quinta-feira, 2 de abril de 2020

Merval Pereira - Vergonha alheia

- O Globo

Ironicamente, vários estádios estão transformados em hospitais para o enfrentamento da crise da Covid-19

“Não se faz Copa do Mundo com hospitais”, disse Ronaldo Fenômeno, rebatendo as críticas sobre os gastos para a realização campeonato mundial de futebol no Brasil em 2014. Também o então presidente Lula foi na mesma linha, declarando que ser contra a Copa por causa dos hospitais seria “um retrocesso danado”.

Também deixamos de construir hospitais enquanto nos vangloriávamos de termos vencido a concorrência para realizar as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro. Sabemos hoje que nas duas competições houve fraude na disputa pela indicação, e o Brasil ganhou as duas com a ação de atravessadores e lobistas, brasileiros e estrangeiros, comprando os votos de delegados.

A Copa do Mundo de futebol deixou na nossa memória uma vexaminosa derrota por 7 a 1 para a Alemanha, que acabou sendo a campeã. Mas deixou também inúmeros elefantes brancos construídos a preços superfaturados, que geraram diversos processos criminais por corrupção.

Inclusive o Itaquerão, onde se realizou a abertura da Copa, em São Paulo, e o Maracanã, palco da final. O Itaquerão, aliás, foi denunciado pela Odebrecht como tendo sido construído por pressão do então presidente Lula, torcedor fanático do Corinthians.

Ascânio Seleme - Só faltava chorar

- O Globo

Se fossem honestas, lágrimas de Bolsonaro seriam de arrependimento

Não foi a primeira vez nessa crise sanitária que o presidente Bolsonaro deu sinais de que iria voltar atrás para logo em seguida destruir o esforço conciliatório. A primeira foi quando recuou da convocação para a manifestação contra Supremo e Congresso e depois correu para os braços dos manifestantes. A segunda aconteceu quando ele disse estar havendo uma histeria no país para em seguida recuar e adiante anunciar que faria uma festinha para comemorar seu aniversário e o da mulher. E, finalmente, diz num pronunciamento que a Covid-19 não passa de uma gripezinha e culpa os governadores por futura crise econômica.

Depois, em novo pronunciamento fala em entendimento e trabalho conjunto com as autoridades estaduais e, no dia seguinte, compartilha vídeo fake com críticas aos governadores.

Não dá para levar este homem a sério. Os jornais de ontem apontaram a mudança de tom do presidente. Foi uma benevolência arriscada. Embora a afirmativa fosse correta, Bolsonaro de fato mudara o tom, era óbvio que a nova abordagem sobre o tema não duraria muito. Pois durou menos de 12 horas. O depoimento pregando a conciliação foi ao ar às 20h30m de terça. O vídeo com ataque aos governadores foi compartilhado às 7h57m de ontem. Já escrevi aqui, há muito pouco tempo, que não podemos passar a mão na cabeça de Bolsonaro como se fosse um menino travesso que pede desculpas depois de fazer uma arte. Ele não merece mais a confiança dos brasileiros.

Bernardo Mello Franco - A epidemia da mentira


- O Globo

Acreditar que Bolsonaro possa ser domado é um ato de fé. O presidente ensaiou moderar o tom sobre o vírus, mas levou menos de 12 horas para rasgar a fantasia

Crer que Jair Bolsonaro possa ser domado é um ato de fé. Desde os tempos do quartel, ele pensa e age como um extremista. Sua carreira política foi construída com mentiras, insultos e ameaças à democracia.

Na Presidência, o capitão continua o mesmo. Seu governo opera na lógica do confronto permanente. Quem tenta moderá-lo é hostilizado e recebe a pecha de traidor, como ocorreu com o general Santos Cruz.

No pronunciamento de terça, o presidente ensaiou uma mudança de tom sobre o coronavírus. Depois de chamar a epidemia de “gripezinha”, disse que seu combate será o “maior desafio da nossa geração”.

Luiz Fernando Veríssimo - Pós-choque

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Recuperem as ideias de Keynes

Naomi Klein publicou um livro intitulado “A doutrina do choque”, ou “A ascensão do capitalismo de desastres”, em que defende a tese de que o capitalismo se nutre de desastres, e de choque em choque vai ampliando seu poder. O livro é recente, mas saiu antes do ataque do coronavírus, um desastre que ninguém previa e ninguém sabe como vai terminar. E no meio do qual nenhuma tese, nem a reducionista da Naomi, sobrevive.

Oportunistas já se aproveitam da confusão da pandemia para lucrar e confirmar a pior expectativa de que o capitalismo amoral é capaz, segundo a Naomi. Está em curso a maior intervenção do Estado na vida das nações e das pessoas desde a Segunda Guerra Mundial, mas a velha briga entre dirigismo econômico e mercado persiste, enquanto contam os mortos. O mundo que emergirá do choque que estamos sofrendo será um mundo purgado pelo horror, e melhor, ou condenado pelo amoralismo para sempre.

