sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Merval Pereira - A síndrome de Bolsonaro

- O Globo

A sucessão na Câmara dos Deputados está virando uma briga pessoal entre o deputado Rodrigo Maia e o presidente Bolsonaro, que não quer que Maia continue tendo influência política decisória. Atribui a Maia o fato de ter-se tornado uma espécie de refém dos deputados. Colocando um deputado do Centrão na presidência, com o apoio ao deputado Arthur Lyra, o presidente continuará refém, mas desta vez de um sequestrador escolhido por ele. Uma espécie de síndrome de Estocolmo antecipada.

Rodrigo Maia faz uma jogada inteligente, diz que o presidente quer colocar alguém de sua confiança na presidência da Casa para aprovar as pautas regressivas de costumes e meio ambiente. Pela economia, que é o principal no momento, não haveria problema de um deputado do grupo de Maia ser eleito, pois eles comungam das mesmas teses liberais que teoricamente levaram o ministro Paulo Guedes para o ministério da Economia.  

É a maneira que ele tem de estabelecer a divisão entre os que vão apoiar o governo, e os que querem uma Câmara independente. Vale até mesmo para o PT, que está namorando Artur Lyra, candidato oficial do Planalto, pela promessa de acabar com a Ficha Limpa, o que agrada não só ao PT, mas também ao Centrão e a muita gente que está sendo investigada e pode ser condenada, e até ao próprio Bolsonaro, por causa dos filhos.

Fernando Gabeira - Um país fora de foco

- O Estado de S. Paulo

Enfim, tornamo-nos reféns de um governo obscurantista. Mas isso tem um preço...

Desde o início da pandemia de covid-19 ficou evidente que a saída estratégica para o problema é a descoberta da vacina e imunização em massa. Qualquer governo mais informado certamente estaria se preparando para esse momento. Não foi o que fez Bolsonaro e pagaremos um preço por isso, não só na economia, mas em vidas humanas.

Infelizmente, na cabeça de Bolsonaro convergem dois movimentos fatais. O primeiro é a negação da covid como doença destruidora; o segundo, uma visão obscurantista da vacina manifestada na ênfase em seus perigos e efeitos colaterais, assim como no pavor da obrigatoriedade, uma discussão inútil.

Bolsonaro já declarou que achava melhor investir em remédios contra a covid-19 do que em vacinas. De fato, destinou pouco mais de R$ 1 milhão para a pesquisa e gastou 15 vezes mais do que isso comprando hidroxicloroquina da Índia ou financiando pesquisas com um vermífugo chamado Anitta.

O ministro da Ciência, o astronauta Marcos Pontes, afirmou que as possibilidades eram animadoras. Vive no espaço, assim como Bolsonaro vive numa realidade alternativa.

Antes de definir seus planos sobre a vacina, Bolsonaro levantou a questão da obrigatoriedade. Ninguém, exceto o cachorro Faísca, receberia a vacina contra a vontade.

O Brasil e quase todos os países talvez levem um ano para vacinar todo mundo. Como exigir obrigatoriedade de algo que ainda nem está disponível?

Luiz Carlos Azedo - Faltou combinar com os russos

- Correio Braziliense

Como previu o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, chegamos ao final do ano com 180 mil mortos. Novamente, precisamos do distanciamento social, enquanto não chega a vacina

Tem momentos da política que Brasília descola do Brasil, não a dos candangos que nasceram na cidade e nela ganham o pão com o suor de cada dia, mas aquela que todos conhecem pela arquitetura monumental de Oscar Niemeyer: a da Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes. Esta semana foi um desses momentos, com o centro político e administrativo do país completamente descolado da realidade nacional e voltado para a disputa pelo controle do Congresso, embora a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado estejam marcada para 1º. de fevereiro. O drama do país é a segunda onda da pandemia do novo coronavírus.

