sexta-feira, 19 de junho de 2020

Luiz Werneck Vianna* - Não há mal que sempre dure

- IHU

Não dá para esconder que a democracia brasileira esteja sob alto risco, e não apenas por que se encontra ameaçada por um governo que faz do seu desmonte o seu objetivo estratégico, mas também por que uma parte de sua sociedade abandonou sua afeição por ela. Afinal, os governantes que aí estão foram eleitos em pleitos eleitorais livres, secundados pelos parlamentares mais toscos, despreparados e vorazes conhecidos em nossa longa história parlamentar, presentes em todas as casas de representação política. Também eles não caíram do céu, foram eleitos, e muitos deles com estrondosa votação. O retrato lúgubre que estampam não é filho do acaso e da má vontade do destino, mas das nossas ações e inações. Diante de nossos olhos a sociedade adoeceu, perdeu-se de si mesma, da sua história e melhores tradições.

Como isso pode acontecer aqui, justo no lugar que soube derrotar pela ação política bem concertada um regime autoritário que a afligiu por duas décadas, essa a questão que temos de sondar até as suas raízes a fim de encontrar remédio para os males que nos atormentam. Que se ronde a blasfêmia, inevitável no caso, por que foi de um partido nascido da vida sindical, lugar sagrado da esquerda, que teve início a difusão do vírus maldito que apartou a democracia política da democracia social, cerne da concepção da Carta de 88, destituindo a política do seu papel criador e pondo no seu lugar a esfera bruta dos interesses, deixando fora de foco o cidadão em nome dos apetites do consumidor – os automóveis, as viagens de avião, as comemorações da Força Sindical no 1º de maio com brindes e rifas aos participantes no lugar da evocação das lutas civis que tradicionalmente celebravam.

Merval Pereira - Os Bolsonaro

- O Globo

Situação fica muito mais complicada para a família, e o cerco vai se fechando em torno dos Bolsonaro

O “physique du rôle” do advogado Frederick Wassef o faria um ator indicado para filmes de gângster. Conheci-o fortuitamente num vôo de Brasília para o Rio, e a conversa começou com um mal-entendido. O cara que se sentou ao meu lado na primeira fila era espaçoso, correntes de ouro, e muito falante, não largava o celular, sem atender aos pedidos da aeromoça para desliga-lo, pois iriamos decolar.

Pedi então que o desligasse, pois estava colocando em risco os demais passageiros. Ele pediu desculpas, olhou para mim e perguntou: “Você é o Merval Pereira?”. Quando confirmei, ele abriu os braços: “Você ia brigar com um fã seu?”. Respondi rapidamente: “Brigar com você? Você é muito mais forte que eu. Só queria que o avião não caísse”.

Como não podia deixar de ser, começou a puxar conversa, bravateando sua relação íntima com os Bolsonaro. Queria dar uma entrevista à Globo. Nunca mais nos falamos, e passei a seguir suas peripécias apenas pelos jornais, até ontem, quando Fabricio Queiroz foi preso em sua casa em Atibaia.

Bonequinhos do mafioso Tony Montana, do filme Scarface , com roteiro de Oliver Stone, decorarem uma prateleira apoiando um cartaz a favor do AI-5, é só um detalhe a mais para significar ironicamente a relação mafiosa entre os dois e, por tabela, com os Bolsonaro. Não sei se os bonequinhos já faziam parte da decoração da casa, ou se Queiroz os levou para seu exílio dourado em Atibaia.

Mas, em qualquer caso, têm um simbolismo banal, mas muito expressivo. Contra as bravatas do presidente Bolsonaro, fatos. A ligação de Queiroz com o advogado Wassef, que se gaba de ser amigo íntimo do presidente e de seus filhos, só confirma os laços de juramento de sangue, bem ao estilo mafioso, que o une à família Bolsonaro.

Míriam Leitão - Todos os medos do presidente

- O Globo

O nome do que acontecia no gabinete do senador Flávio Bolsonaro é desvio de dinheiro público. Rachadinha é apelido

Ontem não foi um “grande dia” para Jair Bolsonaro, no sentido que ele costuma dar à expressão, mas foi um dia longo e cheio de eventos. O presidente amanheceu sabendo que seu velho amigo, e colecionador de segredos, Fabrício Queiroz, tinha sido preso na casa do advogado de Flávio Bolsonaro, e que também defende o presidente em outros casos, Frederick Wassef. O STF, com votação consagradora, considerou constitucional o inquérito das fake news que tem se aproximado de apoiadores e pessoas do círculo presidencial. Na confirmação da constitucionalidade do inquérito foram lançadas duríssimas mensagens ao presidente. Bolsonaro apareceu de tarde, tenso e estático, ao lado de Abraham Weintraub, um dos investigados. O presidente tirou-o do cargo de ministro a contragosto. Apesar do seu péssimo desempenho na Educação, o presidente o manteria se pudesse.