Se estamos a caminho de uma escolha definidora do que seremos pós-tragédia viral, talvez não seja ingenuidade demais discordar da Naomi e esperar que no fim de tudo isto surja um mundo menos desigual e mais, na falta de outra palavra, decente. Para participar da velha briga, que continuará quando o coronavírus for apenas uma má memória, entre estatismo e livre mercado, traga-se de volta o John Maynard Keynes. Se for difícil transportá-lo fisicamente — afinal, o homem está morto desde 1948 —, recuperem suas ideias, e as escolhas que ele pregou para combater o capitalismo sem-vergonha.

Carlos Alberto Sardenberg - Gastar hoje, ajustar depois

- O Globo

O governo tem que gastar porque só ele tem a capacidade de tomar dívida no tamanho necessário

Quer dizer que o governo não tinha dinheiro para nada, nem para pagar aposentadorias, e agora tem dinheiro de sobra para socorrer pessoas, empresas, estados e municípios? Onde estava escondido esse dinheiro?

Esse tipo de pergunta corre por aí. Na maior parte das vezes, é uma dúvida sincera. Nem todo mundo é versado em economia, de modo que de fato surpreende a facilidade com que, por exemplo, o ministro Paulo Guedes fala em centenas de bilhões de reais. Pessoas sinceras também se surpreendem quando topam com economistas clássicos, ortodoxos e/ou liberais dizendo que é preciso gastar o que for preciso para combater a pandemia.

Mas há também a pergunta que explicita uma crítica. Esta: os fatos derrubaram a tese do ajuste fiscal; o governo tem dinheiro e deve gastá-lo em tudo. Não é preciso explicitar os autores dessas críticas — é o pessoal que levou à explosão do déficit, da dívida pública e da consequente recessão.

Assim, convém comentar as dúvidas sinceras. Não havia, nem há dinheiro escondido. O governo continua operando com déficit primário — ou seja, a receita não cobre as despesas. Neste momento, em que se aproxima uma recessão, as receitas devem cair, de modo que o déficit aumentaria mesmo sem os gastos extras para combater o coronavírus.

Luiz Carlos Azedo - O ponto fraco

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Com a falta de testes, o número de óbitos e casos de coronavírus confirmados está subnotificado. Pode ser muito maior o contingente de infectados

Enquanto a maioria esmagadora da sociedade vê a epidemia de coronavírus como uma terrível ameaça, a aposta do presidente Jair Bolsonaro foi de que era uma oportunidade de encurralar os adversários políticos, principalmente os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB); do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC); e do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que enfrentam mais dificuldades na crise. Fez um movimento de altíssimo risco: responsabilizá-los pela paralisia da economia, que entraria em recessão inevitavelmente, até porque a retração é global. Para isso, porém, Bolsonaro se lançou contra a política de distanciamento social e conclamou comerciantes, ambulantes, diaristas e outros trabalhadores informais a saírem da quarentena, entrando em choque aberto com a política de seu próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.

Bolsonaro cometeu um crasso erro: se aventurar num terreno que não conhece, a saúde pública. Não percebeu que a gravidade da situação estava acima de suas disputas políticas e fez uma aposta no ponto futuro, a retomada da economia, que não será nada fácil, outro assunto que não domina. Se isolou dentro do próprio governo, porque os generais que hoje formam seu estado-maior administrativo não concordaram com essa estratégia de alto risco, bem como os ministros da Justiça, Sérgio Moro, e da Economia, Paulo Guedes. Enquanto o primeiro barrou qualquer possibilidade institucional de confrontação com os governos estaduais, o segundo deu um salto triplo carpado na política econômica: abandonou as reformas ultraliberais e abriu os cofres da União para atender aos trabalhadores que ficaram sem nenhuma fonte de renda por causa do confinamento.

Ricardo Noblat - Trump aplica uma rasteira em Bolsonaro e o joga no chão

- Blog do Noblat | Veja

Como fazer o dinheiro chegar a quem precisa

Adianta ter dinheiro para gastar? – queixou-se, ontem, o ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, em seu desabafo diário na sessão fim de tarde. Adianta fechar contratos de importação, fixar multa caso não sejam cumpridos, se alguém com muito dinheiro vai às compras e paga por elas o que lhe cobrarem?

O presidente Donald Trump, a quem Jair Bolsonaro imita e reverencia como ídolo, foi às compras, pagou mais caro e arrebatou tudo o que o governo brasileiro esperava receber da China em matéria de equipamentos essenciais para a proteção dos profissionais da saúde e o combate ao coronavírus.

