quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Luiz Carlos Azedo - O projeto conservador

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A dois anos do bicentenário da independência, as ideias de Oliveira Viana parecem renascer das cinzas, como fênix, diante da grande interrogação: que país seremos daqui a 100 anos?”

Há 100 anos, o livro de um autor até então desconhecido, com 37 anos, fez estrondoso sucesso literário e político: Populações Meridionais do Brasil, de Oliveira Viana. Escrito entre 1916 e 1918, levou dois anos para ser publicado, pela livraria José Olympio. Somente um intelectual da época ousou contestá-lo, Astrojildo Pereira, um dos grandes biógrafos de Machado de Assis, jornalista, crítico literário e anarquista, que se converteria ao marxismo e, dois anos depois, fundaria o Partido Comunista. O que dizia Viana? Ele definia três arquétipos para o povo brasileiro: o sertanejo, o matuto e o gaúcho, os quais pretendia analisar, desenvolvendo um projeto de pesquisa ambicioso, ao qual deu sequência com a publicação meteórica de mais quatro ensaios: O Idealismo da Constituição (1920), Pequenos Estudos da Psicologia Social (1921), Evolução do Povo Brasileiro (1923) e O Ocaso do Império (1924). O primeiro volume de Populações Meridionais do Brasil dedicou aos paulistas, fluminenses e mineiros; o segundo, ao campeador rio-grandense. Partia do homem para criticar as instituições da época.

“O sentimento das nossas realidades, tão sólido e seguro nos velhos capitães gerais, desapareceu, com efeito, das nossas classes dirigentes: há um século vivemos praticamente em pleno sonho. Os métodos objetivos e práticos de administração e legislação desses estadistas coloniais foram inteiramente abandonados pelos que têm dirigido o país depois da independência. O grande movimento democrático da Revolução Francesa; as agitações parlamentares inglesas; o espírito liberal das instituições que regem a república americana, tudo isto exerceu e exerce sobre nossos dirigentes, políticos, estadistas, legisladores, publicistas, uma fascinação magnética que lhes daltoniza completamente a visão nacional dos nossos problemas. Sob esse fascínio inelutável, perdem a noção objetiva do Brasil real e criam para uso deles um Brasil artificial e peregrino, um Brasil de manifesto aduaneiro, made in Europa, sorte de Cosmorama extravagante. Sobre o fundo de florestas e campos, ainda por descobrir e civilizar, passam e repassam cenas e figuras tipicamente europeias.”

Oliveira Viana faz um ataque frontal aos liberais brasileiros, corroborado pela iniquidade social que havia sido desnudada por Euclides da Cunha, ao descrever a Guerra de Canudos, n’Os Sertões. Concluía que era preciso “coragem infinita” para “contravir ostensivamente às ideias de liberdade e construir um poderoso Estado centralizado, capaz de impor-se a todo o país pelo prestígio fascinante de uma grande missão nacional”. Ao dizer que era impossível reproduzir aqui no Brasil o parlamentarismo inglês, o liberalismo democrático à francesa, ou o federalismo e descentralização republicana ao estilo americano, como lembra o falecido jornalista e cientista político Gildo Marçal Brandão, em Linhagens do Pensamento Político Brasileiro (Hucitec), Oliveira Viana recomendava uma intervenção radical pelo Estado, destinado a promover a industrialização e criação de bases sociais aptas a sustentar governos liberais, o que alguns viram como uma espécie de “autoritarismo instrumental”.

Merval Pereira - Manobra interrompida

- O Globo

As decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux e Celso de Mello sobre o julgamento de Deltan Dallagnol pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), marcado para ontem, mas suspenso, dão uma visão menos política e mais técnica das disputas sobre os procedimentos da Operação Lava-Jato.

Por isso, é apressado tirar-se alguma conclusão sobre os efeitos da decisão de ontem sobre sua posição futura, se participar do julgamento da Segunda Turma do STF sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro nos julgamentos do ex-presidente Lula. Mas é possível fazer-se a ilação de que sua posição de exigir provas evidentes para uma decisão exclui a utilização das reportagens do Intercept Brasil baseadas em informações roubas dos celulares de procuradores de Curitiba, pois são provas ilegais.

Já iniciado, esse julgamento conta com dois votos dados a favor de Moro, os dos ministros Edson Fachin e Carmem Lucia. O ministro Gilmar Mendes, que pediu vistas e decidirá quando o tema voltará à pauta, e Ricardo Lewandowski devem votar a favor de Lula, ficando para o decano o desempate.

Mas ele se aposenta em novembro, e se até lá a ação não for julgada, a Segunda Turma poderá decidir com apenas quatro ministros, e o empate favorece Lula. Ou o então presidente Luiz Fux poderá designar algum ministro para o lugar de Celso de Mello.

Seria feio julgar assunto tão delicado e polêmico sem a turma completa. Existe também a possibilidade de o futuro novo ministro ocupar o lugar do decano na Turma, mas essa substituição demorará muito, pois haverá necessidade de o indicado ser sabatinado pelo Senado.

Bernardo Mello Franco - Cavalo de Troia

- O Globo

O ministro Edson Fachin considera que as eleições de 2022 estão em risco. Em palestra na segunda-feira, o vice-presidente do TSE alertou para o avanço do autoritarismo no Brasil. Ele disse que é preciso proteger a democracia antes que seja tarde demais.

