sábado, 3 de outubro de 2020

Merval Pereira - Há lugar para os dois?

- O Globo

Não foi a primeira vez, não será a última. A disputa de poder entre o ex-superministro da Economia Paulo Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, se desenvolve no terreno pantanoso da crise econômica que mais uma vez vivemos. Não há dinheiro para investimentos, para programas sociais, e a disputa entre os “desenvolvimentistas” e os “monetaristas” volta à tona, como acontece com freqüência quando há crise econômica.  


No governo João Figueiredo, aconteceu a disputa entre o ministro do Planejamento, Mario Henrique Simonsem, e o da Agricultura, Delfim Netto. No governo Fernando Henrique, houve o embate entre o ministro do Desenvolvimento Clóvis Carvalho e o da Fazenda, Pedro Malan. No primeiro caso, perdeu o Planejamento, no segundo, ganhou a Fazenda.  

Num governo em que a linha econômica era definida por Guedes, incontestável em certo momento, seria impossível que o ministro Tarcisio Freitas, da Infraestrutura, conseguisse verbas para obras com o apoio de ministros “da casa”, como os generais Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Braga Netto, da Casa Civil. Mas foi o que aconteceu.  

O ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho, uniu-se aos militares desenvolvimentistas e montou sua base longe do ministro da Economia Paulo Guedes, que o havia indicado para o cargo depois de tê-lo como assessor durante a reforma da Previdência.  

Daniel Aarão Reis - O beco tem saída

- O Globo

Enquanto os sábios analisam alternativas, a sociedade despenca num buraco sem fundo

 ‘Nada de puxadinhos’, zangou-se o ministro, o mesmo que leu oito livros — no original — sobre os processos de reorganização da economia mundial. “Precisamos de um programa social robusto, consistente e financiado.” Foi fácil encontrar acordo quanto aos dois primeiros adjetivos, mesmo porque, no governo, é unânime a opinião de que o país precisa de programas sociais “robustos e consistentes”. Nem tanto para aliviar a miséria dos que têm fome ou para mitigar o desespero dos desempregados. Nem tanto para estimular o consumo da sociedade ou o dinamismo da economia, mas porque um programa “robusto e consistente” é essencial para a reeleição do salvador da pátria, que precisa salvar-se a si mesmo para continuar posando como salvador de todos. Calou-se o coro dos que denunciavam o Bolsa Família como um programa demagógico e populista, feito sob medida para preguiçosos e para dar votos a seu criador. Entretanto o bicho está pegando quanto à terceira palavra do enunciado do douto ministro: como financiá-lo?

Ascânio Seleme - Uma andorinha só

- O Globo

Indicação de Kassio Marques para o STF é uma indicação do movimento de Bolsonaro para o cento: o centrão

Trata-se de uma questão de ponto de vista, mas não se pode negar que o presidente Jair Bolsonaro evoluiu desde a sua posse. No dia 1º de janeiro de 2019, o capitão era a imagem do mal usando faixa. Era um extremista de direita disposto a dar um golpe. Foi assim até outro dia, quando deslocou-se para o centro, digo, para o centrão. Até a chegada de Bolsonaro ao poder, o centrão era o que havia de mais nefasto na política. O presidente andou uma casa, se moveu do pior para o ruim.

A indicação de Kassio Marques para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal é uma indicação do movimento de Bolsonaro. Nenhuma dúvida que se trata de uma ação de natureza política, mas é com essa argamassa que se constrói entendimentos, pontes e saídas. O presidente está buscando consolidar para si uma posição mais confortável, uma alternativa viável para o seu governo, que mais patina do que anda para frente.

O fato novo neste e em outros episódios recentes é que Bolsonaro tem ouvido mais. A escolha de Kassio Nunes é o melhor exemplo disso. Mostraram ao presidente que a indicação de um extremista, de um terrivelmente evangélico ou de um amigo despreparado para o Supremo serviria apenas para irritar os demais ministros da Corte. Sozinho, o novo ministro não conseguiria ajudar a Bolsonaro, aos seus filhos ou às suas causas. Ao contrário, sua presença de um lado poderia acabar empurrando ministros simpáticos para o outro lado. Uma andorinha só não faz verão, lembraram a ele.

