sexta-feira, 8 de maio de 2020

Opinião do dia – Roberto Freire*

Guedes e Bolsonaro organizaram uma marcha da estupidez e da morte em direção ao STF, com um séquito de empresários, para coagir a Corte, colocar a crise no colo dos ministros e terceirizar suas responsabilidades. No caminho, pisaram nos 8,5 mil mortos que a Covid-19 já deixou.

O governo entrou no modo encenação. Só existe na forma. Finge preocupação, finge que a economia importa, finge liberar o auxílio emergencial, finge o socorro às empresas. Só não finge o desprezo pela vida e pelos mais pobres. Nisso, são autênticos.

O preço da politicagem rastaquera do ministro e do presidente poderá ser medido em mortes e perda de empregos. Como lembrou o líder Arnaldo Jardim, o dinheiro não está chegando aos micro e pequenos empresários.

O Brasil já tem o 3º maior aumento de casos diários do mundo. É o 6º país em mortes. Faltam leitos e profissionais de saúde. Para a política, a ciência indica que é hora de medidas duras, até mesmo o lock down. Mas o país não tem presidente nem ministro da Saúde. Bolsonaro e Teich são duas nulidades

Roberto Freire é presidente do partido Cidadania23,

Merval Pereira - A marcha da insensatez

- O Globo

Bolsonaro não pode aumentar pressão para fim do isolamento no momento em que o país entra na hora mais crítica da epidemia

A marcha do presidente Bolsonaro, seu ministro da Economia Paulo Guedes, deputados e um grupo de industriais sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) é uma típica ação política de pressão, e ao negar esse intuito o chefe do Gabinete Civil General Braga Neto demonstra que não entende nada do assunto, ou, ao contrário, já deixou de ser um técnico apolítico para se transformar em um político seguidor do presidente.

Comparável a isso apenas na forma, não na gravidade institucional, só a marcha que o então governador Antonio Carlos Magalhães fez sobre o Palácio do Planalto, acompanhado de bancada baiana na Câmara e no Senado, para protestar contra a intervenção no Banco Econômico no governo de Fernando Henrique Cardoso.

O presidente Jair Bolsonaro não pode aumentar a pressão para o fim do isolamento justamente no momento em que o país entra na hora mais crítica da epidemia da Covid-19. Uma pressão indevida em cima do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, que foi constrangido a recebê-lo e sua trupe sem audiência marcada e, inacreditável, transmitindo a reunião ao vivo em suas redes sociais.

Seus companheiros de toga ficaram irritados, evidentemente, com o ultrajante avanço do chefe do Executivo sobre um outro poder, e gostariam que Toffoli tivesse recebido apenas o presidente, deixando a comitiva na sala de estar. Evidentemente, não foi uma visita de cortesia, como disse Paulo Guedes, mas sim uma pressão para impedir que Estados façam lockdown e apertem as barreiras para evitar o aumento do caso de mortes pela Covid-19, que já está chegando a limites dramáticos.

Míriam Leitão - Despropósito constrangedor

- O Globo

Dentro do STF, a interpretação é que a constrangedora reunião imposta pelo presidente ontem foi uma forma de jogar para a Justiça a culpa pela crise

Seria só insólita se não fosse uma absurda pressão de um poder sobre o outro. A marcha para o Supremo foi uma total quebra de protocolo da relação entre os poderes. E tudo aconteceu num rompante. O presidente decidiu no meio da conversa com empresários, o advogado-geral da União, José Levi, ligou para o presidente do STF dizendo que o presidente queria ir para lá com empresários e alguns ministros. E saíram andando pela Praça dos Três Poderes. Os ministros do Supremo entenderam o gesto como uma tentativa do presidente de responsabilizar a Justiça pela crise.

Alguns ministros que acompanharam Bolsonaro admitiram depois que ficaram constrangidos com a cena da qual tiveram que participar. No Supremo, outros ministros discordaram da reunião. O próprio Dias Toffoli não tinha como recusar. A grande questão é o que Bolsonaro queria com o gesto?

– Há várias leituras possíveis. Pode-se entender que ele quis dizer para os empresários que é o Supremo, a Justiça, que não está deixando a retomada da economia em razão de suas decisões. Na verdade, eu acho que é insegurança. O governo não sabe o que fazer e quer passar a batata para o outro lado da praça. Mas sem protocolo, sem coordenação, sem planejamento e sem segurança sanitária coordenada nacionalmente, não é um juiz que vai decidir isso – resume um dos ministros do STF.

A descabida e frustrada pressão sobre o Supremo – Editorial | O Globo

Caminhada de Bolsonaro com empresários e ministros ao STF expõe equívocos do presidente

Bolsonaro tem se superado em testar e ultrapassar limites legais do seu cargo. Participa de manifestações antidemocráticas, prega a submissão de outros poderes à sua vontade, procura intervir na Polícia Federal. Mas ontem foi mais à frente ao forçar a porta do gabinete do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, para uma audiência não marcada, à frente de um grupo de industriais, depois de teatral caminhada desde o Palácio do Planalto até o outro lado da Praça dos Três Poderes.

O presidente tirou do seu repertório mais uma modalidade de quebra de decoro, de desrespeito a protocolos e de deselegância. Agora com Dias Toffoli, que, dos magistrados da Corte, pelo seu posto, é o que tem procurado algum diálogo com o presidente da República, certamente na tentativa de abrir um canal que possa ser usado em algum momento, para evitar uma crise deflagrada por um desses comportamentos fora de qualquer esquadro de Bolsonaro. Pelo visto, Toffoli se esforça em vão.