Sem citar nomes, Fachin afirmou que as ameaças começaram na última disputa presidencial. “A escalada do autoritarismo no Brasil após as eleições de 2018 agravou os males da saúde da democracia”, disse, no VII Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral.

Nas palavras do ministro, o país pegou a “contramão da História” e passou a conviver com “surtos arrogantes e ameaças de intervenção”. “O futuro está sendo contaminado por despotismo, e lamentavelmente nos aproximamos do abismo”, avisou.

Fachin recorreu à Grécia Antiga para explicar a enrascada do Brasil atual. Ele disse que “há um cavalo de Troia” dentro da fortaleza democrática erguida pela Constituição de 1988. “Esse cavalo de Troia apresenta laços com milícias e organizações envolvidas com atividades ilícitas”, acrescentou.

Rosângela Bittar - O artilheiro e seu canhão

- O Estado de S.Paulo

Com um profissional no papel de formulador da tática, Bolsonaro foi cuidar dos disparos de canhão

O primeiro sinal para o início do espetáculo da sucessão soou como um alarme. E os adversários de Jair Bolsonaro na disputa à Presidência acordaram, embora tarde. Luciano Huck, que já teria decidido disputar, permanece indiferente ao tempo e não se anuncia. O que não lhe tira a vantagem de ser o candidato mais perto do povo, mas aprofunda sua desvantagem de distanciamento do mundo político. Desperdiça a campanha municipal como palanque ideal para uma aproximação necessária da máquina indispensável à disputa eleitoral.

Empenhado em tirar efeito das providências do Estado no combate à pandemia, João Doria está em situação oposta. Candidato mais próximo da máquina política, está sem condições, no momento, de mergulhar no burburinho municipal e misturar-se ao povo.

Ciro Gomes, sem mandato ou cargo que fixe sua imagem, e desgastado pela memória de embates anteriores, parece não ter um plano de recomeço. Talvez ainda intimidado pelo jogo petista que já voltou às mesas de bar: Lula poderá ser candidato? Fernando Haddad terá fôlego?

Sobre Sérgio Moro o que ressalta é a falta de iniciativa para transpor o paredão artificialmente erguido para que sua candidatura se viabilize. Falta-lhe de um tudo e, como para os demais, o tempo de construção é agora.

Um novelo que precisa ser urgentemente desfeito sob pena de a reeleição de Bolsonaro se consolidar muito cedo. O candidato no futuro que está no cargo presente pode abusar da oferta de benesses ao eleitorado e aos cabos eleitorais. Se acrescentar a estas vantagens a de não ter adversário, quando se sabe que terá, apenas adia-se a brecha da fraqueza.

Fortes candidatos a deputado federal, fundamentais na campanha presidencial, devem sair do quadro de perdedores das eleições municipais. O projeto em que vão se engajar precisa estar claro, no dia seguinte. Enquanto Bolsonaro for o único palanque presidencial na campanha municipal, sua vitória é presente de mão beijada.

Vera Magalhães - Alô, alô, marciano

- O Estado de S.Paulo

Marciano desavisado que olhasse as manchetes do Brasil nesta terça-feira acreditaria nos versos de Rita Lee, segundo os quais 'pra variar estamos em guerra'

O marciano desavisado que olhasse as manchetes do Brasil nesta terça-feira, uma semana antes do prazo final para o envio do Orçamento de 2021 ao Congresso, acreditaria nos versos de Rita Lee, segundo os quais “pra variar estamos em guerra”.

O senhor da guerra é Jair Bolsonaro, cuja última diatribe é esquadrinhar uma divisão de recursos que privilegia a Defesa em detrimento da Educação durante uma pandemia que vitimou centenas de milhares, continua comendo solta e deixou estudantes em casa por um ano, muitos dos quais ao Deus-dará.

Pelo último esboço da proposta que tem de ser enviada até o dia 31, a Defesa teria R$ 8,2 bilhões a mais de dinheiro que a Educação.

Em tempos de uma “briga danada” pelo Orçamento, como afirma o próprio presidente, a escolha de prioridades diz tudo sobre o governo de turno, mais preocupado em recompor o que considera “injustiças” com os militares cometidas desde a redemocratização, que na verdade são apenas um tremendo reforço a privilégios seculares.

Ricardo Noblat - O calvário da menina violentada pelo tio, o Estado e as redes sociais

- Blog do Noblat | Veja

O aborto foi mais grave do que o estupro, segundo arcebispo

A menina de 10 anos submetida a um aborto no Recife foi estuprada por três entidades, como bem observou Djamila Taís Ribeiro dos Santos, pesquisadora e mestra em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo: o tio, desde que ela tinha seis anos, o Estado brasileiro e as plataformas que abrigam as redes sociais desde que o seu caso tornou-se público.

O tio entregou-se à polícia de Minas Gerais e foi recambiado para o Espírito Santo, onde confessou informalmente seu crime. No passado, fora condenado e preso por tráfico de drogas. O Estado brasileiro e as plataformas devem explicações sobre seu comportamento e, em breve, serão acionados na Justiça para que as ofereçam se insistirem em permanecer calados.

Dois assessores da ministra Damares Alves, da Mulher e dos Direitos Humanos, foram enviados de Brasília para pressionarem a avó da menina a convencê-la a não abortar. A eles se juntaram no Espírito Santo cristãos ultraconservadores que tiveram acesso à menina e aos seus dados pessoais. Sob a alegação de “razões técnicas”, hospitais do Estado se recusaram a fazer a cirurgia.

