*Fernando
Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República. O Estado de S. Paulo, 14/10/2020
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 14 de outubro de 2020
Opinião do dia - Fernando Henrique Cardoso* - Pronto, falei!
Merval Pereira - O ponto fraco
Vera Magalhães - Suprema bagunça
Tudo
é lamentável no caso André do Rap, síntese dos nossos vícios recentes
É
inútil tentar explicar à grande massa da opinião pública o intrincado novelo
legislativo, interpretativo e jurídico que permite que, num intervalo de um dia,
um ministro do Supremo
Tribunal Federal mande soltar um dos mais
perigosos traficantes do País, e outro mande prender. O que
salta aos olhos, nesse caso, é a barafunda da mais alta Corte de Justiça do
País, uma situação que vem sendo construída a muitas mãos, tijolo a tijolo, ao
longo dos últimos anos.
O
sabor das conveniências e os alinhamentos de ocasião, políticos e jurídicos têm
levado a que o STF aja, sistematicamente, de maneira disforme, disfuncional e,
sobretudo, política.
Então, houve um momento em que o vento soprava a favor do punitivismo, e por ele se guiaram antes históricos garantistas.
Veio
a Lava
Jato, que, por alguns anos gozou de prestígio similar na
Corte, mantendo a tendência anti-impunidade e levando a que a operação tivesse
confirmadas quase todas as suas principais (e até as mais polêmicas) decisões.
A
maré virou, e não adianta negar, depois do impeachment de Dilma Rousseff. Foi só ali,
depois de o axioma de Romero Jucá (aquele do
acordão com o Supremo, com tudo) se tornar conhecido, que os hoje propalados reparos
à Lava Jato vieram à baila e o assim chamado garantismo voltou à moda entre os
togados.
Rosângela Bittar - Balé de sombras
Alcolumbre
está ocupado em tempo integral na montagem das batalhas pela reeleição
De hoje até o dia D da sucessão das presidências da Câmara e do Senado, serão 110 dias, tempo suficiente para correção de rumos.
Na
Câmara, está claro o processo da disputa de duas forças políticas. De um lado,
o governo. O deputado Arthur Lira torna-se
representante do Palácio do Planalto e, se for eleito, transfere o comando da
Câmara ao próprio presidente Jair Bolsonaro.
De outro, a Câmara propriamente dita. A entrega da presidência ao controle preferencial dos deputados, o que representaria a continuidade da liderança de Rodrigo Maia. Depois de aparecerem vários favoritos, o candidato do grupo autonomista à presidência, no momento, é Baleia Rossi, do MDB de São Paulo.
Com
as bênçãos do atual presidente e alavancado pelo trabalho de aliciamento do
ex-presidente Michel Temer.
Que, atuando em causa própria, elegeu-se presidente da Casa em três
legislaturas. Temer é reconhecido como o maior especialista nestas negociações
típicas da atividade parlamentar.
Já
a sucessão da presidência do Senado tornou-se um balé de sombras. O atual
presidente, senador Davi Alcolumbre, persegue um desfecho
do tipo ilegítimo e ilegal.
Alcolumbre
voluntariou-se para reeleger-se. Uma decisão pessoal, cuja razão real ainda não
emergiu.
Luiz Carlos Azedo - A toga justa no Supremo
Só quando lei fosse omissa o juiz deveria decidir de acordo com analogia, costumes e os princípios de direito. Muitas decisões do Supremo já alteraram esse entendimento
Hoje,
será um dia quente no Supremo Tribunal Federal (STF), arrastado para o olho de
um furacão por seus próprios integrantes, não pelo Executivo ou pelo
Legislativo, embora alguns possam atribuir a crise de imagem em que se encontra
à modificação do Código de Processo Penal (CPP), aprovada pelo Congresso, e ao
fato de o presidente Jair Bolsonaro, supostamente, não ter cumprido um acordo
com o Senado para vetá-lo. No juridiquês, trata-se da exegese do artigo 316 do
CPP, que diz, em seu parágrafo único: “Decretada a prisão preventiva, deverá o
órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90
(noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a
prisão ilegal”.