Wassef entra e sai do Palácio Alvorada, em fins de semana e fora de horário de trabalho. Entra e sai do Palácio do Planalto. Na quarta-feira mesmo esteve lá na posse do novo ministro da Comunicação. É pessoa próxima da família. E justamente Wassef hospedava Fabrício Queiroz, num sítio. Onde? Em Atibaia. Surreal.

Bernardo Mello Franco - O PC Farias da família Bolsonaro

- O Globo

As investigações sugerem que Queiroz era uma reencarnação miliciana de PC Farias. Na época do original, ainda não existia a lei das deleções premiadas

A prisão de Fabrício Queiroz complica a vida de Jair Bolsonaro e lança mais incertezas sobre o futuro do governo. O presidente já estava acuado pelo cerco a seus radicais de estimação. Agora passa a ser assombrado pelo espectro de um velho amigo na cadeia.

Queiroz era o faz-tudo da família presidencial no Rio. Oficialmente, atuava como motorista e segurança. Segundo o Ministério Público, também coordenava um esquema de funcionários fantasmas e ajudava a pagar as contas do clã.

Ricardo Noblat - Fecha-se o cerco a Bolsonaro e aos seus filhos

- Blog do Noblat | Veja

Canta, Queiroz, canta!

A acreditar-se no que já disse Jair Bolsonaro e também o seu porta-voz oficial, o general Otávio Rêgo Barros, Frederick Wassef era, sim, advogado do presidente da República pelo menos no caso da facada que Adélio Bispo lhe aplicou em Juiz de Fora.

A acreditar-se em Wassef, ele atuava em quase tudo que interessava à família Bolsonaro. A acreditar-se no que a televisão mostrou, Wassef era um assíduo frequentador do Palácio da Alvorada e de cerimônias no Palácio do Planalto. Anteontem, esteve lá.

E então? Depois de um dia de intermináveis reuniões com seus ministros mais próximos, tudo o que Bolsonaro conseguiu produzir foi a versão rejeitada pela imprensa de que Wassef não era advogado dele, no máximo do senador Flávio, vulgo Zero Um.

Mais uma fake news, com certeza. A situação estava sob controle, embora não se soubesse por quem, até que a Polícia Civil de São Paulo arrombou as portas da casa de Wassef, em Atibaia, no interior do Estado, encontrou Queiroz dormindo e prendeu-o.

Acabou com isso a farra nas redes sociais de se perguntar onde estava Queiroz. Começou outra: “Onde está Wassef?” – que também tem casa em Brasília, mas que desapareceu. Queiroz foi descoberto na pior hora possível para Bolsonaro.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro encurralado

- Folha de S. Paulo

Penso que o melhor remédio para suas transgressões ainda é o impeachment

O home office funciona melhor no Judiciário do que no Legislativo. São os procuradores e juízes, e não os parlamentares, que estão se constituindo como vetor de resistência ao bolsonarismo.

A prisão de Fabrício Queiroz coloca ainda mais pressão sobre o clã presidencial. Os procuradores tiveram o cuidado de pedir também a prisão preventiva da mulher do ex-assessor, o que eleva as chances de ele entregar o jogo em vez de assumir sozinho a culpa por eventuais crimes cometidos pela primeira família.

O fato de Queiroz ter sido encontrado em propriedade do advogado dos Bolsonaros tampouco ajuda. Não é ilegal dar guarida a alguém que não era procurado pela Justiça, mas fazê-lo desmonta a narrativa de que o ex-assessor agira sozinho e estava rompido com o clã. Não que alguém um dia tivesse acreditado nisso, mas é ruim ser apanhado na mentira.

Bruno Boghossian - O fantasma da roubalheira

- Folha de S. Paulo

Ex-assessor ressurge e revira métodos típicos dos políticos do baixo clero

Por algum tempo, Jair Bolsonaro tentou se distanciar dos rolos de Fabrício Queiroz. Quando foi revelado o esquema de confisco de salários num dos gabinetes do clã, o presidente disse que o fiel aliado era quem deveria responder. “Não tenho nada a ver com essa história”, afirmou, assim que assumiu o cargo.