Em um deles, por 36 horas, a menina ficou internada e submeteu-se a exames. Médicos, ali, a persuadiram sem sucesso a manter a gravidez indesejada e fruto de um crime. Levada para o Recife, antes mesmo que chegasse por lá, seu nome, destino e nome do hospital onde seria atendida já circulavam impunemente nas redes sociais. Só foram apagados mais de 24 horas depois.

A menina deu entrada no hospital escondida na mala de um carro e por uma porta dos fundos. A porta da frente estava ocupada por dezenas de cristãos extremistas mobilizados por políticos locais. Antes de ela ser operada, dois médicos, também cristãos extremistas, conseguiram entrar no hospital e a abordaram chamando atenção para o sofrimento que seria imposto ao feto.

Consumado o aborto que havia sido autorizado pela justiça, não se sabe se a menina e a avó que a acompanhava foram informadas sobre o que disse a respeito o arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido. Ele simplesmente afirmou: “Se grave foi a violência do tio que vinha abusando de uma criança indefesa (…), gravíssimo foi o aborto realizado”.

Dito de outra maneira: para o arcebispo, alinhado com os cristãos que recepcionaram a menina à sua entrada no hospital com gritos de “assassina”, o aborto foi um fato mais grave (“gravíssimo”) do que o estupro continuado por quatro anos que ele qualificou como um abuso apenas “grave”. Em 2018, segundo o Ministério da Saúde, 21.172 crianças com idade entre 10 e 14 anos deram à luz.

Do total, 15.851 eram meninas negras, assim como a garota que desembarcou no Recife abraçada a dois brinquedos: um sapo e uma girafa de pelúcia.

Hélio Schwartsman - Antiabortismo estrutural

- Folha de S. Paulo

Profissionais de saúde devem agir mais como profissionais de saúde e menos como juízes

Assim como existe o racismo estrutural, existe o antiabortismo estrutural. O caso da menina de dez anos que ganhou as manchetes nos últimos dias é a crônica desse viés institucional contra a autonomia da mulher.

Se uma criança de dez anos aparece grávida, a primeira providência de qualquer serviço de saúde deve ser realizar o aborto e só depois começar a fazer perguntas. Do ponto de vista da legislação, não há que pestanejar.

Uma gestação em menor de 14 anos só pode ser resultado do que antigamente se chamava de estupro presumido. Uma gestação aos dez anos implica risco de vida. São as duas hipóteses em que o Código Penal (CP) autoriza o aborto. Detalhe importante: nem o CP nem nenhuma outra lei exigem autorização judicial para a realização do procedimento.

- Elio Gaspari - Um terreno baldio chamado Palocci

- Folha de S. Paulo / O Globo

O comissário petista avacalhou as delações

Não foi por falta de aviso. Em 2018, quando se falava numa eventual colaboração de Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda de Lula e quindim da banca, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da Lava-Jato, dizia que aquilo que poderia ser uma delação do “fim do mundo” estava mais para “fim da picada”. Palocci negociava com o Ministério Público, mas sua colaboração foi rebarbada. O doutor estava na cadeia, onde cultivava uma pequena horta. Começou a conversar com a Polícia Federal e com ela conseguiu fechar um acordo que o levou para casa. Passaram-se alguns meses, e Carlos Fernando voltou à carga: “O procedimento de delação virou um caos”.

De nada serviram as advertências. O caos prosperou, e a colaboração de Palocci, com suas 86 páginas, foi astuciosamente divulgada pelo juiz Sergio Moro dias antes do primeiro turno da eleição de 2018.

Olhada de longe, foi explosiva. Examinada de perto, assemelhava-se à cabeça daqueles que Tancredo Neves queria maltratar: “Parece um terreno baldio, onde as pessoas que passam jogam o que querem”. Naquele terreno baldio havia lixo, mas lá estavam também coisas que poderiam ser investigadas. A ajuda do ditador líbio Muamar Kadafi às primeiras campanhas de Lula, por exemplo. Palocci indicou como o dinheiro teria chegado ao PT, mas não se conhece providência para puxar esse fio.

Ruy Castro* - Sem caráter, como toda nuvem

- Folha de S. Paulo

Os eleitores de Bolsonaro o olham e ele está de um jeito; olham de novo e já mudou

A frase é conhecida: “Política é como nuvem —você olha e ela está de um jeito; olha de novo e já mudou”. Deve ter sido inventada na Europa do século 18, mas, no Brasil, é atribuída ao mineiro Magalhães Pinto (1909-1996). Em março de 1964, como governador de Minas Gerais, ele se passava por aliado do presidente João Goulart. No dia 31, sentindo a mudança na nuvem, partiu para derrubá-lo. Mas, ao contrário do que esperava, não ganhou nada com isso. Bem feito, quem o mandou estar com a cabeça nas nuvens?

Há políticos que mudam tanto que nem as nuvens os acompanham. Vide Jair Bolsonaro. Só os papalvos o acreditavam diferente, mas de hora em hora se parece mais com os políticos que fingia combater. Ao sentir, por exemplo, que suas bravatas o estavam isolando, fez como todos os governos antes dele —comprou o centrão, com ministérios, bancos e verbas. Uma das moedas dessa compra foi passar o pano em Michel Temer e mandá-lo oficialmente ao Líbano.