Quais as intenções de Jair Bolsonaro? Do ponto de vista institucional, nenhuma. Se os empresários foram ao presidente compartilhar preocupações com o isolamento social e a perspectiva de lockdowns no Rio e em São Paulo, justificados pela aceleração da epidemia, com mais mortes e infectados, encontraram no presidente apenas um apoiador, o que não é novidade, mas deveriam esperar algum aceno de novas medidas para compensar a queda de faturamento.

Flávia Oliveira - O significado do ‘nós por nós’

- O Globo

Organizações da sociedade civil emergiram em diagnóstico, formulação, mobilização

Quando a História deste terrível 2020 for contada, o movimento social terá capítulo de honra. Criminalizadas, desprezadas, desqualificadas, apartadas do debate oficial sobre políticas públicas, foram as organizações da sociedade civil que, desde a primeira hora do primeiro dia da crise, emergiram em diagnóstico, formulação, mobilização e distribuição de ajuda a pessoas, famílias e territórios lançados subitamente na vulnerabilidade. ONGs estruturadas e grupos recém-formados exibem musculatura tão surpreendente quanto bem-vinda em ações, quase sempre sem colaboração do poder público, para reduzir os danos de uma crise que espalha doença, mortes, desemprego e miséria. É a materialização do “nós por nós”, lema de um povo que, historicamente excluído, sempre contou consigo mesmo.

Quando a Organização Mundial da Saúde (OMS), em março, atrelou o combate ao coronavírus a hábitos rigorosos de higiene, via água corrente, sabão e álcool gel, midiativistas de favelas e periferias começaram a filmar torneiras secas Brasil afora para denunciar a precariedade da distribuição. No país todo, informou o IBGE anteontem, um em cada dez domicílios (11,5%) não tem abastecimento diário de água; no Acre, o fornecimento precário alcança dois terços (63,5%) dos lares. No Estado do Rio, a proporção é de 10,7%. A mobilização da sociedade civil arrancou da Cedae, distribuidora fluminense, o compromisso de reforçar com caminhões pipa a oferta de água nas comunidades.

Nelson Motta - Velhos generais

- O Globo

Figueiredo pareceria um estadista educado ao lado de Bolsonaro

O bagulho está louco. Às vezes parece que a tática bolsonarista é tornar a vida no Brasil tão insuportável que dê saudades da ditadura militar. Mas sem ele. Não dá para compará-lo a Castello Branco ou Ernesto Geisel, que o chamou de “mau militar”, e até Figueiredo, que foi sempre o primeiro da classe nos cursos do Exército, e pareceria um estadista educado ao lado de Bolsonaro. Costa e Silva, que também foi sempre o primeiro da classe, tinha algumas dificuldades de expressão, mas seria um erudito diante do Jair.

O Exército respeitava a meritocracia, o preparo individual, a carreira, embora isso não garantisse um bom governo. Pelo menos na ditadura os filhos dos generais-presidentes não se metiam em política e não mandavam nada. Nesse tempo torturavam e matavam fisicamente, agora assassinam reputações e disseminam fake news com exércitos de robôs. A paranoia comunista volta aos tempos da Guerra Fria. Nenhum ministro da Educação da ditadura foi pior e mais ignorante do que Abraham Weintraub.

Nenhum general-presidente condecorou milicianos ou tentou emplacar um filho sem qualificações para a embaixada em Washington. A censura de financiamentos públicos para filmes e peças,“em defesa da família”, é mais radical que na ditadura.

Bernardo Mello Franco - O pior papel de Regina Duarte

- O Globo

Fritada por Bolsonaro, Regina Duarte afaga o chefe, relativiza a tortura e mostra que está disposta a engolir novas humilhações para se manter no governo

Nos últimos dias, o país perdeu os talentos de Rubem Fonseca, Luiz Alfredo Garcia-Roza, Moraes Moreira, Flávio Migliaccio e Aldir Blanc. A cada morte, ouviu-se um silêncio ensurdecedor de Regina Duarte. Com medo de irritar o chefe, a secretária da Cultura não emitiu uma única nota de pesar. “Eu imaginei assim: será que eu vou ter que virar um obituário?”, ela disse ontem, numa desastrosa entrevista à CNN Brasil.

Depois de um longo sumiço, Regina protagonizou um espetáculo de insensibilidade e constrangimento. A atriz fingiu não saber que está sendo fritada pelo presidente Jair Bolsonaro. “Tava um clima super bom. Ele tava superanimado”, desconversou, sobre a reunião em que ouviu cobranças e quase foi demitida.

Numa aparente tentativa de amaciar o capitão, a secretária cantarolou a marchinha “Pra frente, Brasil”, associada à Copa de 70 e ao ufanismo do governo Medici. “Não era bom quando a gente cantava isso?”, suspirou. O repórter Daniel Adjuto precisou lembrá-la que a ditadura matou centenas de brasileiros.

