terça-feira, 13 de outubro de 2020

Merval Pereira - O STF e a opinião pública

- O Globo

O novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luis Fux, tem tomado decisões tão polêmicas quanto irrefutáveis, conseguindo recolocar a imagem do STF junto à opinião pública em bons termos, sem exceder seus poderes institucionais. Amanhã, ele levará a plenário o Habeas Corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello ao traficante André do Rap, que ele anulou levando em conta a periculosidade do preso.  

 Quando propôs retornar ao plenário as ações penais que estavam sendo julgadas pelas Turmas, feriu suscetibilidades, retirou poderes, mas teve a aprovação unânime do colegiado porque baseou a decisão em fatos – a redução das ações em tramitação -, não em política. Embora a conseqüência da mudança tenha sido retirar da Segunda Turma o poder político de impor a visão não necessariamente majoritária de ministros ditos “garantistas”, que seriam reforçados pela nomeação por Bolsonaro do desembargador Kassio Marques para a vaga aberta com a aposentadoria de Celso de Mello.  

Na nova polêmica, Fux anulou um Habeas Corpus do ministro Marco Aurélio Mello que soltou o traficante André do Rap, um dos chefes da maior organização criminosa em atuação no país. Nada evidencia com mais rigor a grotesca situação jurídica em que nos metemos do que o pedido de outro traficante, Gilcimar de Abreu, o Poocker, para que o ministro do Marco Aurélio estendesse também a ele a decisão de soltar seu comparsa André do Rap, pois alega que sua prisão preventiva já estourou o prazo de 90 dias para uma confirmação pelo juiz que o condenou.  

Pooker e André do Rap eram companheiros no tráfico internacional de drogas, enviando cocaína para a Europa através do Porto de Santos. Pooker está preso em Mirandópolis, André do Rap partiu, a bordo de um jato particular, para outros ares, possivelmente paraguaios. Nada mais previsível do que isso.  

Ao usar o novo artigo 316 do Código de Processo Penal, o ministro Marco Aurélio foi tecnicamente correto, mas não levou em conta outros requisitos para a manutenção da prisão preventiva, como a periculosidade do preso e sua ameaça à segurança pública.  

Carlos Andreazza - O padrinho faz o currículo

- O Globo

Aí está Dias Toffoli para encarnar o precedente exemplar

Sabe-se — informaram-nos os senadores Ciro Nogueira, Flávio Bolsonaro e Renan Calheiros — que o presidente da República não indicou Kassio Nunes Marques ao Supremo pela qualidade de seu curriculum vitae. Informou-nos também a respeito o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, dependente do aval do STF para avançar no golpe — contra a Constituição — que lhe permitiria concorrer à reeleição, também ele um dos graúdos que, com foro e interesses naquele tribunal, apadrinham Marques; a quem, no entanto, deve-se fazer justiça. Não terá sido o primeiro escolhido assim; por virtudes outras que não derivadas do tal notório conhecimento jurídico. Aí está Dias Toffoli para encarnar o precedente exemplar.

Sejamos, porém, igualmente justos com Toffoli, indicado pelo currículo, o real, que tinha — ou: indicado pelo que era, apesar do currículo. Tempos românticos — dirá o cínico. Aqueles, tempos raiz, em que um agente político ganhava a toga por ser agente político, com missão dada (e logo a ser traída), sem precisar se inflar de pós-graduações cumpridas em cinco dias.

Ou, talvez, tempos em que a transparência não era uma cultura estabelecida — imposta mesmo — pelo avanço da tecnologia. Parece mais difícil enganar hoje; donde o cético se vê obrigado a questionar se não terá sido sempre desta maneira, séculos de currículos fraudados e protegidos por raros e modestos mecanismos de acesso à informação. Neste caso, estando correto o desconfiado (ele costuma estar certo no Brasil), faria água a ideia de que a liquefação da verdade — o processo, em pleno curso, de desmaterialização dos fatos — chegara até ao pobre currículo; essa velha afirmação, ato de crença na palavra, da história individual... Mas já divago.