Bruno Boghossian – As sete vidas de Paulo Guedes

- Folha de S. Paulo

Com garantias de permanência do auxiliar, Bolsonaro força recuos e mantém ruídos na relação

Ainda na eleição, Jair Bolsonaro tentou abafar os primeiros rumores de que Paulo Guedes deixaria sua equipe. O economista era alvo dentro do comitê de campanha por sugerir a criação de um imposto nos moldes da velha CPMF. “O Paulo segue firme”, afiançou o candidato.

Apesar do aval público, o presidente manteve o conselheiro sob risco permanente. Bolsonaro precisou defender o auxiliar outras seis vezes. Negou sua demissão e simulou apoio a sua agenda. Em quase todos os casos, porém, forçou o ministro a recuar e preservou os ruídos da relação.

Quando o fantasma do novo imposto incomodou a campanha de Bolsonaro, após o primeiro turno, o candidato quis proteger o economista. Disse que a ideia da CPMF era “um ato falho” e que não criaria novos tributos. Guedes ainda insiste, mas o chefe nunca abraçou o plano.

Na largada do mandato, os atritos da reforma administrativa levaram o presidente a repetir o script. Em outubro, Bolsonaro defendeu a pauta do ministro e disse que havia “100%” de confiança entre os dois.

Fábio Alves - Adeus à agenda liberal

- O Estado de S.Paulo

Piora do risco fiscal impede que o real se beneficie da desvalorização global do dólar

As idas e vindas do presidente Jair Bolsonaro em relação à manutenção do teto de gastos, a pressão por mais investimentos públicos e a debandada de importantes assessores do Ministério da Economia são evidências de um risco que o mercado ainda insiste em não precificar corretamente: a fritura da agenda liberal veio para ficar.

Em meio ao ruído de declarações desencontradas, nos últimos dias, a forte correção nos ativos brasileiros causou estresse, mas é possível dizer que os investidores ainda dão o benefício da dúvida a Paulo Guedes e sua agenda liberal. Ou seja, o pior da turbulência não ficou para trás.

Com Bolsonaro já pensando na reeleição presidencial em 2022, parece cada vez menos provável que uma reforma administrativa avance ou que a privatização de estatais relevantes aconteça durante o mandato do presidente.

A pressão por aumento nas transferências de renda pelo governo – via prorrogação do auxílio emergencial ou novo programa de renda mínima com orçamento extra – e por maior gasto público em investimentos parece igualmente sinalizar o relaxamento das regras do teto fiscal em 2021.

É crescente o sentimento de que Guedes vem perdendo, pouco a pouco, a batalha para evitar que o teto de gastos seja driblado, evaporando a confiança de investidores na única âncora fiscal do Brasil. Não à toa, uma incerteza segue pairando no mercado: o quanto o teto é, de fato, um ponto inegociável para o ministro da Economia e o quanto ele, Guedes, é indispensável para Bolsonaro.

Míriam Leitão - O insustentável peso do auxílio

- O Globo

A Petrobras valia ontem a preço de mercado R$ 300 bilhões. O auxílio emergencial custa o dobro disso em um ano. Se fosse mantido por doze meses, seriam R$ 600 bilhões. Vinte vezes mais do que o Bolsa Família, que no mesmo período consome R$ 30 bilhões. O auxílio que tem tal peso nas contas é o que encanta o presidente Bolsonaro. O ministro Paulo Guedes oferece um prêmio de consolação: o Renda Brasil. Ele será insuficiente para manter a sensação dada a quem recebeu o auxílio nesta pandemia.

Esse é o centro de um dos dilemas de Paulo Guedes. O auxílio reduziu o peso da recessão e aumentou a popularidade do presidente. Contudo, tem um custo impagável. O outro dilema são os investimentos pedidos pelos militares e as obras defendidas pelos ministros setoriais. Separadas podem ter boas justificativas, todas juntas serão a pá de cal no programa que o ministro vendeu ao mercado como aquele que seria aplicado durante o governo Bolsonaro. Resta pouca coisa do programa original. Não foi feita a privatização, a reforma administrativa mofa na gaveta presidencial, a capitalização foi derrubada pelo Congresso, a abertura comercial virou um acordo com a União Europeia de incerta homologação. Se descarrilhar o gasto, nada restará.

Agosto é mês em que todo ministro da economia fica sob pressão porque fecha-se o orçamento e cada área quer evitar cortes. Desta vez é pior porque a situação é muito mais complicada. A pandemia elevou espantosamente os desafios fiscais do país. Luta-se pelo gasto imediato e pela despesa do ano que vem.

Renda Brasil: Mais de 20 milhões de famílias com benefícios de R$ 300
Há uma velha lei da selva brasiliense. Toda vez que o presidente tem que dizer que alguém está prestigiado é porque este alguém está sob ataque. Quem está forte não precisa ser fortalecido. No caso de Paulo Guedes, ele sentiu necessidade de reforçar a si mesmo e disse que Bolsonaro tem confiança nele e ele tem confiança no presidente.

Vinicius Torres Freire – Derrubar o teto sem acabar com a casa

- Folha de S. Paulo

Limite de gastos precisa de reforma profunda, mas governismo tenta avacalhar

As feias necessidades politizaram de modo imediato e ruim a discussão do teto de gastos: a necessidade da pobreza ora atenuada pelos auxílios emergenciais e a necessidade eleitoreira de Jair Bolsonaro.

Não haverá Renda Brasil sem um talho fundo em outras despesas sociais ou implosão do teto; não haverá nem breve temporada de investimentos “em obras” sem gambiarra para burlar o limite de gastos.