Foi uma razia. Trump mandou 23 grandes aviões militares se entupirem na China de tudo que estivesse à venda. Mais de 240 mil americanos poderão ser mortos pelo vírus a se confirmarem as piores previsões. No momento, 187 mil estão infectados e há 4.600 mortos. Nos atentados de 11 de setembro, morreram 2.977.

Até a semana passada, Trump ainda se referia ao coronavírus como “uma gripezinha”. Entendeu por que Bolsonaro repetia gripezinha? Trump, depois, admitiu que o coronavírus seria um caso sério, como está vendo. Aqui, anteontem, Bolsonaro concedeu ao vírus a patente de “o maior desafio da nossa geração”.

Os dois conversaram por telefone. Trump informou a Bolsonaro que “o Brasil está parando”. Nada que Bolsonaro não soubesse. Dizem assessores de Bolsonaro que ele ofereceu ajuda. A maior ajuda seria não ter comprado o que o Brasil já comprara. Mas América em primeiro lugar! E a situação está feia em todo canto.

Se morrerem apenas 110 mil americanos, o numero será maior do que a soma de todos os que morreram nas guerras da Coreia (40 mil), do Vietnam (58 mil) e do Iraque e Afeganistão (6,6 mil). O ano nos Estados Unidos é de eleição presidencial. Trump já teve a reeleição garantida. Agora teme o que possa acontecer.

William Waack - Um outro país

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro precipitou mudanças institucionais, algumas contra ele

Entre os vários medos à disposição parece claro que as pessoas permaneceram apegadas ao medo de morrer, o mais natural de todos. A grotesca forçada de barra dos “gênios” de comunicação de Bolsonaro – a falsa dicotomia entre empregos ou saúde – voltou-se contra o próprio presidente. Em geral, ficou demonstrado que se confia mais no que dizem médicos e técnicos em saúde pública do que nas palavras do presidente.

O resultado, bastante previsível dada a correlação das forças políticas, foi mais um encurtamento da caneta presidencial. A diminuição do seus poderes vem de uma combinação de restrições institucionais que dificilmente desaparecerão quando a urgência da questão de saúde pública amainar, e ninguém sabe quando. Tem como mais recente exemplo a articulação para a aprovação do tal “orçamento de guerra”, que não é outra coisa senão a definição de responsabilidades políticas e administrativas na utilização de recursos para enfrentar uma situação de calamidade nacional.

Para ter acesso aos fundos com os quais pretende combater a inevitável recessão, o próprio ministro Paulo Guedes assinalou que precisa de uma PEC (sim, tudo no Brasil passa por mudar algum artigo da Constituição e, portanto, pelo Congresso) que regula rigidamente como o Executivo atuará, dando amplas prerrogativas ao Legislativo e ao Judiciário. Na prática, o chefe do Executivo não faz nada na gestão de crise sem consultar previamente os outros Poderes.

Maria Cristina Fernandes - Contra o isolamento, o vírus da desconfiança

- Valor Econômico

Bolsonaro reage provocando discórdia entre as instituições

Durou menos de 24 horas a aposta de ministros civis e militares de que o insurgente capitão fora domado. Depois do brando pronunciamento da noite de terça-feira, o presidente da República mostrou que sua maior missão é ocupar a tribuna da provocação. Em tuíte, compartilhou depoimento (falso) de um feirante que exalta Bolsonaro e culpa os governadores pelo pouco movimento. No fim, comentou: “Depois da destruição, não interessa mostrar culpados”.

Como bedéis de um adolescente indisciplinado, os ministros do Palácio do Planalto apagaram o tuíte, fizeram o rapaz pedir desculpas e deram instruções para que a segurança impedisse a claque bolsonarista, sob o comando diuturno do presidente da República, de vaiar os jornalistas que cobrem sua saída do Palácio do Alvorada.

Comportado em rede nacional e debochado na rede social, o presidente cumpre a bipolaridade com a qual inaugurou seu mandato. Faz passar por doença o que é método. Se os ministros militares insistem na tutela, é menos pela aposta na disciplina do capitão e mais pela ausência de alternativas a uma situação que se agravou pelo isolamento institucional do presidente e pelo avanço do coronavírus.

O Comando Militar da Amazônia confirmou casos da covid-19 no Centro de Instrução de Guerra na Selva, em Manaus, reduto da elite do Exército e referência mundial de treinamento. Some-se à preocupação com a preservação da capacidade operacional das Forças Armadas, o avanço inaudito da covid-19 no Distrito Federal, que combina a maior incidência de casos da Federação com uma frágil rede de hospitais públicos. É no entorno do presidente passeador que ameaça se concretizar mais rapidamente a tragédia italiana prevista pelo ministro da Saúde: caminhões do Exército transportando pilhas de vítimas do coronavírus.