Bolsonaro ouviu seus novos interlocutores, refletiu, o que, convenhamos, é coisa rara em se tratando dele, e concluiu que uma indicação errada atrapalharia mais do que ajudaria. Conseguiu rapidamente encontrar um magistrado maleável, bem aceito por todos os lados, mas ainda assim um garantista, anti-lavajatista e conservador. A indicação deixou irados os terraplanistas e ultradireitistas que o guiavam até outro dia, como o falso guru Olavo de Carvalho. Bolsonaro fez um gol.

Não se espantem se outros movimentos forem feitos. Claro que não se pode esperar evolução muito maior do que a nomeação de um moderado para o STF, mas ainda há espaço para Bolsonaro se mexer. Se ele quisesse ganhar mais alguns pontos com o grande público, poderia aproveitar e passar logo a boiada toda, demitindo os vergonhosos ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, o recém-empossado ministro da Educação e o secretário de Cultura, por exemplo. Mas não vai acontecer. O capitão gosta dos odiados e odeia os bem-amados.

Míriam Leitão - Bastidores de uma nova confusão

- O Globo

Por Alvaro Gribel (interino)

A confusão envolvendo os ministros Rogério Marinho e Paulo Guedes, ontem, começou na verdade na quarta-feira, com uma conversa entre o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, e investidores. Barros queria entender a reação negativa do mercado à proposta do uso de precatórios para financiar o Renda Cidadã e ouviu que, se o governo seguisse por esse caminho, o presidente Bolsonaro enfrentaria uma crise econômica tão severa quanto a que derrubou a presidente Dilma Rousseff. Rogério Marinho resolveu, então, ter o mesmo tipo de conversa para tentar, na visão dele, “acalmar” o mercado. Acabou colhendo o efeito contrário.

É preciso entender a razão para a desenvoltura do ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho. Na quinta-feira, ele havia levado o presidente Jair Bolsonaro ao interior de Pernambuco para a inauguração de uma adutora de água na pequena cidade de São José do Egito. Bolsonaro fez o que mais gosta: usou a festa preparada por Marinho para exercer a função de líder populista, contar piada e angariar votos. A aproximação entre os dois faz Marinho se sentir mais forte, a ponto de extrapolar funções de sua pasta e invadir território que seria do ministro da Economia.

Na reunião com economistas da Ativa Investimentos, Marinho teria dito que a ideia do uso de precatórios foi da equipe de Paulo Guedes. A ala econômica, por sua vez, bate o pé e diz que havia apenas estudos. Marinho também afirmou que Guedes tem a confiança do presidente Bolsonaro e que o governo mantém compromisso com a agenda fiscal. Mas afirmou que o ministro da Economia, apesar de entender de assuntos macroeconômicos, tem menos traquejo político e peca em detalhes na formulação de alguns projetos.

Marco Antonio Villa - Bolsonaro e a elite rastaquera

- Revista IstoÉ

No Brasil da barbárie, o chique é falar palavrões, desprezar a cultura, reduzir os complexos problemas nacionais a frases marcadas pelo senso comum

 Entre tantos desastres do governo Jair Bolsonaro, um deles deve ser louvado. Permitiu que o ultra-reacionarismo de frações da elite brasileira aflorasse. O que ficou durante as últimas três décadas relativamente escondido, no fundo do palco, nos 21 meses de Bolsonaro na presidência foi paulatinamente assumindo o protagonismo e ocupando o primeiro plano do que, no Brasil, se chama de política. O ódio, a violência, a arrogância, a ignorância, a prepotência, se transformaram em qualidades indispensáveis para o exercício de funções públicas e louvadas como uma forma original, nova, de conduzir a res publica. O decoro virou objeto de museu. No Brasil da barbárie, o chique é falar palavrões, desprezar a cultura, reduzir os complexos problemas nacionais a frases marcadas pelo senso comum, ignorar o passado e desprezar as tradições nacionais e o povo brasileiro.