Guilherme Amado - O ódio como método

- Revista Época

Podia-se pensar que uma ameaça autoritária não chegaria aonde chegou, mas agora vê-se que ela continuava ali, submersa

A escalada do autoritarismo de Bolsonaro tem sido num ritmo tal que pode fazer parecer, ao menos aos que acreditaram numa equivalência nesse quesito entre ele e o PT, que tudo isso é novo. O ódio sempre foi método para Bolsonaro. Foi por meio dele que se destacou na multidão, indo a programas de TV popularescos. Foi por meio do ódio que conseguiu se diferenciar de Ciro, Alckmin, Amoêdo, Marina e de outros que batiam em Lula, mas não tanto quanto ele, não da maneira como fazia, de forma que transmitisse a quem estava exaurido, espumando como ele, que só Bolsonaro poderia derrotar Fernando Haddad. Tem sido por meio do ódio que o presidente tem trazido o país até aqui. 

Nos 16 meses de governo, não houve uma semana em que o presidente não expressou sua raiva. Um adversário, uma minoria, um antigo aliado, um artista, um jornalista. Odiar é sua profissão de fé. E isso não brota do nada, como se em geração espontânea. O ódio é cultivado. Bolsonaro é consequência de um ódio coletivo, ruminado nos anos do petismo e de seus erros atrozes que fizeram aumentar a ira dos que sempre rejeitaram a esquerda e despertar, entre os que apoiaram Lula, o rancor por terem sido enganados. Mas o presidente também é causa. Ao perceber que algum tema pode dividir mais o país, atiçar o fígado de seus apoiadores, pinça-o e, com sua tropa digital, mobiliza parte do país em torno daquilo — da cloroquina ao golden shower.

Monica de Bolle* - Por que precisamos de bancos?

- Revista Época

O sistema bancário brasileiro já é muito concentrado. Na ausência de um Banco Central atuante em meio a uma crise de magnitude inédita, o risco de concentração aumenta brutalmente

Bancos. Todo mundo tem uma opinião formada sobre os bancos. Geralmente, essa opinião não é das melhores. “Os bancos têm lucros excessivos e não deveriam receber dinheiro do Banco Central.” “Os bancos esfolam as pessoas; por que estamos dando dinheiro para eles?” Muitos bancos têm, sim, lucros excessivos. Muitos bancos praticam, sim, spreads bancários elevados, ou seja, trabalham com uma diferença grande entre a taxa sobre o passivo (depósitos) e os ativos (empréstimos). Essas são distorções existentes no mercado bancário brasileiro, que sofre de elevado grau de concentração. Contudo, elas não justificam afirmar que o Banco Central não deve exercer seu papel de garantidor da estabilidade financeira, sobretudo em momento de crise sem precedentes, como o atual.

Dia desses resolvi dar, em meu canal do YouTube, uma explicação técnica sobre o papel dos bancos. O tema é árido e não há como torná-lo sedutor, aprazível, palatável, ainda que possa dar gosto entendê-lo. É verdade que, ao contrário do papel, o vídeo permite usar recursos visuais para tornar o tema mais atraente. Por exemplo, é possível recorrer a desenhos, em meu caso manuais, para explicar um conteúdo teórico denso. Mas tentarei descrever o cerne do argumento teórico aqui.

Ricardo Noblat - Segue a marcha de Bolsonaro para submeter os demais Poderes

- Blog do Noblat | Veja

Só não enxerga quem não quer

Não é preciso ter sangue frio para saber lidar com um presidente da República que chega de repente, quase sem avisar, ao prédio do Supremo Tribunal Federal acompanhado de uma comitiva não prevista de ministros de Estado e empresários. Basta ter coragem e a exata noção da dignidade do cargo que ocupa.

O primeiro amigo de Bolsonaro foi feito de bobo outra vez. O ex-capitão afastado do Exército por indisciplina e falta de ética usou como fralda a toga do ministro Dias Toffoli, duas vezes reprovado no passado em concurso para juiz. Acabou indicado para o tribunal por ter servido bem ao governo de Lula. É a República dos medíocres!

A expressão “primeiro amigo de Bolsonaro” é usada por colegas de Toffoli quando querem criticá-lo. É quase unânime entre eles a opinião de que Toffoli se comporta como um aliado do presidente da República desde o início do seu governo. Encantou-se com a missão a que se propôs: apaziguar as relações entre os Poderes.

É tudo o que não interessa a Bolsonaro. Ele é um fabricante de crises. Não consegue viver sem uma. E, no momento, está à procura de um sócio para segurar na alça dos caixões enterrados todos os dias com vítimas do coronavírus. Toffoli seria o sócio ideal pela posição que ocupa e pelo medo atávico que tem dos que usam farda.

A Praça dos Três Poderes já assistiu à marcha de políticos, encabeçada, à época, pelo presidente do Senado Antônio Carlos Magalhães em direção ao Palácio do Planalto para protestar contra a intervenção em um banco. Foi no governo de Fernando Henrique Cardoso. O episódio deu em nada. Serviu só para fazer barulho.

Dora Kramer - Falso positivo

- Revista Veja

Jair Bolsonaro testou negativo para o exercício da Presidência

Os testes a que o presidente constantemente submete a República não têm apresentado bons resultados para ele. Jair Bolsonaro vem sendo reprovado numa prova atrás da outra. Obtém notas baixíssimas em matéria de relações institucionais, respeitabilidade, credibilidade, confiabilidade, civilidade e demais quesitos que atinge com suas afrontas, resultando em danos irreparáveis definidores de seu destino.