Roberto Dias - Teoria da descomunicação

- Folha de S. Paulo

Em quatro discursos sobre coronavírus, a única mensagem em comum foi o pedido de bênção ao Brasil

Em um mês, Jair Bolsonaro convocou quatro cadeias nacionais de TV para falar sobre o coronavírus. A única mensagem em comum entre elas foi o pedido final de bênção ao Brasil, mas até para Deus as palavras foram diferentes a cada aparição presidencial.

Se deve estar difícil para Ele, imagine para os brasileiros. Bolsonaro descobriu o teleprompter, mas a população ainda não sabe o que ele quer.

No primeiro discurso, ele disse que "seguir rigorosamente as recomendações dos especialistas é a melhor medida de prevenção". O segundo teve como foco os atos de rua pró-governo. No terceiro, o mais agressivo, os alvos foram os governadores, a mídia e o fechamento de escolas. Já o quarto, nesta semana, levou à tela alguém muito parecido com Bolsonaro, mas que falava coisas bem diferentes das dele; pacto para salvar vidas foi a mensagem central.

Em todos, o cálculo político prevaleceu sobre a orientação às pessoas. Somados os outros canais de comunicação, a confusão se agrava.

Bruno Boghossian – O jogo da mentira

- Folha de S. Paulo

Mentirada é estratégia conhecida do presidente, mas agora põe vidas em risco

No início da tarde, o ministro da Saúde lançou um alerta. Henrique Mandetta afirmou ser "muito importante evitar as notícias falsas" sobre a pandemia do coronavírus e fez um apelo: "Estamos lidando com a vida de seres humanos". Ainda falta mandar o aviso ao presidente.

Jair Bolsonaro acordou no Dia da Mentira disposto a golpear a realidade. Pela manhã, ele publicou um vídeo para dizer que as medidas de isolamento implantadas no combate ao vírus haviam provocado desabastecimento de comida em Minas.

Não era verdade. A rádio CBN foi até a Ceasa e mostrou que a situação era normal. A gravação havia sido feita durante a limpeza do espaço. O presidente apagou a postagem e pediu desculpas, não sem antes ser desmentido pela ministra da Agricultura, que disse não haver notícias de desabastecimento no país..

Sergio Moro também pegou carona em relatos falsos. Na terça (31), o ministro da Justiça interrompeu uma entrevista no Planalto e divulgou o boato da prisão de um traficante que teria passado a cumprir pena em casa para evitar contágio pelo coronavírus. Era mentira. Segundo a Polícia Civil gaúcha, o tal homem não estivera preso antes.

Maria Hermínia Tavares* - Pato manco

- Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro está politicamente isolado.

Defensor do isolamento parcial, Jair Bolsonaro está politicamente isolado. Discursos e atitudes insanas, que ameaçam a já limitada capacidade do país de enfrentar a devastação do coronavírus, receberam o repúdio dos governadores.

O Congresso substituiu o Executivo inoperante ao aprovar o projeto de lei —ainda não sancionado— que garante renda mensal de R$ 600 aos mais pobres entre os pobres. Além do vice, Mourão, os ministros Guedes e Moro se distanciaram do chefe ao apoiar as posições do colega Mandetta em relação à quarentena.

A entrevista coletiva armada na segunda-feira (30) para mostrar ao titular da Saúde qual é a cadeia de comando no combate à Covid-19 não foi conduzida pelo presidente, mas pelo chefe da Casa Civil, um general.

Empresários importantes, abandonando a prudência que costuma fazê-los buscar o regaço do governismo, não escondem ter perdido a confiança inicial no “Posto Ipiranga” da economia. O Twitter e o Facebook apagaram mensagens das contas de Bolsonaro por suas falsidades sobre a pandemia.

Fernando Schüler* - O desafio da renda básica

- Folha de S. Paulo

Eliminação da miséria é fronteira civilizatória, assim como foi, no século 19, o fim da escravidão

Thomas Paine foi o dos primeiros a propor, com algum detalhe, uma renda básica universal. Seu desejo não era nada simples: preservar os benefícios da civilização, sendo o maior deles a prosperidade, e corrigir seu maior erro: a miséria.

Em “Agrarian Justice”, escrito na França no anoitecer da revolução, ele defendeu ser um “direito de herança” que cada indivíduo recebesse um bônus, no início da vida adulta, e uma renda incondicionada, aos 50 anos.

Ideias como esta correram o mundo, muito depois de Paine. Nos anos 1990, Philippe Van Parijs (“Real Freedom for All”) popularizou a tese fundamental do movimento em favor da renda básica universal: livrando as pessoas da urgência econômica, elas poderão dizer “não” às múltiplas formas de humilhação social e darão um novo significado à ideia de liberdade individual.

