domingo, 14 de junho de 2020

Opinião do dia – Gilmar Mendes*

Estamos sendo a toda hora testados. A sociedade começa a tomar consciência disso. Houve certa anestesia, mas as instituições têm demonstrado resiliência. Manifestações de rua são importantes no sentido de dizer que tem limite para tudo isso.


*Gilmar Mendes, ministro do STF

Merval Pereira - Fazer o que é certo

- O Globo

Temor do governo é que empresários bolsonaristas investigados sejam envolvidos na acusação de impulsionamento ilegal de WhatsApp durante a campanha presidencial

O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), encaminhará esta semana ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) os dados das quebras dos sigilos e das comunicações dos investigados relacionados com a campanha eleitoral de 2018.

A maior parte do material colhido anteriormente, neste ano de investigação, não tem a ver propriamente com a eleição presidencial, e já foi encaminhada à primeira instância. Empresários que sofreram busca e apreensão em suas residências e escritórios, o mais notório sendo Luciano Hang, são investigados pelo financiamento do chamado “gabinete do ódio”, que veicula, fake news através de uma ampla atividade nas redes sociais, e podem estar envolvidos também nos impulsionamentos ilegais de noticias pelo WhatsApp durante a campanha eleitoral, o que provaria o abuso do poder econômico a favor da chapa Bolsonaro-Mourão.

A alusão a “julgamentos políticos” inaceitáveis pelas Forças Armadas na estranha nota oficial que o presidente Bolsonaro emitiu na sexta-feira à noite, co-assinada pelo vice-presidente General Hamilton Mourão e pelo ministro da Defesa General Fernando Azevedo, é seu ponto mais delicado politicamente, pois se refere ao julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) da chapa presidencial vitoriosa.

No mesmo dia mais cedo saíram a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Fux, que formalmente desclassifica a interpretação de que o artigo 142 da Constituição dá às Forças Armadas o papel de poder moderador entre os Poderes, e a decisão do relator do TSE, ministro Og Fernandes, de compartilhar com o Supremo as provas do inquérito relatado pelo ministro Alexandre de Moraes sobre as fake news.

Ricardo Noblat - Sem teto e sem palco para atentarem contra a democracia

- Blog do Noblat | Veja

Zona proibida

O governador Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, saiu do modo letargia e mandou a polícia desmontar três acampamentos de bolsonaristas radicais que ocupavam áreas da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Além de choro e de ranger de dentes, a reação dos desalojados limitou-se a um passeio desafiador sobre a cúpula do prédio do Congresso a título de ameaça de invasão, e disparo de fogos de artifício sobre o prédio do Supremo Tribunal Federal.

Então Ibaneis sentiu-se estimulado a decretar o fechamento da Esplanada neste domingo, proibindo manifestações de cunho antidemocrático. E num ato raro de coragem, disse: “Bolsonaro é presidente, mas quem governa o Distrito Federal sou eu”.

Cabe ao governo federal arcar com as despesas de saúde, educação e segurança pública do governo local. É por isso que nenhum governador ousa contrariar o presidente. Os dois acabam se entendendo e jogando juntos, ou mais ou menos.

Bernardo Mello Franco - A corda do bolsonarismo

- O Globo

As ameaças de golpe já imobilizaram o Congresso. Agora o bolsonarismo quer domesticar a Justiça, que tenta frear a escalada autoritária do governo

O general Luiz Eduardo Ramos já reclamou que a imprensa publica “muita notícia ruim”. Agora resolveu usá-la para ameaçar a democracia. Em entrevista à revista “Veja”, o ministro da Secretaria de Governo disse ser “ultrajante” pensar que os militares preparam um golpe. “Agora o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”, acrescentou.

Responsável pela barganha de cargos com o centrão, Ramos criticou o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. Em seguida, deu um tiro de advertência contra o Tribunal Superior Eleitoral. “Não é plausível achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente eleito com 57 milhões de votos”, sentenciou.

Para o jurista da caserna, os militares teriam poder de veto sobre decisões judiciais. É uma tese exótica, sem qualquer amparo na Constituição. O general apontou a garrucha para o TSE, que julgará se houve fraude nas eleições de 2018. A Corte poderia fazer tudo, menos cassar a chapa bolsonarista.