Cercado de áulicos por sete lados — o oitavo, na Rosa dos Ventos, é a trincheira dos filhos —, Bolsonaro parece aquele Presidente prisioneiro de uma jaula de cristal a que se referia o economista Carlos Mattus, o ex-ministro do Planejamento de Salvador Allende, o caso clássico do líder isolado, prisioneiro da Corte “que controla os acessos à sua importante personalidade”. O presidente sem “vida privada, sempre na vitrine da opinião pública”, com a diferença de que não precisa representar um papel, Bolsonaro aparece ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é: um líder sem empatia, indiferente ao luto dos familiares e amigos das vítimas da pandemia do novo coranavírus, cujo carisma está associado à truculência e ao conservadorismo.

Ontem, quando atingimos a marca dos quase 180 mil mortos e 6,78 milhões de infectados, Bolsonaro anunciou o “finalzinho” da “gripezinha”, ao inaugurar o vão central de uma ponte em Porto Alegre (RS). No mesmo dia, a segunda onda da pandemia do novo coronavírus atingiu 21 estados e o Distrito Federal, pressionando o sistema de saúde pública com uma velocidade muito superior à primeira. Para não desmentir o chefe, os militares que aparelharam o Ministério da Saúde atrasam a divulgação de dados, minimizam a expansão da doença e fazem uma ginástica danada para escamotear o que todo mundo já sabe: não fizeram o dever de casa e a vacinação em massa contra a COVID-19 aqui no Brasil vai atrasar, e muito.

Ricardo Noblat - No país de Bolsonaro vai tudo bem, obrigado, para ele e os filhos

- Blog do Noblat | Veja

Pandemia está no fim e prospera o negócio do Zero Quatro

Uma vez que são escassos os elogios à sua obra, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou uma viagem ao Rio Grande do Sul para dizer, ontem, que o Brasil vive “o finalzinho da pandemia” e que seu governo, “levando-se em conta os de outros países, foi o que melhor se saiu ou um dos melhores no tocante à economia”.

No finalzinho da pandemia, 21 dos 26 Estados registraram alta no número de casos da Covid-19, e em 7 capitais as UTIs estavam lotadas. Foram mais 769 mortes e 53.359 pessoas vítimas da doença no espaço de 24 horas. O total de mortos desde março último deverá ultrapassar, hoje, a casa dos 180 mil.

É muita gente que perdeu a vida. No mundo, o Brasil só está atrás dos Estados Unidos em número de mortos pelo vírus que Bolsonaro chamou de gripezinha. Na Guerra do Paraguai, o conflito armado mais sangrento da história da América Latina que completou 150 anos, morreram cerca de 50 mil brasileiros.

Quanto ao desempenho da economia durante a pandemia, Bolsonaro não se preocupou em apresentar dados para sustentar o que disse. Aproveitou a ocasião para também deixar sem resposta a denúncia de que uma empresa que tem contrato com seu governo trabalhou de graça para Renan Bolsonaro, o Zero Quatro.

Dora Kramer - Fogo na Corte

- Revista Veja

Nunca se formou unanimidade tão contundente contra posições de magistrados supremos

Decisões do Supremo Tribunal Federal sobre temas políticos costumam gerar polêmicas. Não obstante devam ser cumpridas, habitualmente são amplamente discutidas. Sejam os debatedores os ditos especialistas ou não, sempre há os que veem razões substantivas nos votos vencidos e vencedores.

Exceção ocorreu agora, quando os cinco ministros que deram um escandaloso peteleco na Constituição para permitir reeleição vedada a presidentes do Legislativo ficaram falando sozinhos, reféns da evidência de que atuaram na jurisdição política.

Nunca, nem mesmo quando o então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, permitiu a preservação dos direitos políticos de Dilma Rousseff, ao arrepio das regras legais do impeachment, se formou unanimidade tão contundente contra posições de magistrados supremos.