O
ministro Marco Aurélio Mello interpretou ao pé da letra o citado artigo e
mandou soltar o traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, sem levar
em conta que ele estava condenado a 25 anos de prisão em outros dois processos
e é um dos chefões da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Diante das críticas, disse que processo não tem capa e sustentou sua decisão,
igual a mais de 70 sentenças com a mesma interpretação que já lavrou. O
presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, a pedido do Ministério Público
Federal (MPF), sustou a decisão e pôs a questão na pauta da sessão plenária do
Supremo de hoje. Marco Aurélio estrilou por causa da invertida que levou de
Fux, mas é jogo jogado.
Bruno Boghossian – O Supremo na cruz
Supremo alimenta e expõe seus próprios defeitos em praça pública
O
ministro Marco Aurélio gosta de dizer que não
olha capas dos processos que julga. A alegoria é usada para atribuir
imparcialidade às decisões de um juiz que não considera os personagens de cada
ação. O problema começa quando o magistrado deixa de levar em conta as
consequências de suas decisões.
Há
três décadas no Supremo, o novo decano do tribunal conhece bem o poder da toga.
Ele se notabilizou por assumir posições isoladas no plenário, frequentemente
vencidas por 10 votos a 1. Nesses casos, prevaleceu a essência do colegiado,
que dilui a autoridade de seus integrantes para evitar desfechos exóticos.
O
próprio STF, porém, tratou de corroer esse desenho institucional. Decisões
individuais expandiram o peso da caneta de cada ministro e produziram
resultados em que um suspeito é beneficiado ou prejudicado a
depender do sorteio que define o gabinete em que o processo cai.
Ruy Castro* - Mortos pela Covid na conta de Bolsonaro
O
livro de Mandetta revela como o governo ignorou medidas que poderiam ter
poupado vidas
O
dia em que Jair Bolsonaro for levado a responder por seus atos —não se trata de
se, mas quando—, o processo relativo ao seu anticombate à Covid-19 terá fartos
elementos no livro "Um
Paciente Chamado Brasil", do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique
Mandetta. Nele, entre relatos comprováveis por documentos e testemunhas, fica
claro que, em fevereiro, Bolsonaro já sabia o que era preciso fazer para
amenizar a disseminação do vírus e não quis fazer —ou fez o contrário.
No
livro, com a reprodução até dos diálogos, Mandetta detalha a quem, quando, como
e onde foram dados os alertas. Não foi só Bolsonaro quem ignorou a prevenção e
sabotou medidas diante dos primeiros contágios e mortes. Por cumplicidade
ideológica, ambições políticas ou vaidade pessoal, os paisanos e generais que o
cercam deram-lhe o apoio que queria. Eles também terão seus lugares no banco
dos réus.
Bernardo Mello Franco - A falta que Celso de Mello fará ao Supremo
Depois
de 31 anos, Celso de Mello deixou ontem o Supremo Tribunal Federal. O país vai
precisar de algum tempo para medir o vazio que ele deixará na Corte.
Desde
2007, o ministro ocupava o posto de decano. Era o juiz mais antigo do STF, o
primeiro a entrar no plenário após o presidente de plantão. Em momentos de
crise, ele se acostumou a falar em nome da Corte. Sua voz se impunha pela
autoridade, não pela antiguidade.
Nomeado
no primeiro ano de vida da Constituição de 1988, Celso se aposenta quando a
Carta enfrenta seu maior teste. Sabendo disso, ele se expôs para defendê-la de
arreganhos autoritários. Sua atuação ajudou a preservar a ordem democrática e a
integridade do tribunal.
Em
abril de 2018, o ministro se levantou quando o então comandante do
Exército disparou um tuíte para emparedar o Supremo. Na véspera do
julgamento de um habeas corpus de Lula, o general Villas Bôas insinuou usar os
tanques caso o ex-presidente fosse solto.
O
decano, que nunca simpatizou com o petista, repeliu a ameaça indevida.
“Insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo
da serpente, descaracterizam a legitimidade do poder civil instituído e
fragilizam as instituições democráticas”, disse.