Para entender Ramos, é preciso saber quem ele situa no “outro lado”. O ministro não se refere à oposição, que não se une nem para redigir manifestos. Seus alvos são o Legislativo e o Judiciário, que podem esticar a corda da lei para frear a escalada autoritária.

A tática da intimidação já funcionou com o Congresso. O presidente comete crimes de responsabilidade todos os dias, mas o deputado Rodrigo Maia se recusa a tirar os pedidos de impeachment da gaveta. Resta ao bolsonarismo domesticar os tribunais, onde correm múltiplas frentes de investigação contra o clã Bolsonaro.

Eliane Cantanhêde - Esticando a corda

- O Estado de S.Paulo

Guerra assimétrica: um lado tem as leis e a Constituição, o outro tem armas

A nota conjunta do presidente Bolsonaro, do vice Mourão e do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, é uma clara ameaça e está em sintonia com o secretário de Governo da Presidência, general Luiz Eduardo Ramos, que disse à revista Veja que é “ultrajante” falar em golpe militar, para em seguida ressalvar: “Mas não estica a corda”. A frase ficou no ar. Faltou completar: senão...

O que significa “não esticar a corda”? Enquanto a resposta não é clara, soa como advertência a um menino levado, desobediente: “Ou você se comporta, ou vai ficar de castigo, levar uma palmada”. O que nos remete às ameaças de “ruptura” e de AI-5, já alardeados por ninguém menos que o filho do presidente da República, que orna a parede da sala de jantar com a imagem de uma metralhadora.

Nos remete também às “consequências imprevisíveis” citadas pelo general Augusto Heleno contra uma decisão do STF e encampadas pelo general Fernando – que é o primeiro militar a ocupar o Ministério da Defesa e desfilou num helicóptero com Bolsonaro para saudar manifestações contra o Supremo e o Congresso. Outros militares de alta patente prestigiaram atos assim, como o próprio Ramos, que é da ativa. Do alto da rampa do Planalto, mas ele estava lá.

Elio Gaspari - A desastrada canetada militar do capitão

- O Globo / Folha de S. Paulo

Como colocou um general no Ministério da Saúde, presidente deveria escolher um médico para aconselhá-lo em assuntos militares

Tendo colocado um general no Ministério da Saúde, Jair Bolsonaro deveria escolher um médico para aconselhá-lo em assuntos militares. Fazendo isso, evitaria lambanças como a que produziu assinando um decreto que permitia ao Exército operar com aeronaves de asa fixa. Assinou o decreto no dia 2 e revogou-o uma semana depois. No escurinho de Brasília e na confusão da pandemia, passava-se uma boiada que criaria a aviação do Exército.

A incorporação de aeronaves às forças de terra e de mar é uma velha encrenca doutrinária. Caxias usou balões fixos na Guerra do Paraguai, antes do voo do primeiro avião. O Exército teve uma aviação, e seu patrono é o tenente Ricardo Kirk , que em 1915 morreu ao cair em Caçador (SC), combatendo os revoltosos do Contestado.

A Força Aérea não gosta da ideia de aviões com a Marinha ou com o Exército. Em 1964. o marechal Castelo Branco teve que descascar o abacaxi da aviação embarcada que tripularia o navio aeródromo Minas Gerais. Nessa crise, um capitão da FAB metralhou o rotor de um helicóptero da Marinha que pousou na base gaúcha de Tramandaí. Esse foi o único incidente em que os desentendimentos militares ocorridos durante a ditadura tiveram tiros. Em todos os outros as questões foram resolvidas por telefone. O presidente Castelo Branco viu no episódio “um deplorável estado de espírito” de “vários elementos da Marinha e da FAB”. Em poucos meses caíram dois ministros da Aeronáutica e um ministro da Marinha.

Finada a ditadura, durante o comando do general Leônidas Pires Gonçalves, sem quaisquer atritos, o Exército organizou uma força de helicópteros que vai muito bem, obrigado. Iam assim as coisas até que alguém teve a ideia do decreto que daria aviões à tropa terrestre. Como era previsível, a FAB incomodou-se e certamente a Marinha também não gostou. Se uma iniciativa desse tamanho tivesse sido tomada com algum debate público, cada lado teria bons argumentos. Depois da canetada, o melhor caminho foi pegar a Bic para revogá-la.