Essa tensão, como é óbvio, resultou na tentativa de neutralizar ou fritar Paulo Guedes a fim de dar um jeitinho no teto. Em decorrência, surgiu uma campanha reativa de defesa do teto que é muito razoável até certo limite, que é o de impedir uma avacalhação politiqueira do limite constitucional de gastos federais. Daí em diante, o movimento pende para a sacralização do que é apenas uma regra pragmática.

No caso de Bolsonaro e de seus novos amigos, a politização vulgar é bem evidente. Guedes apenas não foi chutado para escanteio ou para fora do estádio porque até este governo parece perceber que derrubar o teto de modo muito descarado seria contraproducente. Ou seja, teria efeitos econômicos negativos imediatos.

Mas Bolsonaro e seus aliados continuam com um problema eleitoral. O teto continua com seus problemas congênitos —mais dia, menos dia, será inviável econômica, social e politicamente. Logo, é preciso impedir a avacalhação do limite de gastos e ao mesmo tempo pensar em como reformá-lo.

Fernando Exman - É necessário lembrar o óbvio sobre o teto

- Valor Econômico

Disputa sobre o controle de gastos está longe de acabar

Viramos uma sociedade que não se espanta mais quando o presidente da República se vê compelido a convocar a imprensa para garantir, ao lado da cúpula do Legislativo, que respeitará a Constituição.

Na prática, esse é o substrato do que ocorreu na semana passada, quando o presidente Jair Bolsonaro chamou para uma reunião improvisada no Palácio da Alvorada o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ministros de Estado e líderes governistas no Congresso. A imprensa foi avisada que o presidente faria um pronunciamento após o encontro, organizado de última hora com o objetivo de acalmar o mercado e dissipar as dúvidas sobre a permanência no governo do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Bolsonaro disse respeitar o teto de gastos e perseguir a responsabilidade fiscal. Guedes ouviu o que queria. O mercado decidiu acompanhar as cenas dos próximos capítulos.

Quem acabou se dando bem foi o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Convidado, o ministro Dias Toffoli tinha um problema de saúde e escapou da cena em que Bolsonaro teria que repetir mais uma vez o que tantas vezes já jurou ao tomar posse como deputado federal e ao assumir a Presidência da República.

Em todas essas ocasiões, o juramento exigido pela legislação não deixa margem para interpretações heterodoxas. “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil", afirmam em alto e bom som todas as autoridades recém-eleitas, antes de começarem a exercer seus respectivos mandatos.

Cristiano Romero - A reforma esquecida

- Valor Econômico

Reformar Estado não é demonizar servidor público

No país das reformas que nunca são concluídas, a administrativa é inadiável. Na verdade, deveria ter sido feita antes mesmo da reforma previdenciária e, agora, deveria ser apreciada antes da reforma tributária, que atolou e cujo destino é o fracasso, uma vez que trata de interesses inconciliáveis da União com os demais entes da Federação, dos Estados mais ricos com os menos afortunados e do governo central (leia-se, o Fisco) com as empresas.

Sem que se reforme o Estado brasileiro, o gasto público continuará sendo alto e pouco efetivo. A carga tributária (em torno de 33% do PIB), uma das maiores dos países em desenvolvimento, terá que ser sempre elevada para bancar despesas crescentes - mesmo nesse patamar, a arrecadação não cobre desde 2014 nem sequer a despesa primária (conceito que não inclui o gasto com juros).

Sem reforma, os serviços públicos prestados à população, principalmente a mais pobre, serão sempre de baixa qualidade. A competitividade das empresas brasileiras face aos concorrentes internacionais estará sempre comprometida, o que é ruim para todos, porque isso gera menos riqueza, portanto, menos empregos, menos renda etc.

O Brasil tem um Estado caro e um serviço público de baixa qualidade. Isso torna irrefutável a necessidade de reforma. Tem algo errado e, sem demonização do funcionalismo público, a sociedade precisa acordar para o problema. Tome-se o caso da educação: apesar dos avanços ocorridos desde a promulgação da Constituição, em 1988, especialmente no que diz respeito à universalização do ensino básico, o gasto chegou a 6% do PIB, mas a qualidade não acompanhou.

O senador Antonio Anastasia (PSD-MG) criou, com a ajuda da colega Kátia Abreu (PP-TO) e do deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa (FPMRA). Sem alarde, o grupo está dialogando com todas as partes envolvidas no tema, para formular um conjunto de projetos de lei, além de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), destinados a reformar profundamente a forma como o Estado brasileiro funciona.

Flávio R. Kothe* - A propósito do maior imposto sobre o livro

O governo federal aventou o desejo de taxar o livro em mais 12% de impostos, o que provocou, nos últimos dias, a reação de editores, livreiros, donos de gráficas e escritores. O governo alega que pobre não lê; os interessados dizem que o livro precisa ser barateado para que ele possa ler. Marx lamentava que o capitalismo estivesse então pouco desenvolvido na área editorial, da qual ele próprio dependia.

Quando estudei em Berlim Ocidental e ainda havia socialismo do outro lado do Muro, meus colegas costumavam comprar livros lá, pois não eram considerados mercadorias e sim bens culturais. Quando o socialismo soviético caiu, os preços das partituras musicais, por exemplo, aumentaram muito (como também o preço da cerveja). Os que se deram bem conseguiram, no entanto, salários mais altos. O sistema caiu porque não soube fazer preços de acordo com os custos. Foi autoritário ao ideologizar os preços conforme o que fosse considerado necessário ou luxo.