Para usar expressão da circunstância atual, Bolsonaro testou negativo para o exercício da Presidência da República. Quis o bom senso que repetidas derrotas mostrassem o diagnóstico de falso positivo na expectativa de alguns temerosos, e outros tantos esperançosos, de que a passagem dele pelo cargo levaria o país às trevas do retrocesso.

Do fracasso da chamada pauta conservadora, no começo do governo, à recente condição de alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal, passando pela perda de mais de 20 pontos no porcentual de apoio do eleitorado original, só acumulou passivos sem ganhar nenhum ativo consistente. Concretamente, seus desafios aos limites têm sido limitados pela indisposição das Armadas em fazer uso da força, pelas balizas da Constituição nas mãos do STF, por um frágil respaldo no Congresso e pela carência de sustentação em maioria popular.

Bruno Boghossian – A marcha dos CNPJs

- Folha de S. Paulo

Enquanto CPFs morrem, Bolsonaro serve cafezinho para os CNPJs

Pelo segundo dia seguido, o ministro da Saúde disse que o governo deve recomendar medidas mais rigorosas de isolamento contra o coronavírus em algumas cidades. Nelson Teich afirmou na Câmara que o chamado “lockdown” pode ser implantado para “segurar o número de casos novos” de contaminação.

O doutor está na contramão do chefe. Após receber empresários e fazer um comício no STF contra o distanciamento, Jair Bolsonaro alegou que as restrições são inúteis. “Essa questão de ‘fique em casa’ não está funcionando. Está servindo para matar o comércio”, diagnosticou.

O presidente trocou o ministro responsável pelo combate à pandemia porque Henrique Mandetta não dizia o que ele queria ouvir. Teich assumiu com um discurso errático e completou 20 dias no cargo sem nenhuma ideia de como enfrentar a crise, mas nem ele conseguiu maquiar a realidade para agradar ao patrão.

Bolsonaro insiste numa retomada imediata e milagrosa da economia, embora ninguém no governo seja capaz de apresentar um plano para que isso seja feito de forma segura. Seu propósito é puramente político: uma tentativa de manter a tensão com governadores e se proteger dos danos provocados pela recessão.

Ruy Castro* - A seguir, os omissos e hidrófobos

- Folha de S. Paulo

A qualquer momento, o vírus mostrará que não conhece ideologia

Nós, os amigos de Aldir Blanc, não pudemos nos despedir dele. Quando soubemos que fora para o Miguel Couto, Aldir já estava fora do nosso alcance, como acontece com as vítimas da Covid-19. E, quando o transferiram para a UTI e depois para o Pedro Ernesto, nem mais sua família pôde vê-lo. Ninguém, exceto a equipe médica, foi testemunha da luta que, inconsciente, seu corpo travou contra a morte durante 20 dias. Ninguém, exceto os íntimos, pôde levá-lo ao reduto final, e nem mesmo a eles foi concedido um beijo ou olhar de despedida.

Esse quadro de internações repentinas e despedidas prematuras está se repetindo em todo o país, milhares de vezes por dia. Os números já são massacrantes por si, mas insuficientes para descrever o sofrimento de cada cônjuge, pai, filho ou família. Um dia, muitas dessas histórias individuais serão contadas e só então saberemos o alcance de cada uma. Isto se antes não formos, nós mesmos, testemunhas de casos próximos ou seus protagonistas.

Reinaldo Azevedo - A blitz consentida dos insensatos

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro tentou jogar no colo do STF a culpa pela crise econômica do coronavírus

O que o presidente Jair Bolsonaro e empresários foram fazer no STF? Tentar jogar no colo do tribunal a responsabilidade pela crise econômica provocada pelo coronavírus. Tese de fundo, vocalizada por Paulo Guedes: é o distanciamento social a origem dos males.

A marcha dos insensatos ocorre no momento em que a curva de mortos dá um pinote e em que capitais se veem obrigadas a impor o “lockdown” para tentar ao menos ordenar o caos. Mas por que ir ao Supremo, não ao Congresso? Porque saiu da corte a leitura evidente do texto constitucional: o presidente não pode impor disciplina na base do decreto. E ele exige ser o Napoleão de hospício do coronavírus.

Não se viu nada parecido em nenhuma democracia. A receita que Bolsonaro e Guedes levaram a Dias Toffoli é também inédita. O capitalismo mundial vive a maior crise de sua história porque não seguiu a opinião do nosso ministro da Economia.

Que coisa! O discurso homicida do presidente, do ministro e da patota de mascarados reúne mais adeptos, especialmente entre as elites, do que nosso senso de decência gosta de admitir. Há no ar miasmas de uma República de Salò (pesquisem) continental, não a de Mussolini, mas a revisitada em filme por Pasolini. Assiste-se a uma assombrosa banalização da morte, mormente agora que o vírus chegou a pobres e pretos.

Não é por acaso que mais da metade dos brasileiros, segundo estudo, pode ter de se pendurar no auxílio oficial. Essa condição miserável não foi fabricada pelo distanciamento social. Já existia antes do vírus. A utopia de Guedes já é uma realidade! O ministro não é melhor que Bolsonaro. A perversidade social do presidente é inata, espontânea. A de Guedes é cultivada, fruto da reflexão.