Vera Magalhães - Derrotados

- O Estado de S.Paulo

Crimes de Bolsonaro levam Brasil a perder a batalha da pandemia

Perdemos. O Brasil não se recuperará da derrota acachapante nesta pandemia. Caminhamos resolutos para romper a barreira de 50 mil mortes e 1 milhão de infectados relegados à própria sorte: sem ministro da Saúde, sem isolamento social em canto algum, sem estratégia, sem governos.

E com um presidente da República que comete crimes diariamente e não é impedido de fazê-lo ou porque os que o cercam, seus ministros e seu vice, são cúmplices, ou porque os que tentam têm à sua disposição instrumentos legais e institucionais que não são capazes de lidar com a sanha autoritária e genocida que Jair Bolsonaro já não faz questão de esconder. O que vai pará-lo? Ou vamos assistir inertes a uma escalada que não tem limites?

Em fevereiro, quando informei que Bolsonaro estava escondidinho no WhatsApp convocando atos golpistas contra o Supremo e o Congresso, ele mentiu e me ofendeu.

Agora, aquelas mensagens parecem coisa de criança perto do que o capitão já fez às claras, ao vivo, em rede nacional, nos palácios que ocupa como se fossem a casa da mãe Joana.

Dorrit Harazim - O tempo encurta

- O Globo

No Brasil de Bolsonaro, dia sim dia não algum militar da ativa, de pijama ou de ministério nega riscos de qualquer tipo de golpe

A jornalista americana de origem russa Masha Gessen usa de impiedade cirúrgica quando descreve tiranos. Basta ler “O homem sem rosto”, seu livro-reportagem sobre Vladimir Putin, o líder russo de alma soviética ou líder soviético de alma russa, tanto faz — para reconhecer em Gessen amplo conhecimento em viciados do poder. A mais recente investida da escritora tem por título “Surviving Autocracy” (sobrevivendo à autocracia) e chega em boa hora. Embora a obra centre foco no esgarçamento do tecido democrático em curso com Donald Trump, o tema adquire urgência diante da proliferação de candidatos a autocrata mundo afora.

O presidente americano ainda estaria na primeira etapa de uma escalada ao poder antidemocrático, uma vez que as instituições, a oposição e a imprensa livre do país continuam de pé. Segundo uma sequência elaborada pelo sociólogo e ex-ministro da Educação húngaro Bálint Magyar, Trump vive a fase da “tentativa autocrata”. Ela antecede às duas seguintes do ciclo autoritário estudado por Magyar: a “ruptura autocrática” e a “consolidação da autocracia”.

Até recentemente Trump demonstrou ser um aspirante bastante sólido à supremacia do poder pelo poder, com eleitorado personalista fidelíssimo e um Partido Republicano curvado em servilidade. Mas tudo mudou com a devastação provocada pela Covid-19, que já ultrapassou a marca de dois milhões de contaminados e 110 mil óbitos nos EUA. A razia do vírus somou-se ao destemido despertar antirracista nas ruas do país e, de repente, a cinco meses da eleição presidencial, Donald Trump tem pressa.

Janio de Freitas – Uma tragédia esticada

- Folha de S. Paulo

Os ditos de Bolsonaro e seu grupo são demonstrações de alienação

Com a histórica indiferença por seu destino, o Brasil está a caminho de todos os recordes negativos cabíveis na pandemia, já alcançados alguns deles. Como a rapidez de disseminação e a mais deficiente comunicação/conscientização dos riscos, orientadas por um governante (sic) que se dedica a incitar e encabeçar aglomerações com propostas criminalmente golpistas.

Como consequência lógica, o Brasil está a pouca distância de uma tragédia monstruosa: a população indígena corre o risco de sucumbir a um genocídio. Bolsonaro desconstruiu a sempre mínima rede de setores governamentais voltados, ainda que em parte, para alguma assistência aos remanescentes de brasileiros originais.

Corte de recursos, demissões numerosas, entrega de cargos a militares despreparados e apoio a grileiros, desmatadores, madeireiros e garimpeiros ilegais já compunham as bases da tragédia continuada e agravada.

O descaso por providências emergenciais para a proteção contra a virose mortífera, tratando-se da mais vulnerável população, é o cume da política de crime governamental. Não é novidade, mas nunca foi tão descarada.

Hélio Schwartsman - Rinocerontes cinza

- Folha de S. Paulo

Infectologistas apontavam que era questão de tempo até que uma pandemia viral nos atingisse

Até o final do século 17, europeus, inspirados por versos do poeta Juvenal, usavam a expressão “cisne negro” para designar uma impossibilidade. Todos os cisnes até então avistados eram brancos.

