Não foi a primeira vez, não será a última. A disputa de poder entre o ex-superministro da Economia Paulo Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, se desenvolve no terreno pantanoso da crise econômica que mais uma vez vivemos. Não há dinheiro para investimentos, para programas sociais, e a disputa entre os “desenvolvimentistas” e os “monetaristas” volta à tona, como acontece com freqüência quando há crise econômica.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 3 de outubro de 2020
Merval Pereira - Há lugar para os dois?
Daniel Aarão Reis - O beco tem saída
Enquanto
os sábios analisam alternativas, a sociedade despenca num buraco sem fundo
‘Nada de puxadinhos’, zangou-se o ministro, o
mesmo que leu oito livros — no original — sobre os processos de reorganização
da economia mundial. “Precisamos de um programa social robusto, consistente e
financiado.” Foi fácil encontrar acordo quanto aos dois primeiros adjetivos,
mesmo porque, no governo, é unânime a opinião de que o país precisa de
programas sociais “robustos e consistentes”. Nem tanto para aliviar a miséria
dos que têm fome ou para mitigar o desespero dos desempregados. Nem tanto para
estimular o consumo da sociedade ou o dinamismo da economia, mas porque um
programa “robusto e consistente” é essencial para a reeleição do salvador da
pátria, que precisa salvar-se a si mesmo para continuar posando como salvador
de todos. Calou-se o coro dos que denunciavam o Bolsa Família como um programa
demagógico e populista, feito sob medida para preguiçosos e para dar votos a
seu criador. Entretanto o bicho está pegando quanto à terceira palavra do
enunciado do douto ministro: como financiá-lo?
Ascânio Seleme - Uma andorinha só
Indicação
de Kassio Marques para o STF é uma indicação do movimento de Bolsonaro para o
cento: o centrão
Trata-se
de uma questão de
ponto de vista, mas não se pode negar que o presidente Jair Bolsonaro evoluiu
desde a sua posse. No dia 1º de janeiro de 2019, o capitão era a imagem do mal
usando faixa. Era um extremista de direita disposto a dar um golpe. Foi assim
até outro dia, quando deslocou-se para o centro, digo, para o centrão. Até a
chegada de Bolsonaro ao poder, o centrão era o que havia de mais nefasto na
política. O presidente andou uma casa, se moveu do pior para o ruim.
A
indicação de
Kassio Marques para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal é uma
indicação do movimento de Bolsonaro. Nenhuma dúvida que se trata de uma ação de
natureza política, mas é com essa argamassa que se constrói entendimentos,
pontes e saídas. O presidente está buscando consolidar para si uma posição mais
confortável, uma alternativa viável para o seu governo, que mais patina do que
anda para frente.
O fato
novo neste
e em outros episódios recentes é que Bolsonaro tem ouvido mais. A escolha de
Kassio Nunes é o melhor exemplo disso. Mostraram ao presidente que a indicação
de um extremista, de um terrivelmente evangélico ou de um amigo despreparado
para o Supremo serviria apenas para irritar os demais ministros da Corte.
Sozinho, o novo ministro não conseguiria ajudar a Bolsonaro, aos seus filhos ou
às suas causas. Ao contrário, sua presença de um lado poderia acabar empurrando
ministros simpáticos para o outro lado. Uma andorinha só não faz verão,
lembraram a ele.
Bolsonaro
ouviu seus
novos interlocutores, refletiu, o que, convenhamos, é coisa rara em se tratando
dele, e concluiu que uma indicação errada atrapalharia mais do que ajudaria.
Conseguiu rapidamente encontrar um magistrado maleável, bem aceito por todos os
lados, mas ainda assim um garantista, anti-lavajatista e conservador. A
indicação deixou irados os terraplanistas e ultradireitistas que o guiavam até
outro dia, como o falso guru Olavo de Carvalho. Bolsonaro fez um gol.
Não se
espantem se
outros movimentos forem feitos. Claro que não se pode esperar evolução muito
maior do que a nomeação de um moderado para o STF, mas ainda há espaço para
Bolsonaro se mexer. Se ele quisesse ganhar mais alguns pontos com o grande
público, poderia aproveitar e passar logo a boiada toda, demitindo os
vergonhosos ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, o
recém-empossado ministro da Educação e o secretário de Cultura, por exemplo.
Mas não vai acontecer. O capitão gosta dos odiados e odeia os bem-amados.