Em livro recente, Fundamentos da teoria literária, eu me fazia perguntas como: qual é o valor do poeta onde nada se dá por ele? Qual é o preço do que tem valor inestimável, e não é estimado? Qual é o valor da palavra na era do best-seller? Será o valor da arte proporcional ao preço? O que significa a arte ser transformada em mercadoria? Como se impõem hoje obras ao público pela escola e pela propaganda? Qual é a relação entre valor artístico e preço de uma obra?

Se o preço expressa o valor do trabalho social médio para produzir a mercadoria, a criação genial escapa a essa mediania. Fora do parâmetro, ela pode ou não ser reconhecida em termos de preço. Se o artista inovador não é reconhecido por causa da ruptura de paradigma, ele é deixado à margem e não consegue viver do que produz, pois o mercado não o reconhece. Boas obras podem ser perdidas ou nem ser descobertas, assim como obras menores podem ser valorizadas por razões não artísticas, como a conveniência de governos, instituições eclesiais, partidos políticos.

Temos três tipos de escritores: os que precisam pagar para ser lidos; os que conseguem publicar sem pagar nem receber; os que são pagos para escrever. Dos primeiros para os últimos há um afunilamento. Professores, jornalistas, médicos e advogados são pagos pelas palavras que produzem. Pode-se calcular o preço de cada sílaba. O preço é o valor atribuído pelo mercado, ou seja, o valor de troca da sílaba. Nem todo bem que se gera passa, no entanto, pelo mercado. As frutas e verduras que colho no meu quintal para meu consumo não passam pelo mercado, mas atendem a necessidades.

Zuenir Ventura - Em defesa do livro

- O Globo

É um governo coerente: nega a ciência e despreza a cultura

A proposta de incluir a taxação do livro na reforma tributária, como quer o ministro Paulo Guedes, encarecendo em até 20% o preço de capa do exemplar, continua provocando reações. Para Ricardo Ramos Filho, presidente da UBE (União Brasileira de Escritores), a medida conspira contra os objetivos de desenvolver e aumentar a competitividade do país no cenário internacional.

O êxito nessas metas depende substancialmente da formação cultural e técnica que é impossível sem o acesso amplo à leitura, que não deve ser um privilégio, mas uma prerrogativa de toda a população.

Mais grave do que a própria proposição é a justificativa do ministro, de que “livros são artigos para a elite”, e o governo “os dará de graça aos pobres”. Ricardo Ramos conclama o poder público em todas as instâncias e a sociedade a se conscientizarem de que o valor dos livros diz respeito também à construção da cidadania. Além disso, a aparente generosidade oficial traz embutida uma sutil forma de doutrinação: o governo doa não só os livros, como o que se deve ler.

Mas eis que o colunista Lauro Jardim descobriu que as editoras têm um aliado de peso para não deixar que a reforma tributária de Paulo Guedes acabe com a isenção de impostos dos livros — a bancada evangélica. Ele explica: “em suas várias versões, a Bíblia continua sendo um dos livros mais vendidos do país, ano após ano”.

Não por acaso, ele classificou essa ajuda de “divina”.

Já o documento oficial da União Brasileira de Escritores, depois de considerar essas questões, termina manifestando sua “indignação” ante a proposta de tributação dos livros, que ameaçaria de modo grave a sobrevivência do setor, afetando editoras, livrarias e gráficas, em especial as pequenas, atingindo de modo contundente o mercado de trabalho e a renda de autores e demais profissionais.

Trata-se de um governo coerente: assim como nega a ciência e despreza a cultura, valoriza as armas e taxa os livros.

Roberto DaMatta - Apagar o passado

- O Globo

Vivemos momento em que se acende alerta de apagão político-moral

A consciência demanda organizar o passado. Há muitas formas de lidar com o tempo. Em sociedades sem escrita, nas quais a morte de um velho seria equivalente à perda parcial de muitos fatos e mitos — algo próximo da destruição de uma biblioteca nacional —, trata-se de um desastre inafiançável.

Será que um dia vamos conhecer nosso passado milenar? Ou existem passagens que simplesmente sumiram, como a poeira das galáxias e das nossas invisíveis almas?

O leitor pode se sentir incomodado pelo assunto. Eu, cronista enviesado, que, se não estou, devo ingressar na cavilosa lista dos antifascistas convictos, apenas reitero que muito do que fizemos é esquecido, senão propositadamente apagado, porque seria prova de incoerências, crimes, projetos hediondos e contradições incontornáveis, sobretudo em coletivos fundados na autoridade do pai, do rei, do supremo sacerdote ou do juiz.

Investigando nossas vidas, descobrimos coisas que apagamos e muitas outras que programamos esquecer. Quando esquecemos de boa-fé e eventualmente ferimos alguém, acertamos o mal-estar por meio de pedidos de desculpa ou perdão. No mundo jurídico-político anistiamos, formalmente suprimindo fatos passados. Reinterpretações desfazem e mudam o passado. Pedir desculpas, perdoar e anistiar “lavam a alma” e são passaportes para recomeços. Mas, para apagar ou esconder o passado debaixo do tapete, como é comum no Brasil, é necessário um penoso, discutível e complexo refazer histórico-social — tipo, como esquecer a ditadura militar. É preciso o autoritarismo forte presente para controlar, conforme sabia o Grande Irmão de George Orwell, o passado.