Não foi sem assombro, portanto, que descobriram, a partir de relatos de exploradores, que havia cisnes negros na Austrália. O termo passou, então, a designar a falácia lógica da generalização apressada e, de maneira menos técnica, eventos surpreendentes.

Mais recentemente, o escritor Nassim Taleb popularizou a noção de cisne negro como um acontecimento raro, de enormes consequências e que não foi previsto pelos especialistas. Exemplos de cisnes negros incluem a dissolução da URSS, o surgimento da internet e o 11 de Setembro.

Bruno Boghossian – Movendo a trave

- Folha de S. Paulo

Presidente lança novas teorias para substituir suas profecias e apostas que perderam a validade

Há nove dias, Jair Bolsonaro tomou um helicóptero e percorreu um trajeto que levaria 50 minutos pela estrada. Desembarcou em Águas Lindas de Goiás, sorriu e inaugurou um hospital de campanha erguido com verba federal. “A gente torce para que pouca gente venha para cá, porque é sinal de que não precisa de atendimento”, discursou.

O governo desembolsou R$ 10 milhões na unidade, mas o presidente decidiu sabotar o projeto. Na última semana, ele incitou seus apoiadores a praticar um crime e invadir hospitais pelo país “para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não”.

Depois de menosprezar o coronavírus, insistir num exótico “isolamento vertical”, forçar a barra para distribuir cloroquina e maquiar estatísticas, Bolsonaro passou a insinuar que os governadores inflam o número de mortos para desviar o dinheiro público gasto na pandemia.

Ruy Castro* - Poesia na ilha

- Folha de S. Paulo

Os poetas brasileiros com quem eu estaria só e muito bem acompanhado

Minha bagagem para a ilha deserta está ficando impossível. Agora pedem que eu revele os livros de poetas brasileiros que levaria para lá. Tudo bem, mas desde que não me cobrem por não levar este ou aquele. As ilhas desertas são individuais, ou não seriam ilhas, nem desertas. E permitam-me citar só poetas que já partiram para seus parnasos particulares.

Falando em Parnaso, iriam Olavo Bilac, claro, e o pândego Emilio de Menezes, de quem Oswald de Andrade foi ingrato discípulo. Os simbolistas Cruz e Souza e Alphonsus de Guimaraens. Mario Pederneiras, pioneiro do verso livre, com “Histórias do meu Casal” (1906). Hermes Fontes, com “Apoteoses” (1908), vide as piruetas tipográficas de “A Taça”. Augusto dos Anjos, com seu “Eu” (1912). Gilka Machado, a maior de todas, com “Cristais Partidos” (1915). Raul de Leoni, com “Luz Mediterrânea” (1922). Ribeiro Couto, com “Poemetos de Ternura e Melancolia” (1924).

A Constituição como inimiga – Editorial | O Estado de S. Paulo

No devaneio ditatorial que os camisas pardas bolsonaristas acalentam, não há verdade senão aquela “revelada” por seu líder.

Impressiona a quantidade de vezes que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram que explicar ao presidente Jair Bolsonaro aspectos básicos da Constituição - aquela mesma que ele jurou respeitar ao tomar posse, mas que, dia e noite, trata de desvirtuar.

Na hipótese de que seja apenas ignorância, é espantoso que um político que passou três décadas no Congresso e hoje é a autoridade executiva máxima da República demonstre desconhecimento tão profundo do texto constitucional.

O presidente, por exemplo, já declarou que “qualquer dos Poderes” pode “pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”. Fazia referência ao artigo 142 da Constituição, que, na exótica interpretação de Bolsonaro, lhe permitiria convocar as Forças Armadas para intervir em crises e também para atuar como uma espécie de “Poder Moderador” quando há conflito entre Poderes.

O presidente repetiu em diversas ocasiões essa interpretação mesmo tendo sido alertado por especialistas e magistrados de que se tratava de uma leitura estapafúrdia da Constituição. Isso enseja uma outra hipótese: a de que Bolsonaro sabe muito bem o que está fazendo, ou seja, trata de confundir a opinião pública e, em meio a um “debate” constitucional sem sentido, dar verniz de legitimidade a seus propósitos autoritários. Ao mesmo tempo, tenta enredar as Forças Armadas em seu projeto de poder, com o objetivo óbvio de intimidar os opositores.