Bernardo Mello Franco - Arapongas em Madri

- O Globo

A Abin enviou quatro agentes secretos para espionar a última Cúpula do Clima das Nações Unidas, em Madri. De acordo com o jornal “O Estado de S. Paulo”, a caravana recebeu a missão de monitorar críticas ao governo Bolsonaro. Se o objetivo era esse, os arapongas poderiam ter ficado em casa. Bastava ler os jornais ou assistir às notícias na TV.

A COP-25 deveria ter sido realizada no Brasil. Foi enxotada pelo capitão, que nega as mudanças climáticas e trata os ecologistas como inimigos. Desde o ano passado, o país é visto como um vilão ambiental. Ele trabalhou para isso: desmontou os órgãos de fiscalização, facilitou a vida dos desmatadores e permitiu o avanço das queimadas na Amazônia.

Segundo a reportagem do “Estadão”, os espiões monitoraram organizações não governamentais, integrantes da comitiva brasileira e representantes de delegações estrangeiras. Isso mostra um triplo desrespeito: à sociedade civil, aos profissionais do Itamaraty e à comunidade internacional.

Os arapongas atravessaram o Atlântico à toa. Parte de sua tarefa era acompanhar debates com transmissão ao vivo e ampla cobertura na imprensa. Os agentes secretos usaram crachás e tiveram seus nomes publicados no jornal. Tudo seria engraçado se o contribuinte não tivesse bancado os gastos com passagens e diárias.

Luiz Carlos Azedo - O peso da imprudência

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Falta-nos um projeto capaz de construir consensos políticos majoritários e resgatar nossa coesão social, para uma grande reforma democrática do Estado e a redução das desigualdades

Num de seus ensaios sobre a França no século XX — O peso da responsabilidade (Objetiva) —, o historiador britânico Tony Judt, falecido em 2010, aos 62 anos, analisa a vida pública francesa entre a Primeira Guerra Mundial e os anos 1970. Como se sabe, o primeiro grande Estado-nação da Europa influenciou toda a história moderna do Ocidente, em razão da Revolução Francesa e da Comuna de Paris. Por essa razão, Judt não esconde seu espanto com “a incompetência, a ‘insoucience’ indiferença e a negligência injuriosa dos homens que governavam o país e representavam seus cidadãos” nesse período, e dedica o livro a Léo Brum, Albert Camus e Raymond Aron, intelectuais franceses que nadaram contra a maré e confrontaram seus pares.

Segundo Judt, o problema da França era mais cultural do que político. Os deputados e senadores de todos os partidos, presidentes, primeiros-ministros, generais, funcionários públicos, prefeitos e dirigentes de partidos “exibiam uma assombrosa falta de entendimento de sua época e do seu lugar”. Para um país que no começo do século teve grandes líderes políticos, como o socialista Jean Jaurès, que tentou evitar a I Guerra Mundial e morreu assassinado num comício pela paz, e George Clemenceau, primeiro-ministro durante a guerra e um dos artífices do Tratado de Versalhes, chama atenção a petrificação das suas instituições políticas no período. Traumatizada pelo sangrento desastre que foi o conflito mundial, a França foi polarizada pela radicalização ideológica que antagonizava comunistas e socialistas, de um lado, liberais e fascistas, de outro, em toda a Europa, e imobilizava o país.

Ricardo Noblat - Supremo confirmará a decisão de Fux que suspendeu a de Mello

- Blog do Noblat | Veja

Traficante solto fugiu para o exterior

O autor da lambança foi o Congresso que, no ano passado, ao aprovar o pacote anticrime que o governo lhe remeteu, deu nova redação ao artigo 316 do Código de Processo Penal incluindo a exigência da revisão de prisão preventiva a cada 90 dias. Antes não havia prazo para isso.

O coautor da lambança foi o presidente Jair Bolsonaro. À época, a Procuradoria-Geral da República pediu à Casa Civil da Presidência o veto ao artigo em sua nova redação. Alertou para a impossibilidade da revisão em prazo tão curto. O então ministro da Justiça, Sérgio Moro, também pediu que Bolsonaro vetasse.