Míriam Leitão - Bastidores de uma nova confusão
Por
Alvaro Gribel (interino)
A
confusão envolvendo os ministros Rogério Marinho e Paulo Guedes, ontem, começou
na verdade na quarta-feira, com uma conversa entre o líder do governo na Câmara,
Ricardo Barros, e investidores. Barros queria entender a reação negativa do
mercado à proposta do uso de precatórios para financiar o Renda Cidadã e ouviu
que, se o governo seguisse por esse caminho, o presidente Bolsonaro enfrentaria
uma crise econômica tão severa quanto a que derrubou a presidente Dilma
Rousseff. Rogério Marinho resolveu, então, ter o mesmo tipo de conversa para
tentar, na visão dele, “acalmar” o mercado. Acabou colhendo o efeito contrário.
É
preciso entender a razão para a desenvoltura do ministro do Desenvolvimento,
Rogério Marinho. Na quinta-feira, ele havia levado o presidente Jair Bolsonaro
ao interior de Pernambuco para a inauguração de uma adutora de água na pequena
cidade de São José do Egito. Bolsonaro fez o que mais gosta: usou a festa
preparada por Marinho para exercer a função de líder populista, contar piada e
angariar votos. A aproximação entre os dois faz Marinho se sentir mais forte, a
ponto de extrapolar funções de sua pasta e invadir território que seria do
ministro da Economia.
Na
reunião com economistas da Ativa Investimentos, Marinho teria dito que a ideia
do uso de precatórios foi da equipe de Paulo Guedes. A ala econômica, por sua
vez, bate o pé e diz que havia apenas estudos. Marinho também afirmou que
Guedes tem a confiança do presidente Bolsonaro e que o governo mantém
compromisso com a agenda fiscal. Mas afirmou que o ministro da Economia, apesar
de entender de assuntos macroeconômicos, tem menos traquejo político e peca em
detalhes na formulação de alguns projetos.
Marco Antonio Villa - Bolsonaro e a elite rastaquera
No
Brasil da barbárie, o chique é falar palavrões, desprezar a cultura, reduzir os
complexos problemas nacionais a frases marcadas pelo senso comum
Ricardo Noblat - Paulo Guedes tornou-se obsoleto
Bolsonaro
não o mandará embora, nem o impedirá de sair
De repente, o governo ficou pequeno demais para abrigar ao mesmo tempo os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Uma dos dois acabará sobrando, e se depender do presidente Jair Bolsonaro, e dos militares que o cercam, não será Marinho.
Quem
mais agrada um governante que só pensa em se reeleger? O ministro que diz: não
pode gastar tanto assim ou o ministro que diz o contrário? Até quando Bolsonaro
conseguirá se equilibrar entre Guedes e Marinho? Ou melhor: até quando
conseguirá manter os dois no governo em meio a tanta turbulência?
Em
conversa reservada, ontem, com investidores e economistas em São Paulo, Marinho
criticou a política de Guedes e disse que ele foi o autor da proposta de dar um
calote no pagamento de dívidas judiciais do governo para financiar o programa
Renda Cidadã. Dias antes, Guedes negou que tivesse algo a ver com isso.
A
reação de Guedes às críticas de Marinho foi imediata e dura. Mal desceu do
carro à porta do seu ministério, Guedes foi logo dizendo que não acreditava que
Marinho o tivesse criticado, mas se de fato o fizera, não passava de um
“despreparado, desleal e fura-teto”. Se não acreditava porque atacou seu colega
de governo?
Faltou
o general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de governo, para
puxar Guedes pelo braço e tirá-lo de cena como fez na semana passada. Marinho
está para a reeleição de Bolsonaro como Guedes esteve para a eleição. Bolsonaro
não mandará Guedes embora, mas não o impedirá de sair.
Resta
saber se Guedes adotará a “receita Mandetta”. Ao concluir que seus dias como
ministro estavam no fim, Henrique Mandetta decidiu que não pediria demissão. Se
quisesse, que Bolsonaro o demitisse. Foi o que Bolsonaro acabou fazendo. Sérgio
Moro, não, demitiu-se e aparentemente não se deu bem por ter agido assim.