Não deu para disfarçar. A prisão do ex-policial numa casa ligada ao advogado Frederick Wassef sugere que o amigo de Bolsonaro estava sob a guarda da família. O doutor não era apenas um representante legal de Flávio. Ele frequentava o Palácio da Alvorada e circulava como homem de confiança do presidente.

Já Bolsonaro e Queiroz se conhecem há mais de 30 anos. Embora o clã tenha negado contatos com o ex-assessor, os acontecimentos mais recentes oferecem indícios de que essa conexão jamais foi desfeita. Nessas circunstâncias, o avanço das investigações se torna uma ameaça.

Ruy Castro* - A chegada do cometa

- Folha de S. Paulo

Decididamente, o governo Bolsonaro é para entrar nos anais

A coluna de hoje não é recomendada para leitura durante refeições. Seu assunto é o ânus de Jair Bolsonaro e os desarranjos de seu governo. Desculpe o calão intestinal, mas faz parte da linguagem com que, pela primeira vez no Brasil, um presidente da República passou a se expressar.

O leitor se lembra. Pouco depois de sua posse, Bolsonaro confessou ter feito xixi na cama até os cinco anos de idade. Por algum motivo, disse também que o brasileiro não sabia lavar o pênis com água e sabão e, num arroubo de modéstia, declarou para uma plateia extasiada que continuava “na ativa e sem aditivos”.

Dias depois, no Carnaval, protagonizou o extraordinário episódio do golden shower, postando um vídeo em que dois rapazes se urinavam. Com essa fixação fálica e urinária de Bolsonaro, só a diplomacia explica que os outros chefes de Estado continuassem lhe apertando a mão.

Reinaldo Azevedo - Bolsonaro já tem seu 'tchau, querida!

- Folha de S. Paulo

A partir de agora, não há mais como o presidente se ocupar do governo

O governo Bolsonaro acabou. A reforma da Previdência, único marco que ficará destes dias, durem quanto durar, é, na verdade, herança do governo Temer, que só não conseguiu aprovar o texto porque teve de enfrentar o lavajatismo golpista e de porre de Rodrigo Janot. Isso à parte, sobra pregação golpista. E só.

Quanto tempo o “mito” ainda fica por aí? Não sei. Mas é “um cadáver adiado que procria”, para lembrar verso de Fernando Pessoa em caso bem mais nobre. E qualquer coisa que venha à luz, nessas circunstâncias, será necessariamente ruim.

Não temos mais um presidente, mas um refém do fundão do centrão. À medida que a sociedade vai saindo da clausura a que a condenou o coronavírus, cresce o preço político para manter o corpo na sala. Até a hora em que os próprios apoiadores resolvem enterrar o malcheiroso.

Lembram-se do “tchau, querida” de Lula, ao se despedir de Dilma, naquela gravação feita e divulgada ilegalmente por Sergio Moro? Esqueçam o mérito. Fixo-me nas palavras. Elas se transformaram numa espécie de emblema da derrocada do governo. Era também uma senha entre os que defendiam o impeachment.

Bolsonaro já tem os dois vocábulos imortais que servem para carimbar seu fim. E saíram de sua própria boca, em um dos habituais acessos de fúria. Falando a seguidores no Alvorada, deu a entender que, a partir daquele momento, passava a ter o comando das vontades do STF. Vociferou para o TIH (Tribunal da Ironia da História): “Acabou, porra!”.

Pois é... Acabou, porra!

Vinicius Torres Freire – O presidente sincerão e o ladrão

- Folha de S. Paulo

Um resto do prestígio de Bolsonaro depende da imagem de honesto e do caso Queiroz

Dos tantos inquéritos em que estão enrolados os Bolsonaro e o bolsonarismo, o caso Queiroz é o mais “pop”. Ameaça a imagem de honesto e sincerão de Jair Bolsonaro, elementos centrais do mito que o levou à vitória em 2018 e motivo importante do que resta de sua popularidade, um dos seus seguros contra o risco de impeachment.

O prestígio de presidentes depende também da preservação de símbolos ou promessas que os ajudaram a chegar ao poder. Estelionatos eleitorais ou desmascaramentos de personalidade quebram a confiança de modo irremediável.