Ricardo Noblat - Paulo Guedes tornou-se obsoleto

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro não o mandará embora, nem o impedirá de sair

De repente, o governo ficou pequeno demais para abrigar ao mesmo tempo os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Uma dos dois acabará sobrando, e se depender do presidente Jair Bolsonaro, e dos militares que o cercam, não será Marinho.

Quem mais agrada um governante que só pensa em se reeleger? O ministro que diz: não pode gastar tanto assim ou o ministro que diz o contrário? Até quando Bolsonaro conseguirá se equilibrar entre Guedes e Marinho? Ou melhor: até quando conseguirá manter os dois no governo em meio a tanta turbulência?

Em conversa reservada, ontem, com investidores e economistas em São Paulo, Marinho criticou a política de Guedes e disse que ele foi o autor da proposta de dar um calote no pagamento de dívidas judiciais do governo para financiar o programa Renda Cidadã. Dias antes, Guedes negou que tivesse algo a ver com isso.

A reação de Guedes às críticas de Marinho foi imediata e dura. Mal desceu do carro à porta do seu ministério, Guedes foi logo dizendo que não acreditava que Marinho o tivesse criticado, mas se de fato o fizera, não passava de um “despreparado, desleal e fura-teto”. Se não acreditava porque atacou seu colega de governo?

Faltou o general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de governo, para puxar Guedes pelo braço e tirá-lo de cena como fez na semana passada. Marinho está para a reeleição de Bolsonaro como Guedes esteve para a eleição. Bolsonaro não mandará Guedes embora, mas não o impedirá de sair.

Resta saber se Guedes adotará a “receita Mandetta”. Ao concluir que seus dias como ministro estavam no fim, Henrique Mandetta decidiu que não pediria demissão. Se quisesse, que Bolsonaro o demitisse. Foi o que Bolsonaro acabou fazendo. Sérgio Moro, não, demitiu-se e aparentemente não se deu bem por ter agido assim.

Luiz Paulo Costa* - O populismo autoritário e as eleições municipais

“Quais são as propostas concretas que a oposição tem apresentado?”  Esta pergunta feita por vários analistas e operadores políticos convoca a cidadania a cumprir o seu papel fundamental. Em período de populismo autoritário a melhor oposição é a luta e o voto pela democracia. Representativa e consequentemente participativa é a vacina contra o vírus totalitário. E a Constituição Cidadã de 1988 reforçou o exercício da cidadania quando reconheceu em seu Artigo 1º o Município um ente federativo da União como os Estados e o Distrito Federal. Já a Constituição de 1946 da vitória dos Aliados contra o totalitarismo nos legou o entendimento de que ao município cabia tudo que fosse do seu peculiar interesse. Como a democracia representativa.

Mas a Constituição Cidadã de 1988 foi mais conclusiva com a cidadania ao incluir o município como um ente federativo e o seu direito à auto-organização através de suas Cartas Próprias, a Lei Orgânica Municipal. Se a Constituição Federal garante o Estado Democrático de Direito a todos os viventes do País e a Constituição estadual dos federados, a Constituição Municipal leva os seus princípios passíveis de serem exercidos pela cidadania em seu habitat natural: o município. Dizia Franco Montoro que as pessoas vivem no município e é aí que devem exercitar os seus deveres e direitos consagrados pelas Constituições da União e dos Estados.

Cristina Serra - A despedida do decano

- Folha de S. Paulo

Celso de Mello é exemplo que deveria ser seguido por seus pares

Celso de Mello chegou ao Supremo Tribunal Federal em agosto de 1989, quando a Constituição ainda nem completara um ano de promulgada. Seus 31 anos na corte se entrelaçam com dramas e tensões da nossa história contemporânea que, em anos mais recentes, têm levado a um desgastante confronto do tribunal com os outros dois Poderes.