Rodrigo Zeidan* - Visita é nova rodada na briga do contraliberalismo contra democracia

- Folha de S. Paulo

É possível que venhamos a ter conflito aberto entre Executivo e Judiciário

Até onde é possível ir? Em mais um teste para as instituições democráticas brasileiras, o presidente da República se dirigiu para o prédio do Supremo Tribunal Federal, sem agendamento prévio, para pressionar o Judiciário a tomar medidas de acordo com os interesses presidenciais.

É mais uma rodada na batalha do Executivo contra os outros Poderes, que inclui, só nos últimos dias, as recusas do governo em entregar os resultados do exame do presidente para o coronavírus e o vídeo de uma reunião entre o chefe do Executivo e seus ministros, incluindo o ex-ministro Sergio Moro (Justiça).

Outros ministros do Supremo chamaram a visita de inadequada. É muito mais do que isso. É uma nova rodada na briga do contraliberalismo contra as instituições democráticas.

Nesse tipo de batalha, os autocratas têm levado a melhor. No dia 25 de março, Rodrigo Duterte conseguiu poderes especiais para liderar a resposta das Filipinas à pandemia global do coronavírus. Cinco dias depois, Viktor Orbán colocou a democracia húngara em quarentena, ao obter, através da sua maioria no Congresso, poderes especiais sem datas para acabar.

Vinicius Torres Freire - País vê bestificado a passeata da morte

- Folha de S. Paulo

Não há reação às campanhas presidenciais de ruína sanitária, econômica e política

Depois de alguns dias mais dedicado ao golpeamento da democracia e à contenção do surto da ideia de impeachment, Jair Bolsonaro voltou a se empenhar no desgoverno da saúde, da epidemia, e na sabotagem de quem tenta administrar a crise mortífera. Fez uma passeata da morte na praça dos Três Poderes, nesta quinta-feira (7).

Não importa que maioria qualificada da população diga apoiar ou praticar o isolamento (cerca de dois terços, pelo menos). Quase dois meses e meio depois do início oficial da epidemia no Brasil, não há mais esperança de acordo ou coordenação nacionais do enfrentamento da crise.

Mesmo nesta síndrome aguda de degradação institucional, mortes sem fim à vista, ruína econômica e ameaça autoritária, não há protesto organizado. A elite econômica que não é cúmplice contemporiza. Parte do Congresso barganha 30 moedas de cargos pelo corpo e pela alma do país.

O "parlamentarismo branco", a alternativa de governo que vigorou por um ano, entre o começo de 2019 e a chegada do vírus, se desfaz na contraofensiva de Bolsonaro contra a limitação dos seus poderes e as ameaças de impeachment. A articulação nacional de governadores a fim de administrar a epidemia ou sugerir medidas econômica vai de precária e nula (no caso da doença) a desordenada, mal pensada ou mesmo oportunista (no caso da economia).

César Felício* A fatura a ser paga

- Valor Econômico

Construção de base não combina com apoio a Guedes

Em que pese o propósito golpista claro de uma militância de corte neofascista que apoia Bolsonaro, o presidente, no presente momento - que não fornece garantia alguma de se converter em tendência sustentada para o futuro - está mais próximo de Michel Temer do que de Mussolini.

A aliança entre Bolsonaro e o Centrão é altamente conveniente para ambos. O apoio do que outrora se convencionou chamar de baixo clero pode garantir ao governo algum grau de efetividade para aprovar matérias no Congresso, afasta a imagem de governo disfuncional. Constrói uma base mínima para justificar sua existência.

A sensação de ingovernabilidade é, ao lado da impopularidade, da falta de perspectivas econômicas, da existência de um projeto de poder alternativo e da descoberta de um crime de responsabilidade, uma das condições necessárias para que se desencadeie um processo de impeachment. O presidente parece raciocinar que o quadro é mais favorável a um processo de impeachment do que à concretização de um autogolpe que lhe confira poderes ditatoriais. Entre a tutela e a ruptura, flerta com a tutela.

O Centrão foi uma salvaguarda poderosa para Temer concluir o mandato, e pode ser assim com Bolsonaro. Há muito sentido em se pensar assim. “Existe uma confluência de interesses. Bolsonaro quer blindar o próprio mandato e garantir o dos filhos, o senador Flávio e o deputado federal Eduardo. O Centrão quer garantir o caráter impositivo das emendas, o fundo partidário e eleitoral e participar do bilionário Orçamento de Guerra”, comenta um veterano observador da cena política de Brasília, o cientista político Antonio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.

Claudia Safatle - Como será o amanhã?

- Valor Econômico

Temor da equipe econômica é que o resultado das ações emergenciais do Executivo desemboque em maior participação do Estado na economia

Há uma forte inquietação na área econômica do governo em busca de um horizonte de definições para o pós-pandemia da covid-19. O temor é que o resultado das ações emergenciais do Executivo desemboque em uma maior participação do Estado na economia, exatamente o contrário da proposta que venceu as eleições de 2018, de redução do papel do Estado na atividade econômica, sintetizada no slogan “Mais Brasil, menos Brasília”, adotado como lema pelo ministro Paulo Guedes, da Economia.

Uma das medidas temporárias que podem se tornar permanentes, na avaliação de técnicos oficiais, é a do auxílio emergencial de R$ 600 para os trabalhadores informais. Concebida para durar apenas três meses, será muito difícil extingui-la sem colocar nada no lugar, segundo essa visão. Trata-se de um benefício que tem tudo para se transformar em um amplo programa de renda mínima, em detrimento de gastos indiretos em projetos sociais.