Aproximação de Bolsonaro com o PSL muda cenários nas eleições para prefeito de Rio e SP

Membros da cúpula do PSL querem substituir Joice Hasselmann, adversária de Bolsonaro, por Janaína Paschoal na disputa pela prefeitura de SP

Bernardo Mello e Paulo Cappelli | O Globo

RIO E BRASÍLIA — A aproximação do presidente Jair Bolsonaro de seu antigo partido, o PSL, começa a provocar reflexos nas pré-candidaturas a prefeito de Rio e São Paulo. Aliados do prefeito carioca, Marcelo Crivella (Republicanos), articulam para ter um político do PSL como vice na chapa à reeleição. O nome defendido é o da policial militar e deputada federal Major Fabiana (PSL-RJ). Em São Paulo, segundo a colunista Bela Megale, membros da cúpula do PSL querem substituir Joice Hasselmann, adversária de Bolsonaro, por Janaína Paschoal na disputa pela prefeitura. A deputada estadual foi sondada pelo presidente da sigla, Luciano Bivar, mas ainda não aceitou a empreitada.

Joice, pré-candidata a prefeita, enfrenta dois problemas. Para os contrários ao nome dela, Joice criou resistência interna, de parte da sigla, por ser considerada de “difícil trato” e “só atuar em benefício próprio”. Afirmam que ela mostra um desempenho abaixo do esperado em pesquisas internas.

Mulher e militar, dois requisitos visados pelo Aliança pelo Brasil, sigla que Bolsonaro tentou viabilizar, Major Fabiana chegou a assumir em 2019 uma secretaria no governo de Wilson Witzel (PSC), atual desafeto do presidente. A deputada comandou a pasta de Vitimização e Amparo à Pessoa com Deficiência em agosto do ano passado, quando o relacionamento entre o governador Witzel e Bolsonaro já não era dos melhores. Ela deixou o cargo em outubro, após o rompimento definitivo entre Witzel e o presidente, e passou a atuar pela criação do Aliança.

Farinha pouca, o pirão de sempre – Editorial | O Estado de S. Paulo

Respeitar os limites da responsabilidade fiscal implica mexer com regalias de corporações arraigadas nos Três Poderes

A uma simpatizante que na saída do Palácio da Alvorada lhe pediu mais gastos com a Defensoria Pública da União, o presidente Jair Bolsonaro, em tom de desabafo, disse que “está uma briga enorme por Orçamento” e que “cada vez mais diminui o montante”. Acrescentou que “está vindo muita gente com problemas justos” e cada um deles, “no final das contas, custa R$ 20 bilhões por ano e não tem dinheiro”.

A seu modo, o presidente tornou pública a costumeira disputa anual por espaço no Orçamento da União, cuja proposta tem de ser enviada ao Congresso até o dia 31 deste mês. É portanto neste momento que cada Ministério expõe suas necessidades e reivindica recursos para atendê-las, cabendo à equipe econômica organizar essas demandas conforme a receita esperada e dentro do que o presidente da República determinar como prioridade. Mesmo depois de aprovado, o Orçamento ainda pode sofrer contingenciamento de verbas, em razão de frustração de receitas.

Como o debate orçamentário dentro do governo ainda está em curso, não é possível saber, oficialmente, qual será a peça a ser apresentada para avaliação do Legislativo, e tudo o que se especule por ora se presta tão somente a alimentar o jogo de pressão pelos recursos – disputa especialmente feroz num contexto de grande retração econômica.

Também é importante lembrar que há uma ala bastante influente no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios que deseja promover uma revisão do teto de gastos – eufemismo para manobras fiscais destinadas a aumentar a gastança sem se ater às responsabilidades previstas em lei. A mera perspectiva de que o Orçamento possa vir com corte de verbas destinadas à Saúde e à Educação em razão da crise, como se revelou nos últimos dias, joga água no moinho dos que advogam pelo fim do teto de gastos – uma causa que une a esquerda nacional-desenvolvimentista e a direita saudosa dos grandiosos projetos de infraestrutura da época do regime militar –, como se o teto de gastos fosse o responsável pela penúria de áreas tão importantes para o País.

O ajuste de Doria – Editorial | Folha de S. Paulo

Tucano acerta em buscar equilíbrio fiscal, mas deve esclarecer avanço sobre Fapesp e universidades

Correto em seus objetivos, embora não necessariamente em todas as suas providências, o projeto do governo João Doria (PSDB) para ajustar as contas da administração paulista em 2021 enfrentará resistências por maus e bons motivos.

A proposta enviada à Assembleia Legislativa se justifica pelo impacto da pandemia de Covid-19 sobre a economia, a arrecadação tributária e as despesas públicas.

À diferença da União, que arcou com a maior parte dos custos da crise, governos estaduais e municipais têm reduzida capacidade de endividamento —e, portanto, de manter seus orçamentos em desequilíbrio sem consequências funestas para a prestação de serviços como educação, saúde e segurança.

No caso de São Paulo, estima-se que, se nada for feito, haverá um rombo de R$ 10,4 bilhões entre receitas e despesas no próximo ano, decorrente principalmente da queda da arrecadação. O pacote de Doria busca reduzir esse déficit em R$ 8,8 bilhões, segundo os números divulgados até agora, ainda por serem mais bem detalhados.