O julgamento do mensalão quebrou a redoma que protegia o STF da refrega político-partidária e acentuou disputas entre os ministros, agravadas sobremaneira pela Lava Jato. O excelente livro "Os Onze", de Felipe Recondo e Luiz Weber, mostra que, nestes tempos tumultuados, Celso de Mello atuou como vetor de alguma acomodação e equilíbrio sempre que procurado por pares menos experimentados em crises, como o primeiro relator da Lava Jato, Teori Zavascki, já morto.

Demétrio Magnoli* - Um milhão, muito ou pouco?


- Folha de S. Paulo

Marcos redondos têm valor simbólico, mas pouco significam na análise estatística

Marcos numéricos redondos têm valor simbólico, mas pouco significam para a análise estatística. Dias atrás, mundo afora, as manchetes destacaram a (falsa) ultrapassagem da fronteira do milhão de mortos por Covid-19. Certamente o limite foi rompido antes, mas não enxergamos a placa graças à subnotificação generalizada. De qualquer forma, é um sinal da escala da pandemia —e, ainda, um alerta sobre a arrogância humana.

Um milhão é muito ou pouco? Não vale comparar a pandemia com fenômenos cujas causas, temporalidades e espacialidades são distintas, como guerras, atentados terroristas, mortes no trânsito ou tsunamis. Pandemias devem ser cotejadas com pandemias; doenças com doenças.

A tuberculose mata, anualmente, cerca de 1,5 milhão; a diarreia infecciosa, 1,4 milhão; a Aids, 950 mil; a malária, 620 mil; as gripes comuns, 650 mil. A OMS estima até mais um milhão de óbitos pelo coronavírus antes da vacinação em massa —e isso com o cortejo de restrições sanitárias aplicadas pelos governos. É muito.

Miguel Reale Júnior* - Organizar a oposição

- O Estado de S. Paulo

Não há que entregar o jogo, asfaltando o caminho do autoritarismo digital

Recente pesquisa de opinião pública atribuiu a Bolsonaro 40% de aprovação, isso na mesma semana em que o Brasil passou pela vergonha de discurso irresponsável do presidente da República na ONU, no qual disse ter a Justiça atribuído aos governadores a condução das medidas no campo da saúde pública, além de culpar “índios e caboclos” pelos incêndios na Amazônia. O resultado da pesquisa revela a consagração do embuste como expediente para enganar uma população que admira mais o histrionismo do governante do que a realidade visível.

Membros da imprensa e da sociedade civil se manifestaram contra o desplante do discurso. Mas grande parte de nosso povo não quer ler nem ouvir manifestações revestidas de racionalidade e não alimenta interesse em se informar e minimamente avaliar os fatos.

Em maio, quando 30% consideravam o governo Bolsonaro bom ou ótimo, foram lançados vários manifestos tradutores do sentimento e pensamento dos demais 70%, destacando-se o documento editado pelo movimento Estamos Juntos. Do manifesto realçam dois parágrafos. “Somos a maioria e exigimos que nossos representantes e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país”; e “Temos ideias e opiniões diferentes, mas comungamos os mesmos princípios éticos e democráticos. Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança”.

João Gabriel de Lima - Duas noites na ópera e uma briga de rua

- O Estado de S. Paulo

É inevitável a sensação de que algo se perdeu nas duas maiores democracias das Américas

Em setembro de 2015 Fernando convidou Fernando para ir à ópera. Um Fernando, o Haddad, era prefeito de São Paulo, e gostava trocar ideias com outro Fernando, o Henrique Cardoso, que havia sido presidente da República. Os dois tinham algo em comum além do nome. Eram intelectuais formados na esquerda movendo-se na selva da política. Em uma das conversas entre ambos, Haddad lembrou que Cardoso gostava de ópera, e o convidou para assistir à Manon Lescaut, de Puccini, no Teatro Municipal.

Ruth e Antonin também gostavam de ir juntos à ópera, no Metropolitan de Nova York. Ruth era Ruth Bader Ginsburg, juíza liberal nomeada por Bill Clinton. Ela defendia a igualdade de gêneros brandindo argumentos da Constituição americana. Antonin era Antonin Scalia, remanescente do conservadorismo com base intelectual dos tempos de Ronald Reagan. Amicíssimos para além das divergências, a liberal e o conservador se igualavam no brilho jurídico, na ironia – e no gosto pela ópera. O escritor Paulo Nogueira, colaborador do Estadão, lembroume que o compositor Derrick Wang homenageou em música a verve e a inteligência dos dois juízes da Suprema Corte americana. A ópera Scalia/ginsburg estreou em 2015, o mesmo ano em que um Fernando convidou o outro para ir ao Municipal.