Bolsonaro pai não é investigado no inquérito que procura verificar se, entre outros crimes, o filho Flávio roubou dinheiro público com o auxílio de Fabrício Queiroz, faz-tudo da família, ligado a milícias. Mas é notório que Bolsonaro tenta tirar os filhos de rolos, bulindo com PF e Coaf; que fazia transações com o esquema, com dinheiro ou emprego de parentes e fantasmas em geral, como a filha de Queiroz. Queiroz, enfim, estava fugido em uma casa do advogado dos Bolsonaro.

Caso Flavio seja incriminado, vai ser difícil separar o joio do Jair, se por mais não fosse porque parte da opinião pública ou social midiática pensa na base do “aí tem mais coisa”, um motivo do sucesso de ideias conspiratórias e “fake news”. Pior ainda se Queiroz ou sua filha delatarem a coisa toda.

Igor Gielow - Prisão de Queiroz completa tempestade perfeita para Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Fantasma do braço direito surge em meio a cerco judicial e à crise tríplice do governo

O fantasma de Fabrício Queiroz, vivíssimo num imóvel do advogado da família Bolsonaro em Atibaia (SP), ressurgiu para assombrar o presidente da República numa semana em que o chão sob seus pés foi bastante reduzido pelo Judiciário.

Até as emas do Palácio do Alvorada sabiam que esse dia chegaria, pelos relatos de aliados do presidente. Queiroz é um nome que acompanha o noticiário desde o começo do governo, pelo explosivo elo que é entre Bolsonaro e o submundo das milícias do Rio.

O presidente é amigo de Queiroz desde 1984 e terceirizou o antigo faz-tudo para o gabinete do filho Flávio, quando o atual senador pelo Rio era um deputado estadual. O resto é história: a rachadinha, os pagamentos envolvendo a família, os movimentações suspeitas e o contato com milicianos.

Bolsonaro e Flávio se alternaram entre lavar as mãos e defender Queiroz. A natureza da operação desta quinta (18) indica que eles sabiam bem mais sobre a proteção dada ao aliado.

Queiroz estava escondido numa casa do advogado Frederick Wassef, frequentador dos palácios de Brasília —ontem mesmo estava na posse de Fábio Faria (Comunicações) no Planalto. E houve batida em um escritório politico do clã em Bento Ribeiro, no Rio.

Abordado por jornalistas no aeroporto em Brasília, Wassef não quis dar entrevista, disse que falaria depois e que estava atrasado para embarcar para o Rio. Wassef não usava máscara facial, de uso obrigatório no Distrito Federal para o combate ao coronavírus.

Dora Kramer - Cerco da legalidade

- Revista Veja

A aplicação da lei intimida e faz recuar o pessoal das “extremas”

A situação está tão difícil para o presidente que ele não está podendo nem dispensar o apoio de gatos-pingados. Por isso, não deu um pio sobre a algazarra dos rojões contra a sede do Supremo Tribunal Federal. No dia seguinte assistiu calado à prisão de Sara Fernanda, a alpinista de protestos e líder dos trinta integrantes de acampamento daquilo que Jair Bolsonaro chama de “minha base”.

Quando o silêncio já incomodava seus seguidores nas redes (“a mídia que eu tenho”), prometeu recorrer a “medidas legais” e colocar “tudo no seu devido lugar”.

Bolsonaro reagia, assim, às ações de busca e apreensão em endereços de bolsonaristas, no inquérito para investigar a gênese das manifestações que colidem com o veto da Constituição ao financiamento e à propagação de atos contrários à ordem institucional.

Eliane Cantanhêde - Mourão no radar

- O Estado de S.Paulo

Queda de Weintraub não ‘baixa a bola’, pois as pontas contra Bolsonaro se juntam rapidamente

A pergunta não é mais onde está o Queiroz, mas onde está Jair Bolsonaro. Com Fabrício Queiroz preso, Frederick Wassef desmascarado, a pressão de STF, TSE, TCU, Congresso, Justiça do Rio e movimentos pró-democracia, a situação do presidente da República vai se tornando insustentável. Cresce o alívio em setores governistas que se decepcionaram com Bolsonaro e agora trabalham pela ascensão do vice Hamilton Mourão. Neste caso, estão militares da ativa e da reserva.

O temor desses setores era de que o torniquete fosse do TSE e estrangulasse a chapa Bolsonaro-Mourão, mas o cerco contra Bolsonaro, filhos, advogado e apoiadores mais radicais se fecha não no TSE, que pode cassar a chapa, mas no Supremo, onde as investigações envolvendo bolsonaristas de todos os tipos levam diretamente ao presidente e não há nada contra o vice.