Com argumentos distintos, a tese foi também cultivada pela tradição liberal. Hayek sugeriu uma renda mínima não universal e Milton Friedman é amplamente conhecido pela defesa de seu “imposto de renda negativo” para substituir os programas do “welfare state” convencional.

O tema ganhou relevo com a pandemia. Mais de 50 países já anunciaram modelos variados de transferência de renda, incluindo o Brasil, com o auxílio emergencial aprovado por unanimidade no Congresso.

Qual o impacto do coronavírus na política?

Analistas de diversas áreas de atuação apontam diretrizes para amenizar as consequências das paralisações social e econômica

Se não é possível prever quando nem como terminará a situação antes impensável que o mundo vive hoje, em função do impacto da covid-19, pelo menos algumas diretrizes podem ser listadas para projetar um cenário pós-coronavírus e amenizar as consequências dessa paralisação social, econômica e, em alguns casos, política.

A completa imprevisibilidade das ações do Palácio do Planalto, ora favorável ao isolamento ora explicitamente contrário, somada ao avanço do número de vítimas fatais e à incerteza de um futuro pela falta de renda ou mesmo pelo risco de morrer, resulta em debates que envolvem desde um eventual afastamento do presidente Jair Bolsonaro até o fortalecimento do Estado, passando por um pacto de conciliação e de uma cada vez mais necessária união das forças democráticas.

O Estado reuniu 14 nomes da ciência política, da sociedade civil e da área jurídica para apontar esses caminhos. Todos são unânimes em afirmar que é preciso uma mudança de postura da classe política.

Adriana Ferraz, Paula Reverbel, Pedro Venceslau e Ricardo Galhardo | O Estado de S. Paulo

Intelectuais e líderes da sociedade civil discutem consequências da crise e apontam rumos para superá-la .

Ribamar Oliveira - O teto de gastos está por um fio

- Valor Econômico

Governo precisa da PEC do “Orçamento de Guerra”

A sobrevivência do teto de gastos da União está na dependência de uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que anteontem se incorporou ao movimento do “#pagalogo”, no Twitter. Caberá a Gilmar conceder ou não, de forma monocrática, liminar ao pedido feito pela Advocacia-Geral da União (AGU) em ação contra a lei que ampliou, de um quarto do salário mínimo para meio salário mínimo, a renda familiar per capita das pessoas que terão direito a reivindicar o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Se Gilmar conceder a liminar, o governo ainda manterá a esperança de que, ao fim desse turbilhão de gastos para o combate aos efeitos do novo coronavírus na população e nas empresas, poderá sustentar o limite constitucional para o crescimento das despesas, previstos na emenda constitucional 95/2016. Se o ministro do STF negar a liminar, já será necessário começar a discutir uma alternativa para o teto de gastos, pois ele não conseguirá absorver a despesa adicional de cerca de R$ 21 bilhões por ano com a mudança do BPC.

No dia 23 de março, a AGU ingressou no Supremo com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o projeto de lei 55 do Senado, que, depois de aprovado, foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. O veto foi derrubado, mas Bolsonaro negou-se a promulgá-lo, o que terminou sendo feito pelo vice-presidente do Senado, Antonio Anastasia.

Mario Mesquita* - Depois da crise

- Valor Econômico

Rapidez é importante, tanto no combate à doença, quanto na reação aos seus efeitos econômicos

A pandemia de coronavírus irá trazer o fim da expansão observada na economia mundial desde 2010. O PIB global deve, segundo as projeções dos economistas do Itaú, mostrar contração de 0,4% em 2020, ante uma expectativa de crescimento superior a 3% ao final de 2019. A primeira grande economia envolvida com a crise foi a chinesa, mas a epidemia logo migrou para o Oriente Médio, Europa e finalmente o Hemisfério Ocidental.

Diante do estado do conhecimento sobre a dinâmica dessa epidemia, as autoridades de saúde têm recomendado o distanciamento social como elemento central da estratégia de contenção. A experiência da China sugere que tal estratégia, se corretamente implementada, tende a ser bem-sucedida. Obviamente, o distanciamento social, necessário para minimizar o impacto da pandemia sobre a saúde pública, implica cercear de forma relevante a capacidade de circulação de trabalhadores e consumidores.

Brasil tem que estruturar economia de guerra durante crise do coronavírus, defende economista

Para José Roberto Afonso, empresas devem se adaptar para suprir demandas e superar pandemia

Camila Mattoso/ Mariana Carneiro | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O economista José Roberto Afonso, 58, professor do IDP, afirma que o coronavírus vai transformar a economia em digital de forma antecipada e investir nessa mudança é uma forma de manter o mercado vivo em tempos de isolamento sanitário.

Ele defende que o Brasil estruture, durante a crise, o que ele chama de economia de guerra, na qual empresas mudam suas atividades para ajudar o país.