Cinco anos se passaram. Em 29 de setembro de 2020, terça-feira passada, o mundo assistiu ao debate entre os candidatos à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump e Joe Biden.

O republicano interrompia o democrata a todo momento para provocá-lo. Irritado, Biden chamou Trump de “mentiroso”, “palhaço” e “cachorrinho de Putin”. Foi uma briga de rua em live streaming.

Adriana Fernandes - Encrenca geral

 - O Estado de S.Paulo

O que mais preocupa nessa confusão é que o desenho do Renda Cidadã está escanteado

 O ambiente hoje em Brasília é o mais negativo possível e o resultado tem sido a escalada acelerada de deterioração da confiança com os rumos da economia do País

Está tudo parado ou rodando em círculo: Renda Brasil (ou Cidadã), reforma tributáriaOrçamento de 2021, PECs fiscais de cortes de despesas, reforma administrativa e votação de vetos importantes, como a prorrogação da desoneração da folha para 17 setores.

A cada bate-cabeça em torno das medidas e novos sobressaltos – como o desta sexta-feira entre os ministros Paulo Guedes e Rogério Marinho – a piora dos indicadores do mercado se acentua. 

A articulação que acontece no momento, e deve prosperar, é tirar o Renda Cidadã do teto de gastos, mesmo que temporariamente.

Se não houver algum tipo de entendimento nos mais urgentes pontos elencados acima, o Brasil vai entrar em 2021 num voo cego com os efeitos da pandemia da covid-19 ainda mostrando a sua cara.

Até aqui não há o que comemorar do novo eixo de articulação política com o Centrão montado para avançar a pauta econômica em três etapas de validação: acerto Ministério da Economia-líderes do governo; Líderes-Palácio; Bolsonaro-validação; e, por último, Palácio-líderes dos partidos aliados.

Como a doença de presidente afeta a eleição? - ‘The Economist’

 

- O Estado de S. Paulo

Trump disse que a pandemia estava no fim, mas sua contaminação agora manterá assunto em destaque

Raul Jungmann* - Qual o projeto nacional para a Amazônia?

- Capital Político

No primeiro debate nacional com o Presidente Trump, o candidato democrata Joe Biden disse que amealharia 20 bilhões de dólares para em conjunto com outros países “resolver” (sic) o problema do desmatamento da Amazônia. Falou bobagem, naquele que foi um dos piores debates televisivos já vistos.

A soberania do Brasil sobre o seu território é intocável, inegociável e não está em discussão ou aberta a quaisquer negociações. Desde o início do fim do neo-colonialismo, após a 1ª guerra mundial, o direito internacional não admite o mandato de outros países sobre nações e territórios soberanos – caso do Brasil.

Já após a II Grande Guerra, alguns temas e questões ganharam status de direito internacional positivo, como é o caso do fundo dos oceanos, espaço, o Ártico e Antártida, refugiados e direitos humanos, em graus variados de extensão e adimplência.

Mesmo o direito internacional que sustenta a imposição da paz e/ou a estabilidade das nações pela ONU, não incide sobre a tutela do território das nações em conflito ou em guerra civil. Entretanto, é inequívoco, o direito internacional tem evoluído, sobretudo numa era de globalização acelerada, para a mitigação, compartilhamento e/ou responsabilização da soberania das nações, em temas como, por exemplo, o direito das gentes e o meio ambiente.

Em especial nesse último caso, e no que toca as mudanças climáticas, a internacionalização do direito e as responsabilidades comuns, ainda que assimétricas, têm sido progressivas e inexoráveis.