O avanço fortuito de Bolsonaro nas pesquisas – Editorial | Valor Econômico

Abraçado ao centrão, Bolsonaro poderá, em busca de cacife eleitoral, jogar a austeridade e Paulo Guedes pelos ares

Pesquisas de opinião são o retrato de um momento - e este é o melhor momento do presidente Jair Bolsonaro. A mais recente pesquisa do Datafolha mostrou que 37% dos entrevistados consideram seu governo ótimo ou bom, cinco pontos acima dos 32% do levantamento de junho, e sua rejeição caiu 10 pontos percentuais, de 44% para 34%. Desde abril de 2019, é a primeira vez que a avaliação positiva supera a negativa. Pontualmente, os números surpreendem, em um contexto de recessão e mais de 100 mil mortos em uma pandemia contra a qual o presidente nada fez, e muito fez para subestimá-la e desafiar as regras para conter um vírus extremamente contagioso.

Uma interpretação possível registra que os embates contra as instituições levado à frente por Bolsonaro não o teria prejudicado, enquanto que o Congresso, que lhe negou, com razão, aprovação para seus desvarios em série, viu subir sua taxa de desaprovação - sua atuação foi avaliada como ruim ou péssima por 37% ante 32% na pesquisa anterior. O Supremo Tribunal Federal, desafiado por Bolsonaro, teve alta da avaliação negativa, 26% para 29% e queda da positiva, de 40% para 38%.

O presidente foi poupado no julgamento de sua conduta diante da pandemia. 47% dos entrevistados disseram que Bolsonaro não tem culpa nenhuma pelas mais de 100 mil mortes pelo coronavírus no país, embora a formulação da pergunta permita uma ampla gradação de responsabilidades na mesma resposta. Dos 53% que lhe atribuem culpa, 11% o consideram o principal culpado, e 42% um deles, mas não o principal.

Entre 25 de maio e 11 de agosto não variou a fatia dos que acham que o presidente é muito responsável pelo avanço do coronavírus - 33%. A dos que acham que ele não é subiu de 45% para 49%. A estratégia clara de Bolsonaro foi tentar jogar a conta do combate ao vírus para os governadores e seus lockdowns aos quais se opôs. A proporção dos que acham que os governadores são muito responsáveis pelo avanço da covid-19 subiu de 19% para 24%.

Onde está o problema real do Orçamento – Editorial | O Globo

Não haverá mais dinheiro para Saúde ou Educação sem enfrentar a voracidade da máquina pública

Para quem acompanha a situação dramática das contas públicas, não há surpresa na proposta orçamentária que circula por Brasília, prevendo para 2021 cortes de 13% na Saúde e 5% na Educação — pasta que, pela primeira vez, receberia menos dinheiro que a Defesa (também cortada em 5%).

É compreensível a revolta com um governo que tira dinheiro de onde ele é mais necessário. A Saúde teve de receber neste ano, em virtude da pandemia, mais de R$ 40 bilhões além dos R$ 135 bilhões orçados originalmente — e não há sinal de que o coronavírus dará trégua no ano que vem. A Educação também terá de compensar o atraso decorrente de um ano peculiar no ensino — no caso de muitos, um ano perdido —, para não falar nas deficiências históricas.

Governos estaduais também têm recorrido a propostas que ofendem a necessidade. Exemplo é o projeto do governo paulista que, se aprovado, resultará em cortes de pesquisas necessárias, entre tantas missões, ao combate à pandemia.

Se a revolta é compreensível, é essencial que ela se projete na direção correta. Qualquer orçamento — federal, estadual ou municipal — reflete as distorções do Estado brasileiro. A principal é o engessamento das despesas obrigatórias — desde 2010, elas cresceram de 75% para 94% do total, no caso federal.

Após um ano, vazamento de óleo ainda é cercado por um mar de dúvidas – Editorial | O Globo

Sem identificar responsável pelo desastre na costa brasileira, fica difícil evitar casos semelhantes

Em agosto do ano passado, começaram a aparecer em praias do Nordeste espessas camadas de óleo parecidas com piche. Eram os primeiros sinais de um vazamento que se tornaria o maior desastre ambiental do litoral brasileiro. Apesar da extensão, um ano depois ainda não se sabe a origem das manchas que se estenderam por 4 mil quilômetros de costa, causando danos ao meio ao meio ambiente e prejuízos incalculáveis a 1.013 localidades de quase cem municípios, nos nove estados do Nordeste e em dois do Sudeste (Espírito Santo e Rio de Janeiro).

O inventário do desastre mostra que o governo demorou a agir e, quando agiu, foi errático e descoordenado, dificultando a mitigação dos danos e a própria investigação, até hoje em andamento. Embora chamasse a atenção a quantidade de óleo — estima-se quatro vezes mais do que a do vazamento na Baía de Guanabara em 2000 —, as autoridades só despertaram para o problema com um mês de atraso. Em 5 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro criou uma força-tarefa formada por Ibama, ICMBio, Marinha e Polícia Federal para tratar do vazamento. Somente no dia 11 de outubro foi acionado o Plano Nacional de Contingência.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Ruas

Por que ruas tão largas?
Por que ruas tão retas?
Meu passo torto
foi regulado pelos becos tortos
de onde venho.
Não sei andar na vastidão simétrica
implacável.
Cidade grande é isso?
Cidades são passagens sinuosas
de esconde- esconde
em que as casas aparecem-desaparecem
quando bem entendem
e todo mundo acha normal.
Aqui tudo é exposto
evidente
cintilante. Aqui
obrigam-me a nascer de novo, desarmado.