Fabricantes de automóveis poderiam fazer ambulâncias e fabricantes de roupas, equipamentos para profissionais de saúde.

Especialista em contas públicas, Afonso sugere ainda que governo, estados e prefeituras organizem o desconto de impostos sob pena de o mercado resolver pelo caminho da inadimplência.

Para o economista, que defende a criação de um comitê para coordenar a crise, como o do apagão, em 2001, o coronavírus tem uma peculiaridade: trata-se de uma recessão de serviços e, por isso, as prefeituras vão sofrer mais.

• Como vê essa dicotomia que Jair Bolsonaro vem colocando, entre a economia e as medidas protetivas de saúde?

Essa discussão está no mundo inteiro, mas não tão politizada. Pessoalmente, não quero ficar falando de política, mas tenho uma posição simples e radical sobre isso. Nenhum economista e nenhuma autoridade pública tem o direito de escolher quem vai morrer.

A esses profissionais, cabe escolher pela vida. O que a gente tem que fazer é lutar para conciliar a guerra da saúde, a guerra social e a guerra econômica. A gente tem de aproveitar essa crise para transformar em uma oportunidade.

O coronavírus veio acelerar uma tendência que já vinha de antes, de transformar a sociedade em digital. Muito do nosso dia a dia vai ser dentro do celular. O que ocorreria em dois ou três anos, vai ser agora. Coisas impensáveis vão virar realidade mais rápido. Temos que nos organizar e parte disso tem de vir do governo. Eles precisam dar crédito para essa migração, investir em pesquisas.

• De que tipo?

A maneira mais rápida de você ter UTI, por exemplo, é fazendo uma ambulância UTI. Na minha opinião, a indústria automobilística tinha que estar já há muito tempo trabalhando nisso e produzindo. Ao mesmo tempo que você está ajudando na saúde, você está ajudando a economia, porque tem trabalhadores ali.

Isso chama economia de guerra e a gente já viu isso algumas vezes, nas guerras. Na Europa tem empresa de roupas que está produzindo equipamento de proteção para médicos. Você não para a produção e consegue olhar para a saúde. Tem vários outros casos que podem ser assim.

• E no caso de informais?

Celso Ming - A conta vai chegar

- O Estado de S.Paulo

Na guerra contra o coronavírus, o brasileiro perderá não apenas renda e patrimônio, mas também certos direitos adquiridos com sacrifício pelas classes médias

O futuro já era incerto antes da pandemia. Agora, será adiado indefinidamente.

Não se trata apenas de afundamento das projeções do crescimento e do tamanho do PIB deste ano e, provavelmente, também dos dois seguintes. PIB é renda e a renda vai mergulhar porque a produção cairá e porque seu valor também será bem mais baixo.

Certos setores deverão perder mais. Indústria de transformação e serviços estão entre eles. Em princípio, o agronegócio deverá ser menos prejudicado porque a alimentação continua sendo despesa essencial no orçamento do consumidor. O assalariado e os trabalhadores que ralam na informalidade também sofrerão com a queda do emprego e da contratação de serviços.

Outro fator de empobrecimento será a desvalorização do patrimônio familiar. Aplicações financeiras (incluídas aí as de renda fixa, ações e imóveis) já perderam e tendem a perder mais valor e preço. Paradoxalmente, a melhor forma de manter patrimônio enquanto durar o flagelo é manter dinheiro vivo, em caixa ou em conta corrente.

Zeina Latif* - Cuidado com as curvas

- O Estado de S. Paulo

Ceder a tudo e a todos agora implicará mais uma década perdida

Aprendemos com os profissionais da saúde que é necessário suavizar a curva de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, por meio do isolamento social, pois o sistema de saúde não daria conta de tantos doentes. Também aprendemos que é necessário evitar uma segunda onda decorrente de uma suspensão precipitada do confinamento, dada a baixa imunização atual.

O desafio é encurtar o período de distanciamento social de forma segura, com definição de estratégia e uma boa gestão da saúde.

O choque é transitório, mas cabe a nós determinar sua duração.

O sucesso na área da saúde definirá o impacto econômico da epidemia e a própria eficácia das medidas de socorro. Assim, a mesma atenção dada aos anúncios de medidas econômicas deveria ocorrer para as medidas sanitárias e de saúde. Pouco sabemos, no entanto.

Além de cuidar da curva de infectados, precisamos cuidar da curva da economia.

A inação geraria grande sofrimento social, mas o excessivo voluntarismo dificultaria a retomada do crescimento adiante, por conta dos efeitos colaterais sobre a solvência do setor público e a eficiência econômica. Sim, todos os esforços precisam ser feitos para salvar a economia, mas dentro das nossas possibilidades.