Luiz Paulo Costa* - O populismo autoritário e as eleições municipais
Mas a Constituição Cidadã de 1988 foi mais
conclusiva com a cidadania ao incluir o município como um ente federativo e o
seu direito à auto-organização através de suas Cartas Próprias, a Lei Orgânica
Municipal. Se a Constituição Federal garante o Estado Democrático de Direito a
todos os viventes do País e a Constituição estadual dos federados, a
Constituição Municipal leva os seus princípios passíveis de serem exercidos
pela cidadania em seu habitat natural: o município. Dizia Franco Montoro que as
pessoas vivem no município e é aí que devem exercitar os seus deveres e
direitos consagrados pelas Constituições da União e dos Estados.
Cristina Serra - A despedida do decano
Celso
de Mello é exemplo que deveria ser seguido por seus pares
Celso
de Mello chegou ao Supremo Tribunal Federal em agosto de 1989, quando
a Constituição ainda nem completara um ano de promulgada. Seus 31 anos na corte
se entrelaçam com dramas e tensões da nossa história contemporânea que, em anos
mais recentes, têm levado a um desgastante confronto do tribunal com os outros
dois Poderes.
O
julgamento do mensalão quebrou a redoma que protegia o STF da refrega
político-partidária e acentuou disputas entre os ministros, agravadas sobremaneira
pela Lava Jato. O excelente livro "Os Onze", de Felipe Recondo e Luiz
Weber, mostra que, nestes tempos tumultuados, Celso de Mello atuou como vetor
de alguma acomodação e equilíbrio sempre que procurado por pares menos
experimentados em crises, como o primeiro relator da Lava Jato, Teori
Zavascki, já morto.
Demétrio Magnoli* - Um milhão, muito ou pouco?
Marcos redondos têm valor simbólico, mas pouco significam na análise estatística
Marcos
numéricos redondos têm valor simbólico, mas pouco significam para a análise
estatística. Dias
atrás, mundo afora, as manchetes destacaram a (falsa) ultrapassagem da
fronteira do milhão de mortos por Covid-19. Certamente o limite foi rompido
antes, mas não enxergamos a placa graças à subnotificação generalizada. De
qualquer forma, é um sinal da escala da pandemia —e, ainda, um alerta sobre a
arrogância humana.
Um
milhão é muito ou pouco? Não vale comparar a pandemia com fenômenos cujas
causas, temporalidades e espacialidades são distintas, como guerras, atentados
terroristas, mortes no trânsito ou tsunamis. Pandemias devem ser cotejadas com
pandemias; doenças com doenças.
A
tuberculose mata, anualmente, cerca de 1,5 milhão; a diarreia infecciosa, 1,4
milhão; a Aids, 950 mil; a malária, 620 mil; as gripes comuns, 650 mil. A OMS
estima até mais um milhão de óbitos pelo coronavírus antes da vacinação em
massa —e isso com o cortejo de restrições sanitárias aplicadas pelos governos.
É muito.
Miguel Reale Júnior* - Organizar a oposição
Não há que entregar o jogo, asfaltando o caminho do autoritarismo digital
Recente
pesquisa de opinião pública atribuiu a Bolsonaro 40% de aprovação, isso na
mesma semana em que o Brasil passou pela vergonha de discurso irresponsável do
presidente da República na ONU, no qual disse ter a Justiça atribuído aos
governadores a condução das medidas no campo da saúde pública, além de culpar
“índios e caboclos” pelos incêndios na Amazônia. O resultado da pesquisa revela
a consagração do embuste como expediente para enganar uma população que admira
mais o histrionismo do governante do que a realidade visível.
Membros
da imprensa e da sociedade civil se manifestaram contra o desplante do
discurso. Mas grande parte de nosso povo não quer ler nem ouvir manifestações
revestidas de racionalidade e não alimenta interesse em se informar e minimamente
avaliar os fatos.
Em
maio, quando 30% consideravam o governo Bolsonaro bom ou ótimo, foram lançados
vários manifestos tradutores do sentimento e pensamento dos demais 70%,
destacando-se o documento editado pelo movimento Estamos Juntos. Do manifesto
realçam dois parágrafos. “Somos a maioria e exigimos que nossos representantes
e lideranças políticas exerçam com afinco e dignidade seu papel diante da
devastadora crise sanitária, política e econômica que atravessa o país”; e
“Temos ideias e opiniões diferentes, mas comungamos os mesmos princípios éticos
e democráticos. Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação,
união e esperança”.