O problema é o tamanho dessa despesa: o seu custo final caminha para a casa dos R$ 150 bilhões, envolvendo uma parcela gigantesca da população - mais de 79 milhões de brasileiros, segundo prognósticos da Instituição Fiscal Independente (IFI). São os trabalhadores informais, autônomos, microempreendedores individuais (MEI).

Mesmo diante de resistências iniciais, o governo sabe que não será simples suspender a ajuda a essa parcela da população até então invisível.

Um programa estratégico de saída da pandemia, em que o Estado não ampliaria a sua presença na economia, deve aprofundar a agenda liberal, na ótica da equipe econômica. Mas é importante notar que essa alternativa tem pouca aderência às demandas que a elite política propaga em nome do povo.

Armando Castelar Pinheiro* - Em busca de uma narrativa

- Valor Econômico

Precisamos começar logo a planejar o pós crise e, quem sabe, aproveitar as oportunidades que esta abrirá

Dói ver a bagunça de nossa reação à covid-19. Ela chegou aqui depois de a outros países, nos dando tempo de nos prepararmos. Mas, em vez disso, vimos o presidente, líder político de parte da população, defender atitudes favoráveis ao contágio e contrárias aos controles que governadores tentam instituir. Imagina a confusão na mente das pessoas, já apavoradas pela perda de renda e trabalho.

O resultado será uma dinâmica mais desfavorável da epidemia. Enquanto a coisa melhora em muitos países, no Brasil batemos novos recordes a cada dia. A rede hospitalar não dará conta da demanda e os médicos terão de escolher quem salvar, uma situação terrível e desnecessária. Teremos muitas mortes evitáveis.

O mais paradoxal, porém, é que essa bagunça prejudicará ainda mais a economia, justo o que os contrários à quarentena e ao distanciamento social estariam querendo evitar. Em vez de uma curta e forte paralisação, seguida de uma gradual reabertura dos negócios, teremos uma paralisação parcial por um longo período, com muita gente evitando sair de casa. A economia continuará deprimida e o desemprego elevado, afetando a saúde do sistema financeiro, comprimindo as receitas tributárias e elevando a pressão por mais gastos públicos.

É um cenário assustador, não só por si, mas pelo que trará para o futuro do Brasil. Já entramos na crise com baixa coesão social, o que ajuda a ter bagunça. Sairemos dela ainda menos coesos, uns culpando os outros. Isso trará mais incerteza política e mais dificuldade para recuperar a economia.

Por isso precisamos começar logo a planejar o pós crise. E, quem sabe, aproveitar as oportunidades que esta abrirá. Eu penso que isso passa por construir uma narrativa que, ao contrário do que vimos nos últimos 10 anos, una os brasileiros em torno de um objetivo comum, tirando-nos do “nós contra eles”.

José de Souza Martins* - Nacionalismo bate à porta

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Há um precioso capital social na cultura obreira do campo e da cidade e na universidade pública brasileira, dotada de competência e de condições de reinventar o capitalismo

A grande dúvida deste momento, no mundo inteiro, é sobre qual será o sistema econômico que substituirá a economia que está sendo destruída pela pandemia. Não só por ela, mas também, e sobretudo, pelas irracionalidades do lucro sem limite nem cálculo social que, no último meio século, arruinou a vida de milhões de pessoas em todo o planeta, desenraizou multidões e as expôs a dolorosas vulnerabilidades, cujas maiores chagas são as destes dias.

Esse vírus não é o causador único e decisivo do drama que estamos vivendo. Ele é, sobretudo, o agente oportunista que encontrou o meio propício de sociedades despreparadas e imprevidentes que fizeram a opção preferencial pelo meramente lucrativo, sem responsabilidade social. No Brasil, milhares de pessoas estão desprovidas de meios para enfrentar períodos de adversidades, como este.

Nos anos 1940 e até o início dos anos 1960, na roça e na cidade, as famílias de trabalhadores ainda tinham modos de vida que as protegiam das incertezas da economia dominante e oficial e outras incertezas mais, que as havia. As famílias eram capazes de ajustamentos rápidos a situações de incerteza, como foi a do período da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Muita improvisação baseada na cultura popular atenuou as carências e os constrangimentos cotidianos.

Quando houve o golpe de Estado de 1º de abril de 1964, uma das primeiras providências do governo militar, com o envolvimento da Fiesp, foi a de criar o Grupo Permanente de Mobilização Industrial. As indústrias organizaram-se para, em curto tempo, numa eventual situação de conflito, converterem suas linhas de produção em linhas de produção de material bélico.

Fernando Abrucio - Brasil dança na corda bamba de sombrinha

- Valor Econômico/Eu & Fim de Semana

Nossos filhos e netos não merecem que o destino do país seja entregue a um chavismo de extrema direita

Desde que acabou o regime militar, nunca o Brasil esteve tão perto da quebra democrática como na presidência de Jair Bolsonaro. Mesmo assim, um golpe de Estado tem menos chances de acontecer do que a manutenção da democracia. As instituições democráticas são mais fortes do que em 1964, a maior parte da sociedade (2/3 dela, pelo menos) não quer repassar um poder autocrático ao bolsonarismo e o país terá enormes dificuldades no plano internacional se adotar essa via. Entretanto, o golpismo não pode ser descartado. Afinal, o presidente tem estimulado atos autoritários e as reações têm sido mais tímidas do que deveriam ser.