Marcus Pestana* - Orçamento, tributos e renda mínima

A Lei Orçamentária é peça central na democracia. Busca ordenar a aplicação dos recursos coletados pelo governo junto à sociedade na forma de tributos, e explicitar de forma transparente o perfil do gasto governamental.

Para quem não se alinha a perspectivas demagógicas há a consciência de que o orçamento não é um saco sem fundo. Há a famosa, e às vezes frustrante para muitos governantes, restrição orçamentária. A sociedade admite certo nível de carga tributária sancionada politicamente e sabemos que ela no Brasil já é alta. E se as receitas são finitas, as despesas não podem ser ilimitadas.

Isto impõe inevitavelmente um conflito distributivo embutido no orçamento. Ao se destinar muito a salários e previdência, sobra menos para as políticas de educação. Se gasto muito com incentivos e subsídios fiscais, os recursos disponíveis para a saúde e a segurança serão menores. E assim por diante. Governar é fazer escolhas. E não adianta apelar para palavras mágicas como “vontade política”. Déficits e endividamento irresponsáveis são irmãos gêmeos da inflação, da fuga de investimentos e de juros altos.

O que pensa a mídia – Opiniões / Editoriais

O governo é isso aí – Opinião | O Estado de S. Paulo

De um governo se espera que governe. Do atual governo, contudo, a conclusão, perto da metade do mandato de Jair Bolsonaro, é que seria esperar demais que ele se dedicasse à faina.

De um governo se espera que governe, ou seja, que dê uma direção à administração, com planos bem definidos e disposição de negociar com o Congresso sua implementação. Do atual governo, contudo, a conclusão, perto da metade do mandato de Jair Bolsonaro, é que seria esperar demais que ele se dedicasse à faina.

É tão evidente que o governo Bolsonaro não consegue articular nenhuma política concreta, apenas lampejos e arroubos desconexos, que mesmo a crítica a esse incrível estado de coisas perdeu o sentido. Pois a crítica presume, da parte do crítico, a expectativa de que o criticado venha a se emendar e passe a fazer o que deve ser feito. E isso não vai acontecer, pois o governo Bolsonaro é essencialmente isso aí.

Há ilhas de excelência em meio a esse mar de profunda mediocridade, claro. Quando o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, diz num encontro com investidores que os juros vão imediatamente subir se o teto de gastos for desrespeitado, colocando o Brasil no caminho da insolvência fiscal, indica que há gente de muito bom senso em posições estratégicas no governo. Vai na mesma linha o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, que afirmou recentemente que “aumentar despesa gera um resultado socialmente ruim, destrói empregos”, enfatizando o que deveria ser óbvio.

Poesia | Antonio Machado - O crime foi em Granada

(A Federico García Lorca)

 I. O crime

 Viram -no, caminhando entre fuzis

por uma longa estrada,

sair ao campo frio,

ainda com estrelas, madrugada.

Mataram a Federico

quando a luz já se elevava.

O pelotão de verdugos

não ousou olhar sua cara.

Todos fecharam os olhos;

rezaram: nem Deus te salva!

Morto caiu Federico

– sangue na fronte e chumbo nas entranhas –

...Foi lá em Granada o crime,

sabei – pobre Granada – , em sua Granada.

 II. O poeta e a morte

 Viram-no caminhar a sós com Ela,

sem temer sua gadanha.

– Já o sol de torre em torre; e já os martelos

na bigorna – metal, metal das fráguas.

Falava Federico,

galanteando a morte. Ela o escutava.

“Porque ontem no meu verso, companheira,

soava o golpe de tuas secas palmas,

e deste o gelo ao meu cantar, e o gume

de tua foice de prata à minha desgraça,

te cantarei a carne que não tens,

os olhos que te faltam,

teus cabelos que o vento sacudia,

os rubros lábios em que te beijavam...

Hoje como ontem, morte, minha cigana,

que bom estar só contigo ,

por estes campos de Granada, minha Granada!”

 III.

 Viram-no caminhar...

Talhai, amigos,

de pedra e sonho, lá no Alhambra

um túmulo ao poeta,

sobre uma fonte na qual chore a água,

e eternamente diga:

foi em Granada o crime, em sua Granada!