Mas o presidente sancionou o pacote tal como o recebeu do Congresso. No mesmo dia, nas redes sociais, justificou-se: “Na elaboração de leis quem dá a última palavra sempre é o Congresso. Não posso sempre dizer não ao Parlamento, pois estaria fechando as portas para qualquer entendimento”.

Conversa fiada. Não poucas vezes, Bolsonaro vetou no todo ou em parte projetos aprovados pelo Congresso. Tem esse direito. E não poucas vezes, o Congresso derrubou seus vetos. A última palavra, de fato, é do Congresso. Que em muitas ocasiões se conforma e mantém os vetos do presidente. É assim que as coisas funcionam.

Andrea Jubé - Eles só pensam naquilo

- Valor Econômico

Renan Calheiros prega reeleição de Davi pela “estabilidade”

O bordão é da Dona Bela, a “moça intocada” vestida de colegial, que se atirava ao chão com histeria, depois se levantava, embicava os lábios e revirava os olhos com aquele ar de quem comeu e gostou, na Escolinha do Professor Raimundo.

Mas também saiu dos versos do malemolente Genival Lacerda, cantor de “ele tá de olho é na butique dela”. Até hoje, o quase nonagenário paraibano se sacoleja em shows pelo Nordeste, ao som de:“ você só pensa naquilo; você só pensa naquilo; você só pensa naquilo, meu bem; você só pensa naquilo”.

Da turma de Chico Anísio ou do xote nordestino, poucas vezes o bordão da comédia e do forró serviu tanto para definir os bastidores de Brasília como nos últimos dias.

Todos os comensais negam, mas somente uma pauta fazia salivar os participantes da rodada de jantares dos últimos 20 dias em Brasília, nas residências do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), da senadora Kátia Abreu (PP-TO), e do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas: a sucessão na Câmara e no Senado.

Pablo Ortellado* - A normalização de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Concessões ao establishment podem desmotivar base militante do presidente

Existe um equilíbrio difícil entre o que é necessário para governar e o que é necessário para se eleger, sobretudo com plataforma populista.

A indicação de Kassio Nunes para o STF, o jantar de Bolsonaro com Toffoli e Alcolumbre e a retomada do diálogo entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia são os sinais mais visíveis da normalização de Bolsonaro que abandonou o discurso golpista e fez sucessivas concessões ao establishment.

As duras críticas que recebeu da militância mostra que os movimentos necessários para estabelecer as bases políticas para a governabilidade podem comprometer a disposição e o entusiasmo dos apoiadores. Será que Bolsonaro vai conseguir equilibrar os pratos?

Dois fatores contribuíram para a mudança de atitude do presidente.

Cristina Serra - A fraude do boi bombeiro

- Folha de Paulo

A ministra da Agricultura tenta dar algum verniz de credibilidade às barbaridades ditas por seu colega do Meio Ambiente

Discreta e cordial no trato, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tenta dar algum verniz de credibilidade às mesmas barbaridades ditas por seu colega do Meio Ambiente, o desclassificado Ricardo Salles. Ambos são sócios na novilíngua bolsonarista que criou um tal de “boi bombeiro”.

Isso é conversa para boi dormir. Em português cristalino, é mentira que o fogo no Pantanal se deva à falta de boi para comer o mato seco. O rebanho na região aumentou nos últimos 20 anos. A verdade é que o governo não tomou medidas de prevenção adequadas, não deu importância aos alertas da ciência sobre secas mais intensas e a polícia investiga a origem das queimadas em grandes fazendas. É preciso dar nome aos bois.

Alvaro Costa e Silva – O terno preto de João Saldanha

- Folha de S. Paulo

Se a esquerda não brigasse contra ela mesma nas eleições, não seria a esquerda

Com a mesma sem cerimônia com que comentava futebol no rádio ou instruía jogadores da seleção brasileira à beira do gramado, João Saldanha respondeu ao convite do Partido Comunista, para que se candidatasse a prefeito do Rio, em 1985, dizendo que não tinha “um terno preto” para usar na campanha.