O dano à confiabilidade jurídica do tribunal teria ficado por aí não fosse a reação captada nos bastidores da Corte por parte dos vencidos, acusando de traição ministros cujos votos consideravam certos em prol da urdidura anticonstitucional. Mais grave foi que daí decorreram ameaças de criar obstáculos ao exercício da presidência de Luiz Fux, um dos presumidos “traidores”.

Bruno Boghossian – A semana do presidente

- Folha de S. Paulo

Sem capacidade para ações concretas na pandemia, presidente já desistiu de manter as aparências

Jair Bolsonaro teve uma manhã agitada. Perto das 7h, o presidente embarcou no avião oficial e voou para o Rio Grande do Sul. Inaugurou a obra de uma ponte sobre o rio Guaíba e, depois, a duplicação de um trecho de 27 km da BR-116. Ele acenou para os motoristas por 10 minutos, com transmissão ao vivo na TV controlada pelo governo.

O país aprendeu a não esperar ações concretas de Bolsonaro para contornar a longa crise aberta pela pandemia. Ele mesmo já desistiu de manter as aparências. O presidente preferiu desperdiçar mais uma semana no cargo com propaganda pessoal e medidas para seus apoiadores.

O ciclo começou na segunda (7), quando Bolsonaro reuniu ministros na inauguração de uma vitrine com o terno que vestiu na posse. No discurso, ele soltou elogios para o alfaiate que fez o traje, mas ninguém escondeu que a cerimônia havia sido organizada para exaltar o capitão.

Ruy Castro - Os médicos acordam para Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Mas falta que outras instituições brasileiras saiam de seu estupor e se manifestem

No domingo último (6), esta coluna se perguntou o que a comunidade médica, através de seus conselhos e sociedades, tinha a dizer sobre o papel de Jair Bolsonaro na tragédia da Covid-19. Já que muitos de seus membros votaram nele —sendo que, por suas qualificações acadêmicas, poderiam ter percebido que estavam elegendo um demente—, a experiência de nove meses de pandemia, a luta nas linhas de frente e o custo de até agora 180 mil vidas talvez lhes dessem finalmente subsídios para um posicionamento.

Esse posicionamento começou a surgir, provocado pela perda nesta semana por Covid do dr. Ricardo Cruz, brilhante cirurgião de cabeça e pescoço, aos 66 anos, no Hospital Samaritano, aqui no Rio. Nada faltou a Cruz em recursos médicos durante semanas de internação. Mas nem assim foi possível salvá-lo —porque o vírus não é uma "gripezinha".

Em nota oficial há dois dias, a Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro protestou contra a "miopia criminosa", a "política homicida" e a "desumanidade, negligência e criminosa irresponsabilidade de políticos e mandatários" no combate à doença —sem citar nomes, embora a referência à "falta de liderança" aponte fatalmente para o de Jair Bolsonaro.

Vinicius Torres Freire – Vacina americana infecta Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Anvisa teria três dias para responder sobre uso do produto no Brasil, caso EUA o aprovem

vacina que Jair Bolsonaro esnobou está perto de ser aprovada nos Estados Unidos. Um comitê que assessora a “Anvisa americana” (a FDA) decidiu recomendar a aplicação da vacina da americana Pfizer e da alemã BioNTech, que já está sendo aplicada no Reino Unido.

A FDA pode ignorar a recomendação. Caso seja liberada pela FDA, o governo americano pretende começar a aplicar a vacina quatro dias depois da aprovação.

Bolsonaro e seus paus mandados da Saúde teriam então menos de quatro horas para tentar se livrar da lambança negacionista e incompetente que promoveram, que bem poderia parar em um tribunal como negligência criminosa.

Além disso, estarão contra a parede, pois a lei prevê que uma vacina aprovada nos EUA pode ser liberada por aqui em três dias.

Pela letra das leis 13.979 e 14.006, a Anvisa tem 72 horas para dar “autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus”, desde que tenham sido aprovados por ao menos uma das “Anvisas” de EUA, União Europeia, Japão ou China.

Reinaldo Azevedo - Milicos de pijama da Anvisa, danem-se!