Míriam Leitão - A dolorosa travessia

- O Globo

Governo anuncia medidas dolorosas para o trabalhador, e presidente divulga vídeo com falsa notícia de desabastecimento

No início de uma recessão o governo deixará as empresas reduzirem até 70% dos salários ou suspenderem o contrato de trabalho do empregado e define isso como "o maior programa de emprego do Brasil", como informou o Ministério da Economia. Era isso ou uma onda de demissões, disseram os secretários do Ministério. O presidente Jair Bolsonaro levou 48 horas para sancionar a MP de auxílio aos mais vulneráveis, mas precisou de apenas oito horas para derrubar a esperança de que tivesse enfim entendido a gravidade da crise. Na noite da terça-feira, ele elevou a "gripezinha" à categoria de "maior desafio da nossa geração", mas de manhã postou em suas redes um vídeo com cenas falsas de desabastecimento e acusando governadores. De tarde, fez uma reunião com médicos para discutir a pandemia sem o conhecimento, e a presença, do ministro da Saúde.

O Brasil enfrenta uma pandemia e tem o presidente Jair Bolsonaro. Ele atormenta o país em vez de o administrar. Foi um alívio ouvir a ministra Tereza Cristina com seu tom calmo de sempre falar o oposto do que fora dito no vídeo falso que o presidente postou nas suas redes sociais logo cedo. Ela afastou "qualquer notícia de que está faltando alimento". Ou o ministro Luiz Mandetta explicar mais uma vez que manterá o "foco" em vez de se preocupar com a reunião para a qual ele não foi convidado, nem recomendaria nesse momento.

Monica De Bolle: “Hoje, dane-se o Estado mínimo, é preciso gastar e errar pelo lado do excesso”

Para a economista da Universidade Johns Hopkins, ministro Paulo Guedes está preso a dogmas ideológicos e mantém letargia para tomar decisões que afetam quem já está passando fome

Heloísa Mendonça | EL PAÍS

SÃO PAULO - “E, para os defensores da calma e da serenidade, saibam: o momento é de urgência”, escreve a economista brasileira Monica de Bolle, em mais um tuíte para cobrar decisões rápidas de autoridades diante do quadro excepcional pelo qual passa o Brasil e o mundo. Pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional e professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington, de Bolle tem sido incansável em defender que é preciso abandonar o teto de gastos para frear a escalada da pandemia de coronavírus e seus impactos econômicos. “Hoje, dane-se o Estado mínimo, você precisa gastar e é preciso errar pelo lado do excesso”, afirma a economista, que sempre pregou austeridade responsável.

Bolle critica a condução do ministro de Economia, o liberal Paulo Guedes, para enfrentar a crise e avalia que ao invés de tentar acalmar o mercado financeiro, o chefe da pasta deveria estar solucionando o problemas dos milhões de brasileiros que já não têm como se sustentar. Em entrevista ao EL PAÍS, a economista avalia que a posição negacionista de Jair Bolsonaro, que tenta minimizar a pandemia e quer afrouxar as regras de quarentena, pode escalar para uma situação “de absoluta instabilidade social e institucional”.

“Se você não aplicar o isolamento social e deixar a epidemia correr solta, como já vimos aqui em Nova York, o sistema de saúde entra em colapso e a economia junto. Não há como evitar o colapso econômico, ele vem na mesma forma, na verdade vem pior”.

Leia os principais trechos da entrevista:

Pergunta. O Senado aprovou, na noite desta segunda-feira, o projeto que prevê um auxílio emergencial de 600 reais para amparar os trabalhadores que perderam renda com a crise da pandemia de coronavírus. Agora a lei vai para sanção presidencial. A ajuda é suficiente?

Resposta. O texto aprovado foi tal qual o encaminhado pela Câmara, o que é bom, porque permite que o pagamento possa ser feito de imediato. Tenho algumas críticas, acredito que o projeto poderia ter sido aprimorado antes, mas isso é menos importante, porque o principal é que saia o pagamento. No entanto, acredito que seja necessário um projeto de lei complementar a esse, ajustando a cobertura do benefício para contemplar mais pessoas e não apenas os trabalhadores informais. No Brasil, há uma quantidade grande de trabalhadores formais cuja a situação é muito precária.