Parafraseando o saudoso Aldir Blanc, morto pela covid-19 nesta semana, o Brasil dança na corda bamba de sombrinha e em cada passo dessa linha pode se machucar. Embora menor que na década de 1960, há um risco de quebra democrática que parece cada vez mais aterrorizante após as manifestações realizadas aos domingos em frente ao Palácio do Planalto, as chamadas “coronafest”, com pessoas louvando o autoritarismo e ignorando a pandemia. Qualquer leitura de todo o mandato até agora constataria que Bolsonaro e seus seguidores não vão diminuir o ímpeto radical. Quem apostou no contrário ficou no meio do caminho, como Bebianno ou o general Santos Cruz.

Como o perigo está batendo à nossa porta, é importante para o país construir um cenário em que o bolsonarismo chega de forma autoritária ao poder, comparando-o com o golpe de 1964. Para começar, Bolsonaro teria muito menos apoio social e teria de ser mais revolucionário, isto é, alterar mais profundamente as instituições e suas relações com a sociedade. A mídia, o grande empresariado nacional e internacional, parte da classe média mais escolarizada, os Estados Unidos e, sobretudo, a maioria dos políticos com mandato compunham os grupos que deram suporte à chegada de Castelo Branco à Presidência.

Deslealdade – Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro, que tanto diz prezar a lealdade, foi absolutamente desleal com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli. Praticamente sem aviso prévio, como fazem os que não tiveram educação em casa, Bolsonaro foi ao Supremo acompanhado de uma comitiva de empresários e assessores para cobrar do ministro Toffoli providências para levantar as medidas restritivas impostas nos Estados para enfrentar a pandemia de covid-19.

A deselegância da visita sem convite nem foi o pior aspecto desse episódio vergonhoso. Para começar, o presidente Bolsonaro providenciou uma equipe de filmagem para registrar o momento e transmitir as imagens em suas redes sociais, com o objetivo evidente de fazer do embaraçoso encontro um evento eleitoreiro.

Na encenação mequetrefe que protagonizou, e para a qual arrastou o chefe do Poder Judiciário, o presidente Bolsonaro pretendia afetar preocupação com a economia do País, duramente prejudicada pela pandemia. Na verdade, sua única preocupação, como sempre, era com a manutenção de seu capital eleitoral, que míngua à medida que a inédita crise avança.

No seu afã de parecer um herói do setor produtivo, demandou que as restrições acabem “o mais rápido possível”, para aliviar as “aflições” dos empresários, pois “a economia também é vida” – isso no dia em que o País ficou sabendo, por meio da Confederação Nacional de Saúde, que o sistema hospitalar privado de seis Estados já não tem mais UTIs disponíveis em razão do colapso do sistema público.

Carlos Melo* - Espetáculo constrangedor

- O Estado de S.Paulo

Foi desconcertante assistir a um embaraçado presidente do STF dizer a Bolsonaro, nas entrelinhas, que o presidente da República é ele, não Toffoli

Fenômeno mundial, a pandemia atinge e agrava a situação econômica em todos países. Estados Nacionais, no entanto, existem para antecipar e mitigar problemas do tipo. Sua ação é inevitável.

Naturalmente, empresários de todo o planeta defendem seus interesses e querem soluções rápidas. Mas, em poucos lugares se fez tanto pelo agravamento do quadro quanto no Brasil. Aqui, foi explícito o boicote contra a única forma de abreviar o drama: a política de distanciamento social. A história é sabida, por atos e palavras, o presidente da República piorou a situação com que dizia se incomodar. Foi desserviço à própria economia.

Nesta quinta-feira, Bolsonaro talvez imaginasse atravessar o Rubicão. Mas, o que lhes sobrou foi o ato cênico de uma extravagante marcha pela Praça dos Três Poderes. Triunfo de nada, mais que inútil foi constrangedor. Gesto de enfrentamento? Talvez fosse intenção, mas restará como história do dia em que um presidente da República espontaneamente submeteu seu Poder a outro, como se Dias Toffoli fosse o verdadeiro chefe de Estado.

Eliane Cantanhêde – A pé e na contramão

- O Estado de S.Paulo

Com transmissão ao vivo no STF, presidente do Executivo assumiu presidência do Judiciário

Quanto mais perdido na Presidência, mais Jair Bolsonaro parte para ataques e demonstrações de força, na tentativa de culpar as instituições e os governadores pelos próprios erros e dividir os ônus das múltiplas tragédias que assolam o Brasil. Os mortos vão chegando a 10 mil e os sistemas de saúde e funerário entram em colapso, mas a prioridade do presidente não são a doença e as mortes. “E daí?” A história vai lhe cobrar um alto preço.

Atravessar a Praça dos Três Poderes a pé, com empresários e ministros, para pressionar o Supremo no sentido oposto ao que defendem o ex e o atual ministros da Saúde, é mais um ato surpreendente. E o presidente do Executivo se comportou como presidente do Judiciário. Fez uma transmissão ao vivo lá de dentro e deixou o anfitrião (compulsório) como coadjuvante.

Várias vezes o ministro Dias Toffoli se dirigiu a ele ao tomar a palavra, mas Bolsonaro nem sequer virou o rosto para ouvi-lo e, com ar de enfado, olhou ostensivamente o relógio. Entrou na casa alheia, assumiu o comando e ainda demonstrou desconforto com o anfitrião. Bolsonaro sendo Bolsonaro. Ele não estava ali para ouvir, só para falar.