É por esse motivo que são tão importantes manifestações cristalinas como a do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, a propósito da absurda interpretação bolsonarista sobre o papel das Forças Armadas. “As Forças Armadas sabem muito bem que o artigo 142 não lhes dá (qualidade) de Poder Moderador. Tenho certeza de que as Forças Armadas são instituições de Estado que servem ao povo brasileiro, não são instituições de governo”, disse o ministro Toffoli.

Extremo centrão – Editorial | Folha de S. Paulo

Contra impeachment, Bolsonaro abraça fisiologismo, mas carrega instabilidade

A recriação do Ministério das Comunicações, com a indicação do deputado federal Fábio Faria (PSD-RN), ainda encerra mais dúvidas que certezas. Não se conhecem as reais intenções do presidente da República com o movimento, nem tampouco qual será o resultado do choque entre esse desiderato e seu estilo caótico de governar.

Por um lado, o chefe de Estado evitou repetir o padrão, que já deu reiteradas mostras de fracasso, quer de nomear mais um militar, quer de homenagear a franja de golpistas lunáticos que o bajula.

O Planalto, por outro lado, cogita levar a turma de arruaceiros que fez má fama sob a alcunha de “gabinete do ódio” para a estrutura do novo ministério. O presidente também cometeu a temeridade de colocar na pasta um político que tem ligação pessoal com um grupo de comunicação, o SBT.

Esses elementos, associados ao temperamento mercurial, à mania de interferir em minudências e à inapetência para tarefas administrativas de Jair Bolsonaro, dão azo a quem aposta num futuro de crises e desgastes para o novo ministério, como aliás ocorre com quase tudo na atual gestão federal.

Avaliado num contexto mais amplo, o convite ao parlamentar do PSD vincula-se à estratégia do governo, iniciada há poucos meses, de abrir as portas da máquina federal a partidos desde sempre associados ao chamado toma lá dá cá.

Governo desidrata a lei que obriga a transparência – Editorial | O Globo

Determinada pela Constituição, ela objetiva dar visibilidade às ações de Estado e de agentes públicos

Ações sucessivas nos últimos 17 meses indicam um esforço do governo Jair Bolsonaro para desidratar a Lei de Acesso à Informação (nº 12.527). Ela foi determinada pela Constituição, promulgada 23 anos antes, para garantir plena visibilidade às decisões de Estado e aos atos dos agentes públicos, incluindo a sua remuneração.

Em janeiro de 2019 o governo editou decreto autorizando servidores comissionados a classificar documentos com níveis de sigilo ultrassecreto e secreto. O decreto acabou revogado pelo Congresso.

Na sequência, em abril, o governo se recusou a divulgar os estudos que fundamentavam a reforma da Previdência. Houve reação do Legislativo, e acabaram liberados.

Em setembro do ano passado, a Secretaria-Geral da Presidência se recusou a autorizar a liberação de documentos usados para embasar a decisão de Bolsonaro no episódio da sanção da Lei de Abuso de Autoridade. Usou um argumento esdrúxulo, a relação de sigilo entre o “cliente”, no caso o governo, e seu consultor jurídico, a Advocacia-Geral da União.

A lei prevê recurso à Controladoria-Geral da União. Em dezembro, ou seja, mais de três meses após a requisição das informações, a Controladoria determinou à Presidência a entrega de todos os documentos, pois, nos termos da lei, a alegação da Secretaria-Geral não se aplicava. Fixou prazo de 60 dias.

Os atropelos à legislação prosseguiram no Palácio do Planalto e, nove meses depois da solicitação dos papéis, o governo estabeleceu um novo entendimento: documentos produzidos no setor público só são públicos se o advogado público concordar com sua liberação ao público.

Míriam Leitão - O impossível não acontece

- O Globo

Um consultor e uma alta autoridade dizem que o país não aguentará mais dois anos e meio deste grau de tensão provocado por Bolsonaro

‘Em 40 anos de consultoria, o que eu aprendi é que o impossível não acontece.’ Foi essa a resposta que me deu um experiente consultor quando perguntei se o governo Bolsonaro concluiria seu mandato. Isso foi em 7 de maio. No mesmo dia, ele previu que o Brasil seria o segundo país com mais mortes. Parecia exagerado, afinal era o oitavo. Na sexta-feira, virou o segundo. “É impossível mais dois anos e meio dessa tragédia que nós estamos vivendo. Com esse grau de dissonância, ruído, complicação, briga. Isso não acontece”, disse ele. Esse é o grande assunto entre cientistas políticos, economistas, cenaristas em geral. Para permanecer, Bolsonaro teria que mudar. A nota assinada pelo presidente, o vice e o ministro da Defesa na noite de sexta-feira tem como alvos o ministro Luiz Fux e TSE, mas há uma ameaça implícita a qualquer voz divergente.