O terno preto era uma sutil estocada nos prefeitos anteriores, todos biônicos, como se dizia na época, empossados depois da fusão da Guanabara com o antigo Rio de Janeiro, em 1975 —a cidade do Rio passando a ser a capital do novo estado. Marcos Tamoyo, da Arena, foi disparado o pior deles, páreo duro com o atual Marcelo Crivella, mas este ainda leva muita vantagem.

“Eu não sou candidato. Até porque a lagoa é do estado, só o peixe podre é que é da prefeitura. O Theatro é Municipal, mas quem manda é o estado. Eu vou fazer o quê? Pegar o lixo? Eu não quero esse cargo”, disse Saldanha, cobrando mais autonomia para o município.

Pressionado por velhos companheiros do Partidão, ele aceitou ser o vice na chapa encabeçada por Marcelo Cerqueira, advogado de presos políticos: “Quero ajudar um bocadinho a provar que as forças da chamada esquerda podem se juntar”.

Hélio Schwartsman - Bem-vindos ao clube

- Folha de S. Paulo

Marco Aurélio poderia ter optado por outro caminho com o chefe do PCC, mas, se o fizesse, não seria Marco Aurélio

O ministro Marco Aurélio Mello agiu bem ao determinar a soltura de um dos chefões do PCC? Se você, dileto leitor, pensa que ele extrapolou, seja bem-vindo ao clube do consequencialismo, corrente filosófica que, devido a uma campanha de propaganda negativa, não goza da melhor das reputações, ainda que funcione bem em grande parte das situações.

O problema com a posição de Marco Aurélio é que, pela letra da lei, ela é corretíssima. Sob a perspectiva da deontologia, a escola rival do consequencialismo, devemos obediência apenas à legalidade, independentemente das consequências. Immanuel Kant, o representante maior dessa corrente de pensamento, disse tudo quando escreveu “fiat iustitia, et pereat mundus” (faça-se justiça, mesmo que o mundo pereça).

E, no ano passado, o Congresso adicionou ao artigo 316 do Código de Processo Penal um dispositivo que corretamente obriga as autoridades judiciais a renovar a cada 90 dias a fundamentação para manter uma prisão preventiva, sob pena de torná-la ilegal. Não fizeram isso no caso do líder pececista, e aí Marco Aurélio fez “iustitiam”.

Eliane Cantanhêde* - Marco Aurélio, qual é a sua?

- O Estado de S.Paulo

Juízes e ministros do STF não são robôs, que juntam o caso X com o artigo Y e apertam um botão

Em 27 de julho do ano 2000, escrevi artigo sobre a decisão monocrática do Supremo que mandou soltar o então banqueiro Salvatore Cacciola, apesar da obviedade da culpa e das evidências de que, assim que deixasse a prisão, ele fugiria do País. O ministro deu a liminar, Cacciola voou para a Itália, via Paraguai e Argentina, e só foi preso de novo seis anos depois, ao cometer um erro primário. Título do artigo: “Marco Aurélio, qual é a sua?”

Vinte anos e muitas decisões polêmicas depois, Marco Aurélio Mello assume a partir de hoje a solene condição de decano, no lugar do ministro Celso de Mello, já empurrando a Corte para o centro do debate nacional – ou melhor, da ira nacional. Qual o sentido de soltar André do Rap, o chefe do PCC que a polícia demorou anos e gastou fortunas para capturar?

Dono de helicóptero, lancha, mansões e carrões, o facínora tem duas condenações em segunda instância, somando 26 anos, mas entrou com recurso e estava ainda em prisão provisória desde setembro de 2019. Ao acatar o habeas corpus, Marco Aurélio justificou que sua prisão não fora renovada de 90 em 90 dias, como manda o novo Código Penal, aprovado no Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro – contra a posição de Sérgio Moro.

Pode? Não pode. Bastava o relator pedir explicações e ganhar tempo até cumprir-se a burocracia. Mas esse não seria Marco Aurélio. Ele tem cultura jurídica, é respeitado tecnicamente, acorda cedo e mergulha em livros, leis e casos. O problema é a personalidade, o gosto de ser “do contra”. Se tal julgamento foi 10 a 1, o “1” é de Marco Aurélio, 74, no STF desde 1990, por indicação de seu primo Collor de Mello.