João Gabriel de Lima - Duas noites na ópera e uma briga de rua
É inevitável a sensação de que algo se perdeu nas duas maiores democracias das Américas
Em setembro de 2015 Fernando convidou Fernando para ir à ópera. Um Fernando, o Haddad, era prefeito de São Paulo, e gostava trocar ideias com outro Fernando, o Henrique Cardoso, que havia sido presidente da República. Os dois tinham algo em comum além do nome. Eram intelectuais formados na esquerda movendo-se na selva da política. Em uma das conversas entre ambos, Haddad lembrou que Cardoso gostava de ópera, e o convidou para assistir à Manon Lescaut, de Puccini, no Teatro Municipal.
Ruth
e Antonin também gostavam de ir juntos à ópera, no Metropolitan de Nova York.
Ruth era Ruth Bader Ginsburg, juíza liberal nomeada por Bill Clinton. Ela
defendia a igualdade de gêneros brandindo argumentos da Constituição americana.
Antonin era Antonin Scalia, remanescente do conservadorismo com base
intelectual dos tempos de Ronald Reagan. Amicíssimos para além das
divergências, a liberal e o conservador se igualavam no brilho jurídico, na
ironia – e no gosto pela ópera. O escritor Paulo Nogueira, colaborador do
Estadão, lembroume que o compositor Derrick Wang homenageou em música a verve e
a inteligência dos dois juízes da Suprema Corte americana. A ópera
Scalia/ginsburg estreou em 2015, o mesmo ano em que um Fernando convidou o
outro para ir ao Municipal.
Cinco
anos se passaram. Em 29 de setembro de 2020, terça-feira passada, o mundo
assistiu ao debate entre os candidatos à presidência dos Estados Unidos, Donald
Trump e Joe Biden.
O
republicano interrompia o democrata a todo momento para provocá-lo. Irritado,
Biden chamou Trump de “mentiroso”, “palhaço” e “cachorrinho de Putin”. Foi uma
briga de rua em live streaming.
Adriana Fernandes - Encrenca geral
O
que mais preocupa nessa confusão é que o desenho do Renda Cidadã está
escanteado
Está
tudo parado ou rodando em círculo: Renda Brasil (ou Cidadã), reforma tributária, Orçamento de 2021,
PECs fiscais de cortes de despesas, reforma
administrativa e votação de vetos importantes, como a
prorrogação da desoneração da folha
para 17 setores.
A
cada bate-cabeça em torno das medidas e novos sobressaltos – como o desta
sexta-feira entre os ministros Paulo Guedes e Rogério Marinho – a piora dos
indicadores do mercado se acentua.
A
articulação que acontece no momento, e deve prosperar, é tirar o Renda Cidadã
do teto de gastos, mesmo que temporariamente.
Se
não houver algum tipo de entendimento nos mais urgentes pontos elencados acima,
o Brasil vai entrar em 2021 num voo cego com os efeitos da pandemia da covid-19 ainda mostrando a sua
cara.
Até
aqui não há o que comemorar do novo eixo de articulação política com o Centrão montado para avançar a
pauta econômica em três etapas de validação: acerto Ministério da
Economia-líderes do governo; Líderes-Palácio;
Bolsonaro-validação; e, por último, Palácio-líderes dos partidos aliados.
Como a doença de presidente afeta a eleição? - ‘The Economist’
Trump disse que a pandemia estava no fim, mas sua contaminação agora manterá assunto em destaque
Raul Jungmann* - Qual o projeto nacional para a Amazônia?
No
primeiro debate nacional com o Presidente Trump, o candidato democrata Joe
Biden disse que amealharia 20 bilhões de dólares para em conjunto com outros
países “resolver” (sic) o problema do desmatamento da Amazônia. Falou bobagem,
naquele que foi um dos piores debates televisivos já vistos.
A
soberania do Brasil sobre o seu território é intocável, inegociável e não está
em discussão ou aberta a quaisquer negociações. Desde o início do fim do
neo-colonialismo, após a 1ª guerra mundial, o direito internacional não admite
o mandato de outros países sobre nações e territórios soberanos – caso do
Brasil.
Já
após a II Grande Guerra, alguns temas e questões ganharam status de
direito internacional positivo, como é o caso do fundo dos oceanos, espaço, o
Ártico e Antártida, refugiados e direitos humanos, em graus variados de
extensão e adimplência.