Sem esquecer que as circunstâncias e a opinião pública começam a pressionar o Congresso, onde o alvo de um impeachment seria Bolsonaro, não a chapa, não o vice. Com as várias frentes que desembocam no presidente, não há Centrão capaz de segurar uma onda que vem de fora e pode chegar incontrolável ao Congresso – como nos casos de Collor e Dilma.

Vera Magalhães - 'Presidente não para de se enrolar sozinho'

- O Estado de S. Paulo

Vai ficando difícil, de novo por iniciativa própria de um presidente que não para de se enrolar sozinho, defender o discurso de que a crise de Queiroz não tem nada a ver com o presidente

A crise de Fabrício Queiroz não tem nenhuma relação, por ora, com o governo federal. Ele é investigado por atos cometidos quando era assessor parlamentar de Flávio, e não de Jair Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio.

É o filho senador e ex-deputado estadual que está no epicentro da crise Queiroz.

Ao usar o Palácio do Planalto e o horário do expediente para se reunir com ministros de Estado e líderes governistas no Congresso para discutir a prisão do amigo e ex-assessor do filho, o presidente passa um imenso recibo, leva para o Executivo federal mais uma de “n” crises que tem para administrar simultaneamente, todas elas com potencial explosivo e em concomitância com uma pandemia que ainda ceifa milhares de vidas no Brasil.

Bolsonaro não tratou com esses ministros da demissão do ministro da Educação, Abraham Weintraub, esse sim um tema de governo, nem da decisão, por 9 votos a 1, do Supremo Tribunal Federal de manter o inquérito das fake news, preocupação número 1 até quarta-feira.

Ao chamar para si a crise, Bolsonaro reforça aquilo que disse Sérgio Moro: que uma das grandes preocupações do presidente é usar as estruturas de Estado para proteger familiares e amigos, notadamente os filhos numerados e políticos.

Vai ficando difícil, de novo por iniciativa própria de um presidente que não para de se enrolar sozinho, defender o discurso de que a crise de Queiroz não tem nada a ver com o presidente. Ele mesmo tentou fazer isso depois da reunião, à noite, na live semanal nas redes sociais. Mas seu semblante catatônico, o corpo arqueado e o desânimo ao tratar do assunto, sem esconder o pavor, surtiram o efeito radicalmente contrário.

Carlos Melo* - Um golpe sem dia seguinte

- Valor Econômico

É pouco plausível que tentativa golpista tenha apoio

No Brasil, previsões duram o tempo de uma garoa e só o futuro dirá se os temporais imaginados eram reais ou lágrimas na chuva; a política atropela profetas. Porém, o espectro de um golpe de Estado tramado pelo Poder Executivo ronda o ambiente nacional. A anuência do presidente da República e seus ministros à manifestações do gênero, além de conflitos com o Supremo Tribunal Federal, agitam fantasmas e geram “previsões”. Então, lá vai mais uma: eventual golpe, se houver, não trará dia seguinte.

A história ensina: em 1930, a Revolução se deu de fora para dentro do governo; novas camadas médias urbanas moveram-se contra Washington Luís e a continuidade da oligarquia expressa na eleição de Júlio Prestes. A crise de 1929 colocou fim a uma era, Getúlio Vargas e os tenentes marcharam sobre seus escombros.

Em 1937, o golpe ocorreu de dentro para fora, em favor do governo. Imprensa sob censura, partidos proscritos, comunistas presos; integralistas - bolsonaristas de então - gloriosamente enganados. A ditadura brotou das mãos de Vargas, tipo de raposa hoje extinta. O país se industrializava e a economia dava saltos, condições que favoreciam e fortaleciam o governo.

Em 1964, mais uma vez o golpe se deu de fora para dentro: conservadores e classe média, empresários e militares puseram fim ao curto mandato de João Goulart, o presidente errático que quebrou a hierarquia das Forças Armadas e pagou o preço. Tempos de Guerra Fria de verdade, elevação inflacionária e um governo sem amplo apoio.

Nos dois impeachments, de Fernando Collor e Dilma Rousseff, a crise de governabilidade resultou da perda de controle da agenda do Legislativo, além do fim da tolerância do establishment. A dinâmica política assumiu autonomia, veio a impopularidade e, no caso de Dilma, a teimosia levou à tragédia da recessão.