Rubens Barbosa* - Centro de Defesa e Segurança Nacional

- O Estado de S.Paulo

Entidade sem fins lucrativos, buscará preencher um vazio de discussões na sociedade

O Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) foi criado em São Paulo, com o estímulo do ex-ministro Raul Jungmann. Trata-se de uma entidade sem fins lucrativos que se caracteriza pela independência e pluralidade, acima de interesses partidários, ideológicos ou setoriais, e buscará preencher um vazio de discussões na sociedade civil sobre assuntos de extrema importância na área de defesa e que podem definir a posição do Brasil no mundo.

Somos uma das dez maiores economias globais, o quinto maior território e a sexta população mundial. E temos a terceira maior fronteira. Nosso país está destinado a ter papel relevante no contexto das relações internacionais. Membro do Brics, na área da defesa se constitui na segunda maior potência do Hemisfério; tem a maior costa banhada pelo Atlântico Sul e dos três ecossistemas do subcontinente, à exceção do andino, está presente nos outros dois, o amazônico e o platino. Sendo um país continental, torna-se obrigatório termos uma visão clara dos temas da defesa e segurança, compatível com a necessidade de dispor de recursos de proteção e, se necessário, capacidade de dissuasão adequada a seu presente e seu futuro.

Ana Carla Abrão* - Aptidões

- O Estado de S.Paulo

Mudança cultural para maior inclusão feminina só ocorrerá com melhora na condição atual

Alfred Nobel, cientista sueco morto em 1896, declarou em seu testamento o desejo de criação de uma fundação que premiasse, anualmente, as pessoas que mais tivessem contribuído para o desenvolvimento da humanidade. Em 1900, a Fundação Nobel foi criada, e com ela foram definidas cinco áreas de premiação: Química, Física, Medicina, Literatura e Paz Mundial. O Nobel de Economia veio quase 70 anos depois e, embora não seja pago pela Fundação Nobel, tem o mesmo rigor e prestígio.

Desde 1901, quando os primeiros Nobel foram concedidos, 57 mulheres foram premiadas (uma delas, Marie Curie, cientista e física polonesa, foi a primeira mulher a receber o prêmio e a primeira pessoa a recebê-lo duas vezes, em 1903 e 1911). Neste ano, de forma inédita, os prêmios de Química e Física foram concedidos a três mulheres: a francesa Emmanuelle Charpentier e a americana Jennifer A. Doudna, em Química e a também americana Andrea Ghez, quarta mulher a ganhar o prêmio de Física. No ano passado, tivemos uma mulher premiada pelo Nobel de Economia. A franco-americana Esther Duflo foi a segunda mulher na história a ganhar o prêmio, e também a mais jovem, com 46 anos.

O ineditismo de termos três mulheres ganhando os prêmios de ciências traz de volta a discussão em torno das aptidões femininas e a base das escolhas profissionais e acadêmicas de jovens mulheres. Afinal, há quem defenda – como fez o economista Larry Summers, em discurso em 2005, quando era presidente de Harvard – que a escassez feminina nas áreas de ciências estaria ligada a uma menor aptidão inata – assim como sua menor representatividade em algumas profissões também estaria ligada a preferências inatas. Será mesmo? Os prêmios Nobel deste ano parecem duvidar disso.

Pedro Fernando Nery* - Desigualdade do engatinhar

- O Estado de S.Paulo

Crianças que não se desenvolvem plenamente se tornarão adultos às margens do mercado de trabalho que virarão custo para o Estado

Na última década, o crescimento da economia brasileira esteve abaixo do de 90% dos países. Com o fim do bônus demográfico, será cada vez mais importante para o nosso futuro o crescimento da produtividade (a renda que cada trabalhador consegue gerar), já que o PIB não poderá depender de muitos trabalhadores entrando na força de trabalho (pois eles serão cada vez menos). Mas a produtividade cresce pouco no Brasil. O desafio é bem ilustrado pelo cálculo de Fabio Giambiagi: se a produtividade nas próximas três décadas crescer o mesmo que cresceu nas últimas três, não sairemos do lugar. Teremos em 2050 aproximadamente a mesma renda per capita que tínhamos antes da pandemia.