Elio Gaspari - O crime do Expresso do Oriente
André
do Rap foi solto por todos, começando pelos ministros do STF
O
ministro Marco Aurélio Mello disse quase tudo:
“O
juiz não renovou, o Ministério Público não cobrou, a polícia não representou
para ele renovar. Eu não respondo pelo ato alheio, vamos ver quem foi que
claudicou.”
Quase
tudo, porque quem soltou André do Rap, chefão do Primeiro Comando da Capital,
condenado a 27 anos de prisão, foi Marco Aurélio Mello.
Dizer
que essência da lei que o ministro seguiu ampara a libertação de um bandido
como o chefão do PCC é uma demasia. Assim como foi uma demasia sua decisão de
2000, quando soltou o banqueiro Salvatore Cacciola, que viria a se escafeder
(como André do Rap), até ser preso em Monte Carlo e recambiado para Bangu.
Nesses casos, como em outros, iluminou-se na controvérsia.
Monica De Bolle* - O custo do negacionismo
O
negacionismo pandêmico tem um custo para lá de elevado aos cofres públicos
federais
Em artigo recente para o Jama, o prestigiado Journal of the American Medical Association, os igualmente prestigiados economistas David Cutler e Larry Summers apresentaram os custos do negacionismo pandêmico aqui nos Estados Unidos. Partindo de evidências apresentadas em vários artigos científicos recentes sobre a covid-19, além de cálculos do Congressional Budget Office para a queda estimada do PIB associada à pandemia na próxima década, e de estudos atuariais e demográficos, os autores concluíram que a conta pode chegar a US$ 16 trilhões até outubro de 2021. Vou repetir: o custo do negacionismo nos EUA poderá chegar a cerca de 90% do PIB supondo que a epidemia seja controlada em meados de 2021. A hipótese de que a crise de saúde pública estaria resolvida daqui a um ano é, como ressaltam os próprios autores, muito otimista. Caso isso não ocorra, o custo poderá ser maior.
Míriam Leitão - O compadrismo e os outros erros
O
Brasil está em emergência ambiental. Não são focos em alguns biomas, é o país
em chamas. A seca é uma das causas, mas o principal fator são os erros do
ministro do Meio Ambiente. Ricardo Salles é um desmatador de aluguel. O
mandante é o presidente da República. O vice-presidente, Hamilton Mourão, não
nos deixa esquecer o lado perverso dos militares que voltaram ao poder com Jair
Bolsonaro e repete a defesa do mais notório torturador brasileiro. O episódio da
indicação de Kassio Nunes exibiu novos flagrantes da inaceitável promiscuidade
do poder em Brasília.
Quem
se afasta um pouco dos acontecimentos consegue ver com mais acuidade o quanto a
democracia brasileira está disfuncional. Os que têm posição de poder no Brasil
afrontam os princípios que deveriam seguir pela posição que ocupam.
Vinicius Torres Freire - Russomano, Bolsonaro e o esgoto
Problemas graves borbulham, podem ferver e país parece ainda mais anestesiado
Celso
Russomano (Republicanos) é o candidato de Jair Bolsonaro e da
Igreja Universal à prefeitura de São Paulo. Disse a empresários da Associação
Comercial desta cidade que os moradores de rua podem ser “mais resistentes do
que a gente” ao coronavírus. Como não pegaram Covid em massa, diz o candidato,
talvez tenham a imunidade das ruas, onde “convivem o tempo todo” e não têm como
tomar banho todos os dias.
Para
dizer a coisa de modo sarcástico, é uma teoria higienista ao contrário. Existe
“a gente” e existem “eles”, os sem-banho, talvez imunizados pela aglomeração em
uma espécie de espurcícia salubre. É uma variante da teoria do esgoto, de
Bolsonaro.
Em
26 de março, quando ainda estavam para morrer 150 mil pessoas de Covid, o
presidente desta República esgotada dizia o seguinte: “... o brasileiro tem que
ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai,
mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já
foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos
que ajuda a não proliferar isso daí”.
Conrado Hübner Mendes* - O centrão se bolsonarizou, não o contrário
Bolsonaro,
calado, não vira poeta; moderação está nos olhos de quem não vê
Bolsonaro
não foi ao centro. O centrão foi a Bolsonaro. Centrão só é centro para
o idiota da literalidade, que dá as mãos ao idiota da objetividade e olha o
país desde sua câmara hiperbárica de análise política.