Mesmo
o direito internacional que sustenta a imposição da paz e/ou a estabilidade das
nações pela ONU, não incide sobre a tutela do território das nações em conflito
ou em guerra civil. Entretanto, é inequívoco, o direito internacional tem
evoluído, sobretudo numa era de globalização acelerada, para a mitigação,
compartilhamento e/ou responsabilização da soberania das nações, em temas como,
por exemplo, o direito das gentes e o meio ambiente.
Em
especial nesse último caso, e no que toca as mudanças climáticas, a
internacionalização do direito e as responsabilidades comuns, ainda que
assimétricas, têm sido progressivas e inexoráveis.
Marcus Pestana* - Orçamento, tributos e renda mínima
Para quem não se alinha a perspectivas demagógicas há a consciência de que o orçamento não é um saco sem fundo. Há a famosa, e às vezes frustrante para muitos governantes, restrição orçamentária. A sociedade admite certo nível de carga tributária sancionada politicamente e sabemos que ela no Brasil já é alta. E se as receitas são finitas, as despesas não podem ser ilimitadas.
Isto impõe inevitavelmente um conflito distributivo embutido no orçamento. Ao se destinar muito a salários e previdência, sobra menos para as políticas de educação. Se gasto muito com incentivos e subsídios fiscais, os recursos disponíveis para a saúde e a segurança serão menores. E assim por diante. Governar é fazer escolhas. E não adianta apelar para palavras mágicas como “vontade política”. Déficits e endividamento irresponsáveis são irmãos gêmeos da inflação, da fuga de investimentos e de juros altos.
O que pensa a mídia – Opiniões / Editoriais
De
um governo se espera que governe. Do atual governo, contudo, a conclusão, perto
da metade do mandato de Jair Bolsonaro, é que seria esperar demais que ele se
dedicasse à faina.
De
um governo se espera que governe, ou seja, que dê uma direção à administração,
com planos bem definidos e disposição de negociar com o Congresso sua
implementação. Do atual governo, contudo, a conclusão, perto da metade do
mandato de Jair Bolsonaro, é que seria esperar demais que ele se dedicasse à
faina.
É
tão evidente que o governo Bolsonaro não consegue articular nenhuma política
concreta, apenas lampejos e arroubos desconexos, que mesmo a crítica a esse
incrível estado de coisas perdeu o sentido. Pois a crítica presume, da parte do
crítico, a expectativa de que o criticado venha a se emendar e passe a fazer o
que deve ser feito. E isso não vai acontecer, pois o governo Bolsonaro é
essencialmente isso aí.
Há
ilhas de excelência em meio a esse mar de profunda mediocridade, claro. Quando
o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, diz num encontro com
investidores que os juros vão imediatamente subir se o teto de gastos for
desrespeitado, colocando o Brasil no caminho da insolvência fiscal, indica que
há gente de muito bom senso em posições estratégicas no governo. Vai na mesma
linha o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, que afirmou recentemente que
“aumentar despesa gera um resultado socialmente ruim, destrói empregos”,
enfatizando o que deveria ser óbvio.
Poesia | Antonio Machado - O crime foi em Granada
(A Federico García Lorca)
por
uma longa estrada,
sair
ao campo frio,
ainda
com estrelas, madrugada.
Mataram
a Federico
quando
a luz já se elevava.
O
pelotão de verdugos
não
ousou olhar sua cara.
Todos
fecharam os olhos;
rezaram:
nem Deus te salva!
Morto
caiu Federico
–
sangue na fronte e chumbo nas entranhas –
...Foi
lá em Granada o crime,
sabei
– pobre Granada – , em sua Granada.
sem
temer sua gadanha.
–
Já o sol de torre em torre; e já os martelos
na
bigorna – metal, metal das fráguas.
Falava
Federico,
galanteando
a morte. Ela o escutava.
“Porque
ontem no meu verso, companheira,
soava
o golpe de tuas secas palmas,
e
deste o gelo ao meu cantar, e o gume
de
tua foice de prata à minha desgraça,
te
cantarei a carne que não tens,
os
olhos que te faltam,
teus
cabelos que o vento sacudia,
os
rubros lábios em que te beijavam...
Hoje
como ontem, morte, minha cigana,
que
bom estar só contigo ,
por
estes campos de Granada, minha Granada!”
Talhai,
amigos,
de
pedra e sonho, lá no Alhambra
um
túmulo ao poeta,
sobre
uma fonte na qual chore a água,
e
eternamente diga:
foi em Granada o crime, em sua Granada!