segunda-feira, em Miami, o presidente da República disse que tinha “provas” de que teria vencido a eleição no primeiro turno. Segundo ele, houve “fraude” no pleito – Bolsonaro venceu as eleições no segundo turno, quando obteve 55,13% dos votos. No primeiro turno, conseguiu 46,03% dos votos válidos, o que não foi suficiente para liquidar a disputa imediatamente.

Nesta terça-feira, o TSE divulgou uma nota em que rebate as declarações do presidente e reafirma a “absoluta confiabilidade e segurança” do sistema eletrônico de votação. A presidente do TSE, ministra Rosa Weber, disse que a Justiça Eleitoral “não compactua com fraudes”.

Maia também preferiu não responder a sugestão do presidente Bolsonaro, que disse que as manifestações do próximo domingo podem perder força se o Congresso desistir de controlar uma fatia expressiva do Orçamento da União.

“O parlamento aguarda o encaminhamento das duas reformas (tributária e administrativa) ainda essa semana porque vai ser uma sinalização forte para a sociedade da importância que as reformas têm”, disse ao ser questionado sobre a fala de Bolsonaro.

TSE rebate Bolsonaro e diz que eleições sem fraudes foram conquista da democracia

Além da nota oficial, a presidente do TSE, ministra Rosa Weber, fez uma rara declaração à imprensa e disse que "a Justiça Eleitoral não compactua com fraudes".

Rafael Moraes Moura | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro afirmar que houve “fraude” nas eleições de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou na tarde desta terça, 10, uma nota em que rebate as declarações e reafirma a “absoluta confiabilidade e segurança” do sistema eletrônico de votação. Além da nota oficial, a presidente do TSE, ministra Rosa Weber, fez uma rara declaração à imprensa e disse que a Justiça Eleitoral “não compactua com fraudes”. Os ministros Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio Mello também saíram em defesa das urnas eletrônicas.

“A minha nota lançada hoje, em nome do Tribunal Superior Eleitoral, é muito clara. Eu mantenho a minha convicção quanto à absoluta confiabilidade do nosso sistema eletrônico de votação. E essa confiabilidade e essa segurança, ela advém, em especial, da auditabilidade dessas urnas eletrônicas. Isso foi um verdadeiro mantra durante as eleições de 2018. Tanto que ao longo de mais de 20 anos de utilização do sistema, jamais foi comprovada qualquer fraude”, disse Rosa Weber a jornalistas, antes de participar de sessão no Supremo Tribunal Federal (STF).

Esta foi a segunda vez que Rosa conversou com jornalistas no STF desde que tomou posse na Corte, em 2011. A primeira foi em 2018, quando também defendeu o sistema de votação eletrônica das críticas feitas por Bolsonaro. A ministra é conhecida pela postura reservada e avessa à concessão de entrevistas à imprensa.

Bolsonaro disse na última segunda, 9, durante evento nos Estados Unidos, que houve “fraude” nas eleições presidenciais de 2018 e afirmou ter provas de que venceu o pleito no primeiro turno. A fala do presidente reacendeu a estratégia de colocar em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral, um discurso utilizado pelo próprio Bolsonaro na campanha daquele ano. O presidente não apresentou provas para embasar suas declarações.

“Embora possa ser aperfeiçoado sempre, cabe ao tribunal zelar por sua credibilidade, que até hoje não foi abalada por nenhuma impugnação consistente, baseada em evidências. Eleições sem fraudes foram uma conquista da democracia no Brasil e o TSE garantirá que continue a ser assim”, afirma o TSE, em nota.

Se entrarmos em conflito, ajudamos o governo a jogar o Brasil em recessão, diz Maia

Presidente da Câmara defendeu que o Congresso não entre em conflitos com o Executivo

Danielle Brant | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), evitou nesta terça-feira (10) alimentar atritos com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e defendeu que o Congresso não entre em conflitos com o Executivo para não ajudar o governo a “jogar o Brasil numa recessão”.

As declarações foram feitas por Maia na tarde desta terça, antes de se encontrar com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), adversário político e potencial rival de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2022.

Em Miami, Bolsonaro sugeriu que o Congresso rejeite os projetos enviados na semana passada pelo Executivo e que colocam R$ 19 bilhões de um total de R$ 30,8 bilhões nas mãos de parlamentares.

O presidente sugeriu que, se isso ocorresse, poderia diminuir a adesão aos protestos marcados para o próximo dia 15 em apoio ao governo.

O próprio Bolsonaro convocou seus apoiadores a aderirem às manifestações, que têm em sua origem críticas ao Congresso e ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Maia, em resposta, afirmou que o Congresso não pode fazer parte desse tipo de narrativa. “Se nós entrarmos nesse conflito, nós vamos estar ajudando o governo a jogar o Brasil numa recessão”, disse.

“É por isso que a gente tem que ter a mesma paciência, o mesmo equilíbrio que o Parlamento teve no ano passado, quando todo mundo achou que em determinado momento não se votava mais nada aqui, nós aprovamos uma reforma da Previdência histórica nas duas casas sob meu comando e o comando do presidente [do Senado] Davi [Alcolumbre]”.

O presidente da Câmara disse que não vai “jogar lenha nessa fogueira” porque isso vai “colocar mais brasileiros na pobreza, vai tirar mais crianças das escolas e vai gerar mais brasileiros trabalhando com subempregos, sem carteira assinada e sem proteção social”.