Maria Cristina Fernandes - Operação isola mais o presidente do que os inquéritos de Brasília

- Valor Econômico

Caso Fabrício Queiroz impede Bolsonaro de compartilhar, politicamente, sua condição de vítima

A prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, isola mais o presidente e sua família do que quaisquer dos outros inquéritos em curso. Ao se debruçarem sobre máquinas de notícias falsas ou atos antidemocráticos, as investigações conduzidas no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral atingem não apenas o presidente Jair Bolsonaro e sua família, como os seguidores que têm intensa atuação nas ruas e nas redes sociais. O caso Fabrício Queiroz, ainda que, a princípio, ofereça menos dano jurídico ao presidente, o impede de compartilhar, politicamente, sua condição de vítima. O rolo das “rachadinhas” começa e acaba em sua família.

Depois de uma semana difícil, que teve a prisão de perpetradores dos atos antidemocráticos, a derrota no prosseguimento do inquérito das “fake news” e pressão sobre Abraham Weintraub que acabou levando à demissão do ministro, o presidente contava com o recesso do Judiciário e o Congresso em funcionamento remoto para jogar água na fervura das investigações que o cercam. A prisão do ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, porém, mostrou que a chapa não vai esfriar.

A síndrome de perseguição do presidente da República convive com um descuido incompatível com o cargo que ocupa e com os restos a pagar acumulados em sua carreira pública e de sua família. Um exemplo disso é a escolha de Frederick Wassef para advogado do filho e seu próprio, no inquérito que investiga o atentado de Adélio Bispo contra si, durante a campanha eleitoral.

É inexplicável que presidente que tem uma Agência Brasileira de Informações (Abin) na cabeceira contrate e franqueie acesso ao gabinete presidencial de um advogado que respondeu pelo desaparecimento de uma criança num ritual satânico nos anos 1990 em inquérito que envolveu busca e apreensão na mesma casa de Atibaia (SP) onde estava escondido Fabrício Queiroz.

Claudia Safatle - Renda mínima como produto da pandemia

- Valor Econômico

Oportunidade de reduzir a tremenda desigualdade de renda

Técnicos do Ministério da Economia e da pasta da Cidadania foram encarregados de dar forma ao programa de renda básica que tem como objetivo suceder, de maneira estrutural, o auxílio emergencial criado durante a pandemia da covid-19. O foco é fazer com que os recursos cheguem aos cerca de 50 milhões de pessoas que vivem na informalidade e que receberam as parcelas de R$ 600 do auxílio.

O ideal seria que a renda mínima, que foi batizada de renda Brasil, chegasse a esses trabalhadores informais ao término de mais duas parcelas de R$ 300 que foram prorrogadas pelo auxílio emergencial e que serão pagas em julho e agosto.

A renda mínima deverá resultar da fusão do Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada (BPC), do abono salarial (pago anualmente a quem recebe até dois salários mínimo e tem carteira assinada) e de outros programas de políticas públicas destinados a melhorar a terrível desigualdade de renda que o Brasil ostenta. Deverão fazer parte, também, o seguro-defeso (pago aos pescadores no período em que a pesca é proibida) e a Farmácia Popular.

Para isso, os técnicos vão sugerir ao governo que faça uma reviravolta no Orçamento da União em busca de recursos que estão indo hoje para programas sociais, mas que não chegam aos que realmente precisam, por serem mal focados.

Fernando Abrucio* - Sob Bolsonaro, reconstruir o país será difícil

A ajuda às empresas foi, até agora, claramente insuficiente. É paradoxal ter um grupo governante que se diz liberal, mas joga contra capitalistas e empreendedores

O início da flexibilização do isolamento social em boa parte do país dá a impressão de termos saído da pior fase da pandemia. No entanto, a situação é mais complexa por três razões. A primeira é que ainda não atingimos o ápice da doença, algo que, segundo epidemiologistas, poderá acontecer em junho ou, mais provavelmente, julho. Além disso, há chances de ocorrer uma segunda onda da covid-19 (ou o alargamento da primeira onda), fruto da maneira desorganizada com que tratamos a crise sanitária - e aí teríamos um número maior de mortes. E quando passar a fase mais aguda do novo coronavírus, virá o maior dos desafios: a reconstrução do país.

O desempenho do presidente Bolsonaro no combate à covid-19 tem sido sofrível até agora. Ele já foi considerado por analistas estrangeiros como o pior governante do mundo neste quesito. A maneira como o país está tentando sair da quarentena pode aumentar o descrédito do Brasil no cenário internacional, em especial se a doença revigorar seu poder de disseminação. Uma nova onda da pandemia, ademais, atrasaria ainda mais a retomada das atividades econômicas, e num cenário como esse o bolsonarismo pode dobrar a aposta na confusão, desinformação e conflito com os governos subnacionais e outros atores sociais, ampliando a crise atual.