- Folha de S. Paulo

Prestem atenção a quem está ocupado em combater a pandemia

O Instituto Butantan começou a produzir a Coronavac no Brasil, em parceria com a Sinovac. Onze estados negociam a compra da vacina. É assim que se faz. Devemos dar uma solene banana para a Anvisa, hoje abrigo de milicos de pijama, agarrados a uma boquinha. Ignorância gera subserviência.

Precisamos de uma Agência Nacional de Vigilância Sanitária que bata continência à saúde dos brasileiros, não a um general da ativa, subordinado a um capitão da reserva, chutado do Exército por alimentar delírios terroristas. É subversão demais para parágrafo tão curto.

A agência publicou um documento autorizando o uso emergencial, mas nem tanto, das vacinas. O texto teria ficado mais claro, a alguns ao menos, se escrito em grego antigo. Querem saber? Não sofram —não por isso! Ignorem o que diz a Anvisa. Prestem atenção a quem está ocupado em combater a pandemia.

Com a doença em expansão e um caso confirmado de reinfecção no país, Jair Bolsonaro decreta que “estamos vivendo um finalzinho de pandemia”. Até seus diminutivos são ofensivos e negacionistas. Nem o governo federal nem a Anvisa decidirão o destino dos brasileiros nesse particular.

Eliane Cantanhêde - 'Finalzinho da pandemia'

- O Estado de S. Paulo

São absurdos demais, provocações demais... Alguma Bolsonaro está aprontando

Lá atrás, no início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro tinha um ministro da Saúde competente, informações privilegiadas e todas as condições do mundo para fazer a coisa certa, combater a contaminação do coronavírus e evitar milhões de doentes e milhares de mortes. Bolsonaro, porém, optou por entrar para a história como o presidente que, entre a vida e a morte, ficou com a morte. E, em nenhum momento, reviu, tentou acertar. Começou errado e vai errado até o fim. À custa de vidas.

Entre hoje e amanhã, a realidade confirma a previsão desesperada do então ministro Luiz Henrique Mandetta de 180 mil mortes. E vai aumentar. O número volta ao patamar de 800 a 900 em 24 horas, 21 Estados e DF registram aumento de vítimas e os leitos vão se esgotando na rede pública e privada por toda a parte. Se você for contaminado, o risco é não ter onde cair morto – nem vivo. E vem aí Natal, Ano Novo, festas e viagens.

O erro de Mandetta foi ser realista, transparente, formar uma bela equipe e manter a população bem informada e alerta o tempo todo. Bolsonaro não suportou o sucesso e a popularidade (maior que a dele) do subordinado. Em vez de premiá-lo, demitiu-o. O ciúme e a inveja foram maiores do que a responsabilidade com a população brasileira.

Simon Schwartzman* - Quebrando o gargalo do Enem

- O Estado de S. Paulo

O caminho é investir e exigir mais do ensino fundamental e abrir alternativas no médio

Dizem que a vida vai voltar ao normal. E em 2021 o Ministério da Educação pretende começar a implantar o novo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com duas modificações importantes. A primeira, desde já, é o “Enem seriado”, em que os alunos do ensino médio serão avaliados a partir do primeiro ano, com uma nova versão da Prova Brasil. A segunda, a partir de 2024 ou 2025, é a adaptação do Enem à reforma do ensino médio, que prevê que os estudantes possam escolher seus itinerários de formação. Como a maioria dos candidatos ao Enem não vem diretamente do ensino regular, a prova geral vai continuar existindo, ao lado do sistema seriado.

Imagino que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) tenha estimado o custo desse novo formato, a maneira como os resultados das avaliações seriadas vão ser utilizados para melhorar a qualidade do ensino e como compatibilizar os dois sistemas para que um não se torne mais valorizado do que o outro. Digo “imagino” porque não encontrei nenhum documento oficial que explique mais em detalhe as razões e os custos dessa mudança.