P. E a duração de três meses do benefício? É suficiente?

R. São três meses prorrogáveis, mas essa crise não terá acabado em 90 dias. Precisamos estender esse prazo para que as pessoas tenham a segurança mínima de que essa renda com a qual elas vão poder contar terá um prazo mais longo. Isso é muito importante para dar um chão às pessoas. Vários projetos que foram apresentados pela oposição queriam um prazo maior, mas o Governo resistiu e preferiu ficar só nos três meses. Jair Bolsonaro resiste em reconhecer que a crise vai ser mais longa do que três meses, porque isso vai de encontro com a narrativa a que ele se agarrou de que isso é uma crise de curto prazo, que vai acabar logo. Mas todo mundo já sabe que ela será mais longa, então é uma postura anacrônica. Ainda tem uma grande articulação de um PL complementar para ajustar esses dois parâmetros, mas é preferível aprovar dessa forma para não atrasar o processo de começar a pagar as pessoas. Mas isso depende do Governo Federal que tem que implementar a lei e desenhar a logística para isso. Já deveria ter feito isso na semana passada. Mais uma vez, o Governo está super atrasado. Alguns projetos de lei sobre medidas de proteção das empresas estão sendo formulados também. Outra vez, o Congresso vai propor um texto, que provavelmente será lei. Mas a implementação sempre é do Executivo. O Congresso vai até onde pode, mas precisa da perna do Governo para funcionar, se essa perna ficar inerte, como tocar para frente o que precisa?

‘Pacotão Social’ do Senado é primeiro passo para programa de renda mínima, dizem especialistas

Economistas ponderam, entretanto, que medidas adotadas para suavizar efeitos da crise do coronavírus não devem se transformar em despesas permanentes

João Sorima Neto | O Globo

SÃO PAULO – A inclusão de diversas categorias no projeto de beneficiários do auxílio emergencial de R$ 600 mensais a serem pagos pelo governo federal por três meses para minimizar os efeitos econômicos da pandemia do coronavírus, pode ser o primeiro passo para a criação de um projeto permanente de renda básica no país, segundo especialistas.

— Essas iniciativas, como a que está sendo implementada no Brasil, vão pautar esse debate, que deve ganhar força para que esse tipo de medida ganhe caráter permanente e seja o mais universal possível — avalia Leandro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica.

Num programa mais permanente de renda mínima, o pagamento do auxílio começa mais focado, voltado para os mais vulneráveis, pondera o especialista. A partir daí, mais pessoas vão sendo agregadas.

Para Ferreira, a criação de mecanismos de pagamento e do cadastramento de mais pessoas, vão fazer com que mais e mais gente cobre do Estado esse direito.

Ferreira afirma ainda que a expectativa era que o Bolsa Família, que atinge pessoas com renda mensal inferior a R$ 89, na primeira faixa, e de R$ 178 na segunda, se transformasse num programa mais amplo. Hoje, o programa auxilia 13 milhões de famílias, cerca de 40,8 milhões de pessoas, e custa R$ 29 bilhões ao ano aos cofres públicos.

— Já chegou a atender 14 milhões de famílias, mas agora deve crescer. Esses programas de transferência de renda vão se aperfeiçoando e crescendo, e virando uma renda básica — disse Ferreira.

O que a mídia pensa - Editoriais

Procura-se estadista – Editorial | Folha de S. Paulo

Em meio à crise da geração, Bolsonaro do discurso ponderado foi exceção fugaz

Por breves sete minutos e quatro segundos, na noite de terça-feira (31), o Brasil parecia ver o esboço de um presidente capaz de conduzi-lo em meio à imensa crise sanitária e econômica por que passa.

Foi essa a duração do discurso de Jair Bolsonaro em rede nacional, o nono de sua gestão e quarto desde o início da pandemia do coronavírus. Nele, foi ponderado, razoável e objetivo, adjetivos não comumente associados ao mandatário, a suas falas ou ações.

Chamou a atenção não só pelo que disse, mas pelo que deixou de dizer. Não houve espaço para as sandices de outrora, como classificar de gripezinha ou resfriadinho uma doença do impacto e da magnitude da Covid-19.

Não houve, igualmente, menção positiva à data em que o discurso era proferido, os 56 anos do golpe militar de 1964, que deu início a duas décadas de uma ditadura vil, em que milhares foram presos e torturados, e centenas, assassinados.

Nem mesmo a imprensa, alvo recorrente de ataques, foi lembrada.

No lugar, um irreconhecível Bolsonaro disse estarmos “diante do maior desafio de nossa geração” e acenou aos outros Poderes e aos governadores, com os quais vinha se atritando, ao exortar o país a buscar “grande pacto de preservação da vida e dos empregos”.

Mesmo ao falar de polêmicas recentes, como as recomendações da Organização Mundial da Saúde e a droga hidroxicloroquina, foi equilibrado. Quanto ao primeiro caso, à diferença do que fizera ao longo do dia, não distorceu o que disse o diretor-executivo da entidade, mas selecionou trechos em apoio de seu argumento: pensar igualmente em salvar vidas e empregos.

Poesia - Fernando Pessoa - Os antigos

Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam —
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. —
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido "Ah!" para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto —
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo...
Nenhum eco para mim...
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
E uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo
Lá no fundo...
No silêncio e na luz falsa do fundo...
Que Musa! ...