TSE rebate Bolsonaro e reafirma que urnas são confiáveis e auditáveis

Vice-procurador-geral eleitoral disse que, se presidente apresentar provas de fraudes, elas serão investigadas

Reynaldo Turollo Jr. | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O TSE (Tribunal Superior Eleitoral), instância máxima da Justiça Eleitoral, responsável por organizar eleições no país, rebateu a declaração do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de que a eleição de 2018 foi fraudada e reafirmou, em nota divulgada nesta terça (10), que o sistema de urnas eletrônicas é confiável e auditável.

“Ante a recente notícia, replicada em diversas mídias e plataformas digitais, quanto a suspeitas sobre a lisura das eleições 2018, em particular o resultado da votação no 1º turno, o Tribunal Superior Eleitoral reafirma a absoluta confiabilidade e segurança do sistema eletrônico de votação e, sobretudo, a sua auditabilidade, a permitir a apuração de eventuais denúncias e suspeitas, sem que jamais tenha sido comprovado um caso de fraude, ao longo de mais de 20 anos de sua utilização”, afirmou o TSE, presidido pela ministra Rosa Weber.

Nesta segunda-feira (9), durante visita aos Estados Unidos, Bolsonaro disse, sem apresentar provas, que houve fraude eleitoral em 2018 e que ele foi eleito no primeiro turno. “Pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu fui eleito no primeiro turno, mas, no meu entender, teve fraude.”

“E nós temos não apenas palavra, temos comprovado, brevemente quero mostrar, porque precisamos aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos. Caso contrário, passível de manipulação e de fraudes. Então acredito até que eu tive muito mais votos no segundo turno do que se poderia esperar, e ficaria bastante complicado uma fraude naquele momento”, completou o presidente.

Após 30 minutos de discurso, Bolsonaro não apresentou nenhum indício concreto do que chamou de fraude na eleição de 2018 e também não respondeu sobre possíveis provas após o evento, quando foi questionado por jornalistas.

Nesta terça, ele voltou a criticar a Justiça Eleitoral, mais uma vez sem apresentar provas ou pesquisas que sustentem suas declarações. "Eu quero que você me ache um brasileiro que confie no sistema eleitoral brasileiro", declarou o presidente após participar de um esvaziado evento com empresários em Miami.

A nota do TSE também afirma que, existindo qualquer elemento de prova que sugira algo irregular, o tribunal agirá com presteza e transparência para investigar o fato.

“Mas cabe reiterar: o sistema brasileiro de votação e apuração é reconhecido internacionalmente por sua eficiência e confiabilidade. Embora possa ser aperfeiçoado sempre, cabe ao tribunal zelar por sua credibilidade, que até hoje não foi abalada por nenhuma impugnação consistente, baseada em evidências”, continua o texto do tribunal.

“Eleições sem fraudes foram uma conquista da democracia no Brasil e o TSE garantirá que continue a ser assim.”

O que a mídia pensa – Editoriais

A indústria, as bolsas e a tese de Bolsonaro – Editorial | O Estado de S. Paulo

Se o presidente estiver certo, a 'grande mídia' terá confundido Bolsas de todo o mundo, além de ter criado a ilusão de uma epidemia em cerca de cem países

Depois de um dia de pânico em todo o mundo, a terça-feira começou com novidades positivas – uma reação dos mercados e animadores sinais da indústria brasileira. Mas a boa notícia da indústria, o início de retomada em janeiro, chegou já superada pela crise do coronavírus. Em janeiro a produção industrial cresceu 0,9% no Brasil, depois de acumular recuo de 2,4% nos dois meses anteriores. A leve retomada foi puxada pela indústria de transformação, detalhe especialmente promissor, segundo avaliação da pesquisadora Luana Miranda, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas os sinais positivos ocorreram antes da epidemia já espalhada por dezenas de países. A pesquisadora lembrou o risco de escassez de insumos. Fábricas de vários setores trabalham com peças e componentes importados da China. É cedo para dizer se efeitos da crise aparecerão nos dados de fevereiro, comentou o pesquisador André Macedo, gerente da área de indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Diante dos problemas do coronavírus, os dados de janeiro da indústria já são velhos, comentou o economista Rodrigo Nishida, da LCA Consultores. Segundo ele, os efeitos já observados da epidemia são maiores do que os previstos há cerca de um mês. Esses efeitos, acrescentou, vão além da oferta e podem prejudicar também a confiança e a demanda, com risco de crise sistêmica.

Poesia | Geir Campos - Lamento pela Ilha Fernando de Noronha

Amei-te sempre como a um cão de guarda
simplório e manso na calçada azul
de minha pátria pouco afeita à guerra:
se vai passando alguma nau ligeira
ou ligeiro avião, teu leve sono
quase vigília as pálpebras descerra
- tal o cachorro atento, ao pé do dono -
mas reconhece o amigo e a mesma paz
pousa na cruz dos rumos cardinais...

Querem-te entanto por mastim nervoso
com intranquilas orelhas de arame
girando sobre a rosa dos caminhos:
desconfiarás, servindo a gente estranha,
do azul celeste e desse azul mais fundo
que há séculos de séculos te banha.

Já te imagino triste bicho acuado
no mapa e no binóculo, adivinho
tua pétrea epiderme aberta ao berne
da guerra e seus petrechos e pretextos:
se algum dos teus se aproximar à antiga,
já te escuto ladrar "são inimigos"...

Assim te ensinam e hás de aprender bem,
pois esse é um dom que os mercenários têm.

Publicado no livro Operário do canto (1959).