Na
biologia do Planalto, centrão é um animal invertebrado que parasita o interesse
público e o desfigura. Não é centro pois não tem substância nem de centro, nem
de qualquer coisa. Esse corpo sem alma abraça Deus e o Diabo se Deus e o Diabo
o deixarem se locupletar.
Produziu-se
nesses anos vasta literatura sobre riscos à democracia. Relatórios
e livros explicaram que o golpe saiu de época e foi substituído por técnicas
menos espetaculares de fechamento. No lugar do tanque, a demolição
gradual, parede por parede. A desconstrução, não a implosão, mostrou-se mais
eficaz nessa onda de autocratização pelo mundo.
Para
surpresa geral, Bolsonaro parecia jogar à moda antiga e insinuava intervenção
militar no STF. O
golpe fraquejou e se encerrou na notinha de Heleno advertindo sobre
"consequências imprevisíveis". Muitos dos que alertavam que o
golpe não era o verdadeiro risco agora respiram aliviados e anunciam
"risco superado".
João Pereira Coutinho* - A vertigem da democracia
O combustível do populismo é real, mesmo que as soluções populistas sejam ilusórias
Existem
duas formas de falar em democracia.
A primeira é lembrar os poetas que deixaram páginas belíssimas sobre o governo
do povo, para o povo e pelo povo.
A
segunda é optar pelos realistas, que nos dão uma visão mais desencantada sobre
o fenômeno. O cientista político David
Stasavage pertence ao segundo grupo, e o seu mais recente livro, “The
Decline and Rise of Democracy: A Global History from Antiquity to Today”
(Princeton, 406 págs.), é um dos livros do ano.
Li
a obra de um fôlego só, assombrado pela inteligência do homem. Tese: se você
pensa que a democracia nasceu na Grécia, foi refinada em Roma, desapareceu na
Idade Média, reemergiu na Itália renascentista e foi reinventada pelos “pais
fundadores” dos Estados Unidos, você está enganado.
Formas
de “democracia primordial” (“early democracy”) encontram-se em variadas
regiões, em variadas civilizações, e sempre pelo mesmo motivo: quem governa
precisa de ajuda para governar. Precisa de dinheiro —e não é possível cobrar
impostos sem o consentimento daqueles que estão dispostos a contribuir. Precisa
de soldados —e não é possível ter exércitos sem o consentimento daqueles que
estão dispostos a lutar.
A
história da democracia é a história de uma troca: se o líder quer o meu
dinheiro ou a minha coragem, eu tenho uma palavra a dizer sobre os destinos da
comunidade.
Yascha Mounk* - Populistas tendem a ser reeleitos
Modelos mais sofisticados ainda dão a Trump uma chance em cinco de vencer
Muitos
americanos estão olhando para o próprio país e sentindo vergonha. O que revela
sobre os EUA alguém como Donald Trump não apenas ter vencido uma eleição
presidencial como conservado o apoio de tantos, não obstante
suas falhas evidentes?
Quando
mais uma declaração cruel ou racista do presidente aparece no meu feed, sinto
essa vergonha. Mas como cientista político que estuda a ascensão de populistas
autoritários, sei que a atração exercida por Trump está mais perto de
constituir a regra que a exceção.
Nos últimos anos, populistas conquistaram o cargo mais alto em democracias de várias partes do mundo, de Jair Bolsonaro no Brasil a Narendra Modi na Índia. A atração exercida pelos dois mostrou ser surpreendentemente resiliente.
Modi
conquistou um segundo mandato por maioria
inequívoca. Bolsonaro é
visto nas pesquisas com grande chance de fazer o mesmo.
Em
novembro, porém, os EUA podem se mostrar excepcionais: se as
pesquisas de opinião se comprovarem acertadas, será a primeira
grande democracia na memória recente a afastar um governante populista ao
término de seu primeiro mandato.
Quando
Trump foi eleito, muitos de seus adversários se deixaram levar pela fantasia de
que ele deixaria o cargo muito antes do término de seu mandato. Talvez se
cansasse de suas responsabilidades políticas.