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A bebê era nervosa e tinha atrasos no desenvolvimento. Foi após seguidas visitas domiciliares que uma agente identificou o problema. Os pais não deixavam ela engatinhar. Haviam se mudado há pouco para a casa de chão áspero e irregular: temiam que a garotinha se machucasse se fosse para o chão.

Fabio Graner - O desafio de manter a retomada da economia

- Valor Econômico

Parte da reação mais rápida do que o previsto se deve ao pagamento do auxílio emergencial, que deve terminar abruptamente na virada do ano

Em meio à tristeza de 150 mil mortes pela covid-19, a economia brasileira apresentou nas últimas semanas uma série de dados positivos. Números como a alta recorde das vendas do varejo motivam revisão generalizada de previsões para o PIB.

O movimento mais recente foi do Banco Mundial, que havia irritado o governo com sua catastrófica projeção de queda de 8% e que passou a prever recuo de 5,4% no ano. Ainda é um tombo feio, mas embute uma recuperação bem mais rápida.

Nos bastidores, a equipe econômica tem comemorado o ritmo de expansão e acreditam que isso terá continuidade. A visão é que o setor de serviços começará a ter um ritmo melhor daqui para frente, consolidando a recuperação do PIB.

Mas é necessário cautela. Os dados que mostram forte ritmo no varejo e na indústria têm efeito de medidas como o auxílio de R$ 600 pagos a quase 70 milhões de pessoas. Só isto já injetou R$ 237 bilhões na economia. A partir de setembro, porém, ele foi reduzido a R$ 300 e assim deve seguir até dezembro.

Como a economia se comportará com o corte pela metade de seu principal impulso fiscal? É verdade que o auxílio e outras medidas, como a liberação do FGTS, devem injetar cerca de R$ 150 bilhões entre setembro e dezembro. Não é pouco. Mas a dúvida mais inquietante é para 2021, quando não só o auxílio, mas os outros programas, como o benefício para o emprego e as ações de crédito às empresas, chegam ao fim. Qual será a resposta do setor privado à contração fiscal prevista, em meio às sequelas deixadas pelo coronavírus, como os milhões de desempregados e o fim de milhares de empresas?

José Casado - Renda básica de R$ 7 mil

- O Globo

Vereadores aumentam salários discretamente em cidades pequenas

Aos 57 anos, Marcio Bittar é um político em ascensão no Congresso. Chegou ao Senado há apenas 20 meses, pelo MDB do Acre, e já é relator de alguns dos mais disputados projetos da temporada legislativa. Entre eles, está o programa de renda básica que Jair Bolsonaro sonha levar embaixo do braço para os palanques da reeleição.

Bittar foi comunista de carteirinha, no PCB, e estudante na extinta União Soviética. Girou a chave na vida de pecuarista no noroeste do Acre, região recordista em incêndios, desmatamentos e conflagrada pelo narcotráfico na fronteira com Peru e Bolívia. Tornou-se um expoente da bancada ruralista, onde há gente que quase enfarta quando ouve a palavra “Ibama”, e um conservador em cruzada contra a liberação do aborto.

Tenta negociar solução para uma antiga equação, insolúvel aos olhos de muitos comunistas e conservadores: reduzir os gastos públicos e, ao mesmo tempo, criar um mecanismo de transferência de renda aos pobres.

Míriam Leitão - Erros fiscais criam armadilha

- O Globo

Por Alvaro Gribel (interino)

Muitos economistas têm minimizado a alta da inflação, mas para economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, esse é um problema que precisará ser monitorado com atenção daqui para frente. Mesquita estima que o IPCA continuará acelerando nos próximos meses, até 4,5% em maio do ano que vem, para só então começar a cair. O problema é que muita coisa pode dar errado até lá, especialmente na política fiscal. Uma nova disparada do dólar pode deixar o Banco Central pressionado para aumentar os juros em plena recuperação. “O ambiente se tornou mais delicado para a inflação do que era há alguns meses”, explicou.