A hipótese de Bolsonaro mudar, distensionar o país e, assim, conseguir concluir o mandato é improvável. Bolsonaro não vai mudar. Por incapacidade mesmo. Ele será sempre criador de atritos constantes. Ele não sabe governar, por isso precisa dos confrontos. As brigas serão com pessoas, grupos sociais ou instituições. Escolherá aleatoriamente os “inimigos” para hostilizar. Quando faltar adversários, ele vai atirar para dentro do seu próprio governo.

Fiz a mesma pergunta que havia feito ao consultor — se o presidente terminaria o mandato — a uma alta autoridade da República, fora do Executivo. A resposta que eu ouvi:

Rolf Kuntz* - Dinheiro público, dinheiro sujo e guerra à democracia

- O Estado de S.Paulo

Até o TCU entra na briga pelo Estado de Direito contra a política de Bolsonaro

Democracia tem tudo a ver com imprensa livre - imprensa de verdade, conduzida de forma aberta e responsável - e essa verdade tem sido comprovada no dia a dia do governo Bolsonaro. O presidente mantém uma simetria perfeita entre seus atos contra as instituições, como a presença em manifestações golpistas, e, de outro lado, o combate constante aos meios de comunicação profissionais e o apoio às centrais de mentiras e de mensagens de ódio. O horror do presidente e de seus minigoebbels ao jornalismo decente já ultrapassou as fronteiras da política. Tornou-se um fato também contábil, como demonstra, por exemplo, o parecer preliminar do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as finanças federais de 2019.

Com 14 ressalvas, 21 recomendações e 7 alertas, o parecer recomenda, apesar de tudo, a aprovação do balanço encaminhado pelo presidente da República. Mas passa longe de recomendar o comportamento presidencial em relação às instituições e à sociedade ferida pela pandemia de covid-19. Ao apresentar o documento, numa sessão virtual, o relator do processo, ministro Bruno Dantas, propôs em primeiro lugar um minuto de silêncio em homenagem às vítimas do novo coronavírus. Foi um gesto de respeito raramente esboçado pelo presidente Jair Bolsonaro, até a sessão ministerial transmitida ao vivo, há poucos dias, numa encenação de seriedade governamental.

“A democracia brasileira pode ser jovem”, disse o ministro, “mas seu conceito não é recente, nem é efêmera sua construção. O abalo dos alicerces de nosso Estado de Direito Democrático não é um mero recuo à década de 60 do século passado. É um recuo de oito séculos, ao período medieval”. Ele falava, nesse momento, da cooperação, da independência e do respeito entre os Poderes, noções frequentemente renegadas, com sua anuência silenciosa, por apoiadores do presidente. Mas às vezes, de fato, nem tão silenciosa, como quando ele anuncia - para em seguida se corrigir - a disposição de rejeitar decisões do Judiciário ou do Legislativo.

Pedro S. Malan* - O segundo inverno do governo Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

O presidencialismo de confrontação vem encontrando resistência crescente na sociedade

The life so short, the craft so long to learn” - Geoffrey Chaucer

“A vida tão curta, o ofício tão longo de aprender”, poderia ser essa a tradução para nossa língua do belo inglês medieval com que Chaucer traduziu o conhecido e um tanto insípido original em latim: “Ars longa, vita brevis”.

Em junho do ano passado escrevi neste espaço texto que tinha por título O primeiro inverno do governo Bolsonaro. O artigo tratava da importância de estimular debates políticos “vigorosos e eficazes” (Rorty) e notava que isso exigiria a superação da excessiva polarização vigente e um gradual deslocamento para o centro, de forma que pudessem restar atenuadas as posições extremadas que marcavam o precário debate nas redes sociais. O texto comentava ainda que esse sonho teria de ser construído ao longo dos meses e anos seguintes, porque era difícil imaginar que pudéssemos seguir com o grau de polarização, surpresas e incertezas que marcaram os primeiros seis meses do governo.