José de Souza Martins* - Capitalismo após a pandemia

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Pólvora da bravata contra a saliva da diplomacia e do bom senso não dará conta de enfrentar e solucionar um confronto a sério com as potências que reagirem ao risco de uma catástrofe ambiental no Brasil

Debates, análises e decisões consistentes sobre o futuro do capitalismo após a pandemia estão ocorrendo em diferentes lugares do mundo, especialmente nos países ricos. A fácil e rápida disseminação do vírus invisível alcançou não só as visibilidades do mundo real, mas sobretudo as fragilidades e contradições da economia amplamente exposta às perturbações que se propagam a partir das anomalias disseminadas por ocorrências como a da covid-19.

A economia moderna se tornou um sistema de conexões inevitáveis. Atingido um elo débil, de âmbitos que não o propriamente econômico, outras debilidades acabam se manifestando e propagando. Não é casual que, no mundo inteiro, o debate sobre a pandemia tenha se tornado um debate sobre a economia. O vírus revelou-se mais convincente do que a economia de Chicago.

O impacto das diferentes irracionalidades que caracterizam a economia contemporânea torna-as mais graves do que têm sido até aqui. São fatores de problemas que não podem ser resolvidos pela economia e nem pelos economistas.

Claudia Safatle - Opção é, mais uma vez, por meia-sola fiscal

- Valor Econômico

Equilíbrio fiscal é a mãe de todos os equilíbrios, diz Delfim

As expectativas de que a PEC síntese das propostas de emenda constitucional do Pacto Federativo, Emergencial e dos Fundos dê ao Executivo as ferramentas para a gestão fiscal no ano que vem, respeitando o teto de gastos, podem se frustar. O substitutivo da PEC 186, do senador Marcio Bittar (MDB-AC), ainda está sob discussão nas lideranças políticas do Congresso, mas o texto preliminar será de pouca valia para se ter uma política fiscal minimamente eficaz. Mais uma vez, caminhamos para uma meia-sola.

O substitutivo não comportou, por exemplo, a possibilidade de redução de até 25% dos salários e da jornada de trabalho do funcionalismo em casos de grave desequilíbrio fiscal. O Congresso continua a manter os privilégios do setor público frente aos trabalhadores do setor privado que, neste ano, por causa da pandemia tiveram seus salários e jornada cortados.

Não incluiu nenhum dos três D - a desindexação, a desobrigação e a desvinculação das receitas à despesas previamente definidas. Para ter noção do tamanho do engessamento orçamentário da União, de um total de R$ 1,6 trilhão de receitas, somente R$ 108,4 bilhões são de livre aplicação pelo Executivo federal, sendo que R$ 16 bilhões correspondem às emendas parlamentares.

Humberto Saccomandi - Vírus da concentração econômica vai persistir

- Valor Econômico

Desigualdade entre pessoas, empresas e países vai crescer

O início da vacinação contra a covid-19 traz uma luz de esperança de que um dos períodos mais difíceis desde a Segunda Guerra Mundial finalmente possa ser superado. Mas esse processo será longo e até lá a vacinação vai reforçar um dos efeitos mais perversos da pandemia: o aumento brutal da concentração econômica, entre pessoas, empresas e países. As cicatrizes serão profundas e durarão por muito tempo.

A vacinação acentuará o processo de concentração econômica ao favorecer os países mais ricos e poderosos, que vacinarão antes as suas populações. O primeiro país a aprovar uma vacina que passou pelos processos convencionais de verificação foi o Reino Unido, que já iniciou a vacinação. O Canadá foi o segundo. Os EUA devem aprovar a primeira vacina nos próximos dias. A União Europeia (UE), ainda neste mês.

A primeira vacina aprovada no Ocidente foi a da Pfizer-BioNTech, que é proibitiva para a maior parte do mundo devido à necessidade de mantê-la refrigerada a -70ºC. A segunda deverá ser a da Moderna, que também precisa dessa refrigeração. Essas vacinas foram adquiridas quase que exclusivamente por países ricos.