O dia em que o Brasil sair do pior da pandemia será marcado por duas questões. A primeira dirá respeito ao legado deixado pelos erros no combate à covid-19. A desconstrução do SUS, o acirramento dos conflitos federativos, a ascensão de grupos bolsonaristas de extrema-direita que atentaram contra a democracia e a falta de liderança presidencial, que reduziu a capacidade de os governadores e prefeitos lidarem com a política sanitária local, serão marcas com impacto sobre o futuro.

Hipoteticamente, é possível recomeçar e buscar um novo modelo de relacionamento político. Porém, isso exigirá capacidade de organizar a reconstrução do país. E aqui está o segundo ponto: o governo Bolsonaro já deveria estar preparando o Brasil para o “day after” da crise, mas está completamente perdido. Fica a pergunta: o presidente tem condições de reconstruir a nação?

José de Souza Martins* - Julgamentos de estátuas

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Demolir símbolos das injustiças sociais do passado é justiçamento tardio, mas não é justiça que supere as injustiças que chegaram até nós

As reações, em diferentes países, ao assassinato de George Floyd, um homem negro, pela polícia, nos EUA, por ter tentado pagar uma conta com 20 dólares falsos, desdobrou-se, em diferentes países, no ataque a estátuas e monumentos públicos. São eles considerados descabidas celebrações da escravidão negra na África e nas Américas.

O movimento proclama direitos identitários dos que ficaram à margem da história, vítimas não só da discriminação explícita, mas também da discriminação oculta, refugiada na hipocrisia tão própria da sociedade contemporânea.

Muitos dos que veem racismo em monumentos e obras de arte, no modo como a eles reagem, porque discriminam quem não lhes é igual, não raro, são tão racistas quanto aqueles que condenam. Não compreendem que a consciência socialmente crítica é um momento da superação das iniquidades que nos incomodam. Demolir símbolos das injustiças sociais do passado é justiçamento tardio, mas não é justiça que supere as injustiças que chegaram até nós.

Se o poder não tendesse a cegar quem, por desinteresse ou alienação, o personifica em relação à complexidade das questões sociais, os enigmas contidos nos monumentos seriam compreendidos, evitados ou corrigidos pelos governantes. A sociologia, a antropologia e a filosofia os ajudaria a não correr o risco da sua redução a agentes de intolerância.

Teriam outro entendimento do que é a sociedade e sua história. Seriam mais econômicos na disseminação de estátuas símbolos de classe social e menos econômicos na disseminação de obras de arte de simbolização universal da condição humana.

Instituições funcionam na prisão de Queiroz – Editorial | O Globo

Em vez de enxergar conspirações, o clã Bolsonaro deveria perceber que organismos de Estado trabalham

A prisão do PM aposentado Fabrício Queiroz, escondido numa casa do advogado do presidente em Atibaia, próximo a São Paulo, não deixou que Bolsonaro desse a clássica parada na saída do Alvorada, para confraternizar com sua claque.

É mais um baque para o presidente, pois Queiroz, com mandado de prisão expedido pela Justiça do Rio a pedido do Ministério Público estadual, ser encontrado sob a proteção de Frederick Wassef coloca um novo entulho no Planalto.

O PM aposentado, amigo do chefe do clã Bolsonaro, ficou muito próximo do filho Flávio, a quem assessorou na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) até o deputado estadual ser eleito senador em 2018, no vácuo do salto que o pai deu do baixo clero da Câmara dos Deputados para o Planalto. Até lá, comprova o MP fluminense, Queiroz operou um esquema de “rachadinha”, desvio de parte de salários de assessores de deputados que teria sido lavada em operações com imóveis e outras feitas por Flávio e seu entorno. Nada que atinja diretamente o presidente, salvo cheques que esbarram nele, por terem sido depositados por Queiroz na conta da primeira-dama Michelle, justificados por Bolsonaro como pagamento de dívida. Pode ser.

Caso de polícia – Editorial | O Estado de S. Paulo

O Brasil deveria aproveitar para refletir por que razão, desde a eclosão do escândalo do mensalão, a política se tornou um permanente caso de polícia

A prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro e amigo há décadas do presidente Jair Bolsonaro, suscita muitas perguntas incômodas que devem ser respondidas o quanto antes, para tranquilidade da Nação.