Fernando Exman - Bolsonaro vai ter que escolher lado da briga
Cisão
de pasta deixaria Guedes em situação delicada
As
inconfundíveis orelhinhas inchadas sempre foram um indicativo da presença de
praticantes de jiu-jitsu. Durante muito tempo, até serviram de alerta visual
aos demais presentes: “Melhor manter distância ou se preparar para correr, pois
haverá briga”.
Preconceito,
claro. O jiu-jitsu ficou estigmatizado por causa do comportamento inadequado de
parte de seus adeptos. Hoje, essa situação parece controlada. Mesmo os
entusiastas que não ostentam as tais orelhas aplicam com naturalidade os
princípios da arte marcial em suas tarefas cotidianas, tanto no trabalho quanto
em atividades pessoais, sem medo de eventuais danos à imagem que essa
correlação poderia gerar num passado recente. Em Brasília, inclusive.
Provavelmente
o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, seja hoje, no centro do
poder, o mais famoso praticante da arte marcial desenvolvida pela família
Gracie no Brasil e que ganhou o mundo. Fux é bom de briga. Sabe defender seus
pontos de vista com os instrumentos e as técnicas que estiverem à disposição,
como se tem visto em seus primeiros dias à frente do STF. Entretanto, essa é
outra história.
Salles “joga contra” ambiente, diz Jungmann
Por
Rafael Rosas e Daniela Chiaretti | Valor Econômico
RIO E SÃO PAULO - A saída do ministro Ricardo Salles da pasta do Meio Ambiente é fundamental para que o Brasil seja “levado a sério” na área ambiental. A afirmação foi feita ontem pelo ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública Raul Jungmann durante sua participação na Live do Valor.
“Ele
joga contra o projeto de desenvolvimento sustentável”, disse Jungmann,
acrescentando que Salles também “joga contra” o que o ex-ministro do governo
Michal Temer acredita ser o pensamento do segmento militar e daqueles “que
querem o desenvolvimento sustentável da Amazônia”. “Ricardo Salles efetivamente
não nos credencia externamente e internamente como tendo um projeto sério de
desenvolvimento e defesa do meio ambiente do Brasil”, frisou Jungmann, que
considerou ainda uma “estupidez” a decisão de derrubar os acordos fechados no
âmbito do Fundo Amazônia.
Durante
os mais de 40 minutos de conversa, Jungmann procurou demonstrar a necessidade
de diálogo e entendimento entre diferentes setores nas questões relativas à
defesa da soberania brasileira e na preservação do meio ambiente. Nesse
sentido, fez uma dura crítica à postura do candidato do Partido Democrata à
Presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, que em debate com Donald Trump
propôs uma ajuda de US$ 20 bilhões para preservação da Amazônia e ameaçou o
Brasil de sanções caso o desmatamento continue a avançar. Para Jungmann, a
postura de Biden “é cheia de boas intenções, mas é colonialista”.
“Ajuda
à Amazônia tem que ser de acordo com nossos objetivos e com a nossa soberania”,
ressaltou.
O que a mídia pensa – Opiniões / Editoriais
Soltura
de André do Rap, homem forte do PCC, é responsabilidade de quem não cumpriu a
lei
A
concessão de habeas corpus em favor de André Oliveira Macedo, o André
do Rap, um dos homens fortes do Primeiro Comando da Capital (PCC), suscitou
críticas contra a legislação em vigor sobre prisão preventiva – na qual o
ministro Marco Aurélio baseou sua decisão –, como se o problema fosse a lei. As
disposições legais vigentes não são apenas corretas, como essenciais para
assegurar a liberdade de todos os cidadãos. A soltura de André do Rap é
responsabilidade de quem não cumpriu as exigências da lei.
O
Código de Processo Penal (CPP) estabelece: “Decretada a prisão preventiva,
deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a
cada 90 dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a
prisão ilegal” (art. 316, § único). Introduzida pela Lei 13.964/2019 (o Pacote
Anticrime), a previsão legal de que a prisão preventiva seja revista a cada 90
dias é uma medida de elementar prudência para verificar se as circunstâncias e
condições que motivaram a prisão continuam persistindo.