Ao dizer que “quase” houve uma crise institucional quando o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem na Polícia Federal, Bolsonaro deixou no ar uma dúvida, ou ameaça: ele é capaz de desacatar o Supremo, de desobedecer a uma decisão judicial? Essa ameaça contamina o ar, já contaminado pelo coronavírus.

Simon Schwartzman* - O impacto da pandemia no ensino superior

- O Estado de S.Paulo

O coronavírus abre uma oportunidade para repensar o sistema em mais profundidade

O fechamento das faculdades pôs o ensino superior, em todo o mundo, num dilema: fechar as portas ou tentar manter as atividades em modo virtual? A principal dificuldade de fechar é que não sabemos até quando nem como será a volta. O primeiro semestre já está perdido e provavelmente o segundo também. Dá para, de um dia para outro, passar tudo para o modo virtual? Quais serão as consequências? E o que isso pode significar, em médio e longo prazos?

Não dá para, simplesmente, colocar as aulas tradicionais na internet e achar que tudo vai continuar como antes. O ensino à distância de qualidade requer aulas bem preparadas, alunos que possam participar e sistemas de acompanhamento e avaliação de resultados diferentes dos tradicionais. Tecnologias para isso existem, mas poucas instituições brasileiras estão preparadas para usá-las. A grande maioria dos professores, sobretudo das instituições públicas, nunca aprendeu a fazer isso. O ensino privado, nos últimos anos, ampliou muito a educação à distância, num esforço de redução de custos, depois que o crédito educativo ficou mais difícil, e hoje cerca de metade de seus alunos está nesse regime.

Mas a proporção de estudantes que abandonam antes de terminar é grande e muitos questionam a qualidade da formação à distância, embora a da educação presencial também seja incerta. É provável que os estudantes mais jovens tenham mais facilidade de lidar com as novas tecnologias do que seus professores, mas muitos podem não ter equipamento adequando, acesso rápido à internet e lugar em casa para participar das aulas. Existe a preocupação de que, com a adoção do ensino à distância, a desigualdade no ensino superior se acentue.

Mundo celebra fim do conflito às vésperas de nova ordem

O mundo celebra hoje os 75 anos do fim da 2ª Guerra Mundial no continente europeu. Analistas comparam a discussão da nova ordem mundial pós-conflito com a situação que terá de ser enfrentada pelo países diante do atual colapso da economia global, informa

75 ANOS DO FIM DA 2ª GUERRA

Pandemia leva Europa a celebrar data com discrição e a traçar paralelos históricos

VIVIAN OSWALD Especial para O GLOBO

LONDRES - Enquanto ainda conta os mortos da pandemia do novo coronavírus, o mundo celebra hoje a portas fechadasos75anosdofimdaSegunda Guerra Mundial na Europa, com a rendição da Alemanha. Tradicionais paradas e desfiles em amplas avenidas do continente darão lugar a homenagens mais intimistas. Muitas delas on-line. Ironicamente, a geração que viveu e lutou o conflito mais sangrento do século passado é também a mais atingida pela Covid-19.

UMA NOVA ORDEM
Nos últimos quatro meses de crise sanitária, líderes europeus não economizaram em expressões tomadas de empréstimo da guerra. As comparações tornaram-se incontornáveis depois que metade da população do planeta foi submetida a uma dolorosa quarentena, enquanto assiste à morte dos seus e ao colapso da economia global. E, como também ocorreu após silenciarem as armas em 1945, entra em discussão uma nova ordem pós-coronavírus.

— Nosso mundo continua vivendo episódios que nos lembram das profundas perturbações de guerra do século XX. De repente, o interesse público exige a limitação do trabalho e do lazer. Governos determinam que cada um faça a sua parte. Estratégias de empresas, planos familiares e objetivos pessoais são transtornados. Cada cidadão tem que recalibrar ambição pessoal, vínculos familiares e necessidades da sociedade. Há mortes e perdas. Alguns fazem sacrifícios, enquanto outros são sacrificados — afirma o economista Mark Harrison, coautor do livro “Economics of the Second World War Seventy-Five Years on” (“Economia da Segunda Guerra Mundial: 75 anos depois”, em tradução livre), que acaba de lançar com Stephen Broadberry, professor de História da Economia da Universidade de Oxford.

Três quartos de século se passaram e a agenda do pós-guerra volta à pauta dos líderes internacionais. Fala-se em uma nova ordem mundial, que deve mudar a face da arquitetura institucional erguida nos pilares do consenso que sucedeu o conflito, em esforços coletivos de reconstrução e na prioridade à proteção do cidadão. Foi depois da Segunda Guerra — terminada oficialmente em 2 de setembro de 1945, após a rendição do Japão —que surgiram os organismos multilaterais internacionais, pacotes bilionários de estímulo ao crescimento e o Plano Marshall para a reconstrução dos países aliados na Europa, liderado pelos americanos.

Isso sem falar no nascimento no Estado de bem-estar social no Reino Unido, uma das grandes vitórias do país que perdeu o império na guerra, mas ganhou o NHS, o sistema nacional de saúde que inspirou o SUS no Brasil, e de que os britânicos se orgulham até hoje.

Poesia | Vinicius de Moraes -Poética

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.