A inflação vem subindo mesmo na recessão e, por mais que se diga que ela está concentrada nos alimentos, não é boa notícia. O governo sairá desta crise muito endividado, e isso tem provocado aumento na cotação do dólar. Mesmo que o repasse de preços para muitos produtos seja menor, pela ociosidade da economia, isso pode acabar batendo mais fortemente nos índices.

Roberto Gervitz* - Desprezo pela história do país

- O Globo

Cinemateca, que guarda arquivo do DIP, parte do acervo da TV Tupi e 1 milhão de documentos, corre risco

A produção cultural brasileira já enfrentou ataques demolidores por parte de muitos governos — os anos Collor foram exemplares: levaram consigo estúdios, laboratórios, planos e sonhos. Foram anos de terra arrasada, mas nos reerguemos. Os governos terminam, mas a produção cultural segue pulsando — a criação é uma necessidade atávica do ser humano.

Já estamos cruzando o semiárido cultural, mas não iremos desaparecer porque não se mata uma cultura, e o nosso cinema é a prova indiscutível da capacidade de resistir e de seguir criando. Será mesmo possível e desejável apagar nosso passado — o conjunto das imagens que encerram nossos olhares, depositado na Cinemateca Brasileira, nosso museu do olhar, como definiu Cacá Diegues?

Ela abriga esse grande tesouro composto de registros de amadores que vêm desde o início do século XX até hoje, todo o arquivo do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, o DIP, parte considerável do acervo da TV Tupi, todas as imagens e matérias do Canal 100 e quase toda a produção audiovisual brasileira contemporânea. São 250 mil rolos de filmes e cerca de 1 milhão de documentos.

O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais

Candidatos devem ser cobrados sobre o pós-pandemia – Opinião | O Globo

O choque pandêmico obrigará a novas abordagens na saúde, no saneamento e no transporte público

Mais de 517,7 mil candidatos foram inscritos para a disputa eleitoral de 15 de novembro. Se confirmados pela Justiça Eleitoral, haverá uma quantidade recorde de candidaturas, 27% mais que em 2016.

É provável que, a partir de 2022, quando os eleitos estiverem iniciando o segundo ano de mandato, já estejam disponíveis meios de controle — ou ao menos mitigação — dos efeitos do novo coronavírus. É legítimo, portanto, uma firme e permanente cobrança dos eleitores, desde já, sobre os planos dos candidatos a prefeito e vereador para mudanças estruturais nas cidades no ciclo pós-pandemia.

O choque pandêmico obriga a novas abordagens na organização da vida urbana. Ganha relevo a poluição dos canais fluviais, de que dependem as cidades às margens dos poluídos rios Paraíba do Sul, no Estado Rio, ou Tietê, em São Paulo.

A fragilidade dos ecossistemas, veículos para a transmissão de patógenos, sempre foi aspecto fundamental nas políticas de saúde pública. O coronavírus apenas põe o problema em evidência.

A saúde pública depende do saneamento. No quadro brasileiro de precariedade, parte da solução pode estar na cooperação intermunicipal, já que, no ano passado, 2.200 prefeituras (quase 40% do total) gastaram por dia nos serviços de saúde menos de um real por habitante. Há experiências relativamente bem-sucedidas de consórcios sanitários nas cidades onde ocorre adensamento demográfico, via favelização.

Um de cada três municípios nem tem órgão responsável por fiscalizar a qualidade da água, segundo o IBGE. Cerca de 70% das habitações do Norte e do Nordeste não têm esgoto tratado, assim como metade dos domicílios do Sudeste e Centro-Oeste e 45% do Sul. Novas regras setoriais foram aprovadas, atraentes ao investimento privado. A execução dependerá da atuação cooperativa de prefeitos e vereadores que assumem em janeiro.

Poesia | Vinicius de Moraes - Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente

Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos

Das horas que passei à sombra dos teus gestos

Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos

Das noites que vivi acalentado

Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo

Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.

E posso te dizer que o grande afeto que te deixo

Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas

Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...

É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias

E só te pede que te repouses quieta, muito quieta

E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar

                                                                     [extático da aurora.