Lara Resende* - Mudança de paradigma

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

A hora é da política fiscal expansionista com ênfase nos investimentos públicos, propõem grandes nomes da formulação econômica americana

No dia 1º de dezembro, duas das instituições mais influentes de Washington, a Brookins e o Peterson Institute, promoveram um seminário para reavaliar o papel da política fiscal. Jason Furman e Larry Summers, ambos professores da Universidade de Harvard, respectivamente ex-presidente do Conselho Econômico de Obama e ex-secretário do Tesouro de Clinton, prepararam o texto que serviu de base para a discussão1. Para o debate foram convidados, além dos ilustres autores, Ben Bernanke, Olivier Blanchard e Kenneth Rogoff. Bernanke presidiu o Fed durante a grande crise financeira de 2008, Blanchard e Rogoff foram economistas-chefes do FMI. Os três são renomados acadêmicos, doutorados pelo MIT, professores das Universidades de Harvard e Princeton. Estamos falando do que é a melhor expressão do cruzamento entre a academia e a tecnocracia, a fina flor da formulação e da execução da política econômica americana.

A conclusão do seminário, como disse Summers e, em seguida, Blanchard repetiu no Twitter, é que estamos diante de uma mudança de paradigma. Cesse tudo que a antiga musa canta, saem as políticas de austeridade e a busca do equilíbrio orçamentário. A tão decantada relação dívida/PIB é um indicador enganoso, deve ser desconsiderado. A hora é de uma política fiscal expansionista com ênfase nos investimentos públicos.

Essa já vem sendo a tese defendida pelo FMI. A diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, e a economista-chefe, Gita Gopinath, deram recentemente entrevistas defendendo o uso da política fiscal, tanto para amenizar a crise provocada pela pandemia como para garantir uma recuperação sustentada uma vez passada a crise.

Contra a corrente e sofrendo severas críticas, venho batendo nessa tecla desde antes da pandemia. Sustento que a combinação de uma política de juros altíssimos, conduzida pelo Banco Central desde a estabilização da inflação, com o Real em 1994, até muito recentemente, combinada com uma obsessão de equilibrar as contas públicas através de aumento da carga tributária e de corte dos investimentos, foi razão do baixo crescimento da economia nestes últimos 25 anos. Mas, antes de analisar o caso do Brasil, vejamos o que dizem Furman e Summers.

Comecemos pela relação dívida/PIB, que os nossos economistas e analistas que despontam na mídia usam como um indicador de que caminhamos inexoravelmente para o abismo. Os luminares americanos concluíram que estavam equivocados. A relação dívida/PIB não deve ser levada em consideração como indicador da solvência de um país. É um indicador falacioso, porque compara um estoque, a dívida, com um fluxo, a renda.

Bernardo Mello Franco - O candidato de Bolsonaro

- O Globo

O candidato de Jair Bolsonaro largou na frente na corrida pela presidência da Câmara. Líder do PP, Arthur Lira se lançou com o apoio do governo e de mais oito partidos. O grupo reúne um número sugestivo de deputados: 171.

Lira tem muito em comum com a família Bolsonaro. Segundo a Procuradoria-Geral da República, ele comandou um esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa de Alagoas. As investigações apontaram o desvio de R$ 500 mil por mês para o bolso do parlamentar.

O caso veio à tona na semana passada em reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”. Numa curiosa coincidência, o juiz Carlos Henrique Pita Duarte absolveu o deputado no mesmo dia em que a notícia foi publicada. O Ministério Público classificou a decisão como um “grave erro judicial” e anunciou que vai recorrer. Lira se diz inocente.

Flávia Oliveira - De encanto e tragédia

- O Globo

De solidariedade no precário, vive o Brasil negro e periférico

Encantados de religiões de matriz africana e ameríndias trabalham enquanto bebem, fumam, dançam, gargalham, caminham, riscam o chão. Na miudeza do cotidiano, produzem milagres, ensina o