Queiroz foi preso sob acusação de interferir na coleta de provas no caso em que é investigado por suspeita de participação em esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. No esquema, funcionários de Flávio Bolsonaro, então deputado estadual, devolviam parte do salário que recebiam. O dinheiro era depositado numa conta de Queiroz, que fez movimentações bancárias consideradas suspeitas em fiscalização federal – inclusive um depósito de R$ 24 mil na conta da hoje primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Para o Ministério Público, trata-se de uma organização criminosa montada no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Desde que o escândalo emergiu, em dezembro de 2018, o presidente e Flávio Bolsonaro, seu filho, dizem que se trata de perseguição política. A reação de Flávio Bolsonaro à prisão de seu antigo assessor segue nessa linha: “Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve nenhuma vírgula contra mim. Bastou o presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!”, escreveu o senador numa rede social.

Alívio à vista – Editorial | Folha de S. Paulo

Recuo na taxa de contágio do coronavírus é boa notícia, mas não permite folga

Em meio a tantas más novas sobre a pandemia de Covid-19, a informação de que a taxa de contágio vem caindo no Brasil surge como raro alívio. O cálculo, realizado pelo Imperial College de Londres, indica que o importante indicador epidemiológico recuou por três semanas em sequência.

Esse número, conhecido como Rt, indica a velocidade com que a doença avança na população. No momento, o valor estaria em 1,05 no país, o que equivale a dizer que 100 infectados transmitem o coronavírus para outras 105 pessoas, estas para 110,25, e assim por diante.

Na semana anterior, a cifra era ligeiramente maior, 1,08; no final de abril, desenfreados 2,8. A aproximação daquele limiar que separa a transmissão fora de controle da epidemia em regressão sugere que a doença se encontra perto de alcançar um patamar a partir do qual poderia começar a retroceder —vale dizer, Rt abaixo de 1.

Quantidades decrescentes de novas infecções e mortes diárias não são favas contadas, porém. A suspensão abrupta do distanciamento social, como parece ocorrer em vários pontos do território, pode bem manter-nos num platô elevado ou até desencadear uma segunda onda do flagelo que já apanhou quase um milhão de brasileiros e deixou mais de 47 mil mortos.

Reação da economia fará com que deflação seja breve – Editorial | Valor Econômico

Com a queda abissal das atividades, a cautela do Banco Central parece preciosismo ocioso

A economia brasileira teve seu pior desempenho desde a depressão dos anos 30 e as estatísticas de abril confirmaram isso, em todos os setores. Em relação a março, os serviços recuaram 11,7%, o varejo, 16,8% e a indústria, 18,8%, recordes nas respectivas séries históricas. No ano, a inflação acompanhou o mergulho da oferta e transformou-se, em maio, em uma deflação no ano de -0,16%. As previsões de que o PIB deve encolher 6,5% (Focus) pode ser um palpite otimista, diante das que apontam queda de 10%. De acordo com o Indicador de Atividade Econômica da FGV, o PIB caiu 12,9% em abril. Pelo IBC-Br, do Banco Central, o tombo foi de 15,09%, desta vez sobre abril de 2019. Estes são os piores números e possivelmente já refletem o passado.

Há enormes incertezas no horizonte, a maior parte delas derivada do desenrolar da pandemia - não só sobre o fim da primeira onda, que ainda não terminou, mas da possibilidade da segunda, com a qual se deparam China e vários Estados americanos. A economia deu sinais de fim da prostração em maio, segundo indicadores antecedentes. O fim da parada súbita pode ser também o fim de dois meses de deflação (-0,31% em abril, -0,38% em maio).

Apesar do índice cheio indicar deflação maior em maio, os principais componentes do IPCA sugerem que a variação negativa dos preços pode terminar logo. Houve alta menor em alimentação em relação a abril (0,24% ante 1,79%) e em habitação (-0,25% ante 0,1%), mas nos demais grupos a magnitude da deflação diminuiu ou os preços voltaram a aumentar. O maior impacto individual do mês veio da gasolina (-4,35%), metade da queda de abril.

Poesia | Fernando Pessoa - A Novela Inacabada

A novela inacabada,
Que o meu sonho completou,
Não era de rei ou fada
Mas era de quem não sou.

Para além do que dizia
Dizia eu quem não era...
A primavera floria
Sem que houvesse primavera.

Lenda do sonho que vivo,
Perdida por a salvar...
Mas quem me arrancou o livro
Que eu quis ter sem acabar?