E, no entanto, as incertezas, dubiedades e contradições, em lugar de arrefecer, só fizeram acentuar-se desde então. A polarização acerba que aquele texto apontava terá sido a marca dos primeiros 18 meses do governo Bolsonaro, que serão alcançados ao fim deste mês e correspondem a 40% do tempo de que dispõe até as eleições de outubro de 2022.

Ainda este ano o Brasil elegerá nada menos que 5.570 prefeitos, e cerca de 57.800 vereadores. Essa disputa costuma dar-se em torno de agendas locais ou, no máximo, estaduais, à exceção de algumas grandes capitais. Caso queiramos tentar evitar, em outubro de 2022, uma reencenação da experiência de 2018, desde este ano de 2020 as coisas deveriam passar-se de forma diferente. Dois versos do famoso poema de Yeats The Second Coming (1939) vêm à mente: “The center does not hold/ things fall apart” (o centro não se sustenta, as coisas entram em colapso).

Há razões para acreditar que “as coisas” estão mudando, e podem continuar a mudar. O presidencialismo de confrontação permanente – com adversários que, embora legítimos, são vistos como inimigos a serem batidos, derrotados nas ruas, nas redes e, se necessário for, pelas armas – vem encontrando resistência. Resistência por parte dos outros Poderes, da mídia profissional e, crescentemente, por parte expressiva da sociedade. Daí a importância das eleições municipais deste ano. Seus resultados terão forçosamente influência nas eleições de 2022.

Vinicius Torres Freire – Os empresários e o joelho no pescoço

- Folha de S. Paulo

Donos do dinheiro vão apoiar esta venezuelização com desvario liberalóide-militar inepto?

O que o empresariado, a finança e o establishment econômico em geral ainda esperam de Jair Bolsonaro?

A conversa aqui exclui os colaboracionistas engajados no desgoverno e aqueles que patrocinam a propaganda parafascista, comícios golpistas e o terrorismo por ora virtual, nas redes insociáveis.

A pergunta é crua. Diz respeito apenas a interesses diretos da turma, manifestos desde a deposição de Dilma Rousseff, em 2015.

A premissa do plano era que a saída da crise depende da contenção de gastos, déficits e dívida, sem que essa conta fosse paga com impostos extras. Esperava-se que fossem reduzidos os custos da folha salarial, que viesse o desmanche sem substituição da proteção trabalhista e a limpeza do entulho burocrático e da confusão regulatória.

Quanto a providências de aumento da concorrência (como abertura comercial) e outras essenciais para que exista uma economia de mercado (como uniformização de impostos e fim de privilégios fiscais), o tema é divisivo, mexe no bolso e tem sido empurrado com a barriga o quanto possível.

Apesar do alerta até dos economistas liberais mais ilustrados, ainda é dominante a ideia de que tal plano será retomado, sem mais, “depois da epidemia”. Mas não haverá um depois da epidemia. A doença vai continuar por um longo tempo até que o espalhamento do vírus se esgote ou seja limitado por falta de vítimas, por muitos meses.

José Roberto Mendonça de Barros* - Encontro marcado para setembro

- O Estado de S.Paulo

O futuro do governo Bolsonaro e o comportamento da economia em 2021/2022 serão determinados pelo resultado de um grande embate que deverá ocorrer a partir de setembro, quando vários vetores relevantes tendem a se encontrar.

Menciono a seguir os mais relevantes.

Em primeiro lugar, por volta de agosto teremos mais clareza quanto ao tamanho da recessão, do desemprego e da insolvência de empresas. Isso porque muito dos programas sociais chegarão ao seu final e será o momento em que saberemos quais empresas conseguiram atravessar o deserto do isolamento social. O certo é que o número de quebras em empresas médias e pequenas será enorme, sem precedentes. Além disso, teremos mais clareza quanto ao tamanho do déficit primário deste ano, que será de no mínimo R$ 750 bilhões, podendo chegar a um trilhão de reais. Esses valores (PIB, desemprego e déficit fiscal) balizarão o desafio dos próximos anos, que é o de retomada do crescimento, em condições muito adversas.