Na
decisão, o ministro Marco Aurélio reconheceu a “participação do paciente em
grupo criminoso voltado ao tráfico internacional de drogas e a apreensão de
quase 4 toneladas de cocaína. O Tribunal de Justiça, no julgamento da apelação,
concluiu persistirem os motivos que ensejaram a custódia. O quadro indica em
jogo a preservação da ordem pública e a aplicação da lei penal. Sem prejuízo do
princípio constitucional da não culpabilidade, a prisão mostrou-se viável, ante
a periculosidade, ao menos sinalizada”.
Ao
mesmo tempo, o atual decano do STF reconheceu a exigência do artigo 316 do
Código de Processo Penal. “Apresentada motivação suficiente à manutenção, desde
que levado em conta o lapso de 90 dias entre os pronunciamentos judiciais, fica
afastado constrangimento ilegal”, disse. No entanto – e aqui está o principal
problema do caso concreto –, não houve a renovação da prisão e de seus
fundamentos, o que tornava a prisão ilegal.
A
nova lei não é um retrocesso, como se agora fosse necessário reformá-la. Em
plena conformidade com as garantias e liberdades constitucionais, a Lei
13.964/2019 veio assegurar que a regra é a liberdade e a exceção, a prisão.
Nesse ponto, o Pacote Anticrime exige um funcionamento mais diligente dos
órgãos do sistema de Justiça. E essa diligência nada mais é que o respeito ao
cidadão e às suas liberdades, o que é muito positivo.
Mais
do que impor obrigações burocráticas e prazos aos órgãos públicos, as novas
regras da Lei 13.964/2019 – em relação à prisão em flagrante, por exemplo, “a
não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a
ilegalidade da prisão” – exigem por parte do Estado uma nova cultura, de mais
respeito à liberdade. É precisamente isso o que precisa ser mudado e
aperfeiçoado no funcionamento do sistema de Justiça, e não a lei.
Num
caso como o de André do Rap – em que são evidentes os motivos que ensejam a
prisão preventiva –, é relativamente fácil criticar o ministro Marco Aurélio,
como se ele tivesse o dever de matizar as exigências da lei, buscando um modo
para que a ausência de renovação da prisão preventiva não produzisse os efeitos
previstos no CPP. Também é fácil pedir a mudança da lei para que “bandido não
seja solto”. Difícil mesmo é fazer com que o sistema de Justiça atue dentro da
lei, sem continuamente buscar desculpas por não aplicar as medidas e
instrumentos que favoreçam a liberdade.
O clamor contra a soltura de André do Rap não pode ser motivo para mudar a nova lei, que simplesmente faz valer as garantias constitucionais. Toda a atenção despertada pelo caso deve ser ocasião para, reconhecendo o avanço legislativo promovido pelo Congresso no ano passado, exigir que os órgãos do Estado atuem em plena conformidade com a lei. A ineficiência estatal não pode ser causa para redução das liberdades. Antes, o respeito às liberdades deve ser a grande razão para a diligência estatal – e é isso o que a Lei 13.964/2019 exige.
Poesia | Fernando Pessoa - Adiamento
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei
amanhã a pensar em depois de amanhã,
E
assim será possível; mas hoje não...
Não,
hoje nada; hoje não posso.
A
persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O
sono da minha vida real, intercalado,
O
cansaço antecipado e infinito,
Um
cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta
espécie de alma...
Só
depois de amanhã...
Hoje
quero preparar-me,
Quero
preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele
é que é decisivo.
Tenho
já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã
é o dia dos planos.
Amanhã
sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas
só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho
vontade de chorar,
Tenho
vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não,
não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só
depois de amanhã...
Quando
era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje
só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois
de amanhã serei outro,
A
minha vida triunfar-se-á,
Todas
as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão
convocadas por um edital...
Mas
por um edital de amanhã...
Hoje
quero dormir, redigirei amanhã...
Por
hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo
para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que
depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes,
não...
Depois
de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois
de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só
depois de amanhã...
Tenho
sono como o frio de um cão vadio.
Tenho
muito sono.
Amanhã
te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O
porvir...
Sim,
o porvir...