Também é, neste momento, que teremos uma noção mais precisa do enorme custo humano da pandemia. Sem querer me aventurar no mundo das projeções, parece seguro dizer que teremos, pelo menos, 80 mil mortos acumulados desde o início da pandemia, apenas atrás dos Estados Unidos. A despeito disso, na maior parte das capitais, onde mora a chamada opinião pública, as ruas já estarão livres e manifestações poderão ocorrer. Da mesma forma, é certo que, neste momento, o Congresso já funcionará ao vivo, o que reverbera muito mais os dilemas políticos.

Neste momento, a política econômica e as propostas para os próximos dois anos terão que ser repaginadas e se traduzirão no orçamento fiscal (embora não apenas aí). Digo repaginadas porque a pandemia mudou a natureza do problema e não se pode apenas retomar o que estava na mesa em janeiro. Isto envolve, para começar, as seguintes questões:

Celso Ming - O plano da renda mínima

- O Estado de S.Paulo

A pandemia amplificou um debate que já ganhava corpo: o da necessidade de que o Estado passe a garantir uma renda mínima para a população mais pobre.

Essa deixou de ser apenas uma proposta de política social. Com o desemprego crônico agora agravado pelo crescimento da automação e das tecnologias digitais, o próprio sistema capitalista parece interessado em que se propicie um mercado mínimo de consumo que seja capaz de dar sustentação às empresas.

Agora, é o ministro da Economia, Paulo Guedes, grão-sacerdote do liberalismo econômico, que acaba de anunciar o programa Renda Brasil, ainda em estudos pelo governo.

No momento, o impulsionador do debate foi a implementação do Auxílio Emergencial, lançado pelo governo federal em abril para amparar a população que, de repente, ficou sem emprego, sem ocupação e sem renda, em consequência da suspensão de grande parte da atividade econômica e do isolamento social adotados para contra-atacar o vírus.

“O Auxílio Emergencial não é um programa de renda básica, mas abriu uma fresta para um projeto mais ambicioso. Muita gente percebeu que esta não é uma ideia maluca. Podem-se definir projetos que caibam no orçamento e que não afrontem os princípios de responsabilidade fiscal e social”, afirma a economista do Peterson Institute e colunista do Estadão, Monica de Bolle.

Mais de 50% da população do país está sem trabalhar

Pesquisa foi feito pelo economista Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

Cássia Almeida | O Globo

RIO - O tombo no mercado de trabalho em abril alcançou patamar inédito e foi maior do que o indicado pelos números mais recentes. Cruzamento exclusivo feito pelo economista Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que, pela primeira vez desde que começou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE, em 2012, mais da metade da população em idade de trabalhar está sem ocupação.

— O tombo do mercado de trabalho na segunda quinzena de março, que se aprofundou em abril, foi bem maior do que o já indicado pelo IBGE e pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério da Economia, que mede o emprego com carteira assinada). É a primeira vez em que menos da metade da população em idade de trabalhar está ocupada: 48,8% na segunda quinzena de março e 48,5% no mês de abril — afirma Hecksher.

A crise sanitária — que obrigou a economia a parar para conter o avanço do coronavírus — mudou a forma com que se acompanha o mercado de trabalho. A taxa de desemprego, a mais observada em situações normais, não consegue retratar com precisão a dimensão da destruição de vagas. A taxa passou de 11,2% no trimestre encerrado em janeiro para 12,5% em abril.

A dificuldade de retratar o mercado de trabalho neste momento é resultado de dois fatores. Quem perdeu o emprego ainda não voltou a procurar por causa da pandemia, portanto, não é tecnicamente incluído no universo de desempregados. Além disso, o IBGE calcula a taxa com base em informações trimestrais agregadas, neste caso, do período de fevereiro a abril. Assim, a conta considera um mês e meio em que a pandemia ainda não tinha começado. Segundo Hecksher, dessa forma, os dados já divulgados não isolam os efeitos da quarentena, iniciada em meados de março.

Retrato da quarentena
Em outro sinal da dificuldade para mensurar o impacto da crise, muitas empresas que informam suas demissões ao governo por meio do e-Social deixaram de prestar contas no período, segundo Hecksher.

O pesquisador recorreu ao chamado nível de ocupação: a parcela da população em idade de trabalhar (de 14 anos ou mais) que está inserida de alguma forma no mercado. E esse índice caiu de 54,3% em fevereiro para 48,5% em abril, período marcado pelo isolamento social dos que podem ficar em casa. Significa dizer que 51,5% da população em idade ativa estavam sem trabalho.

Poesia | Manuel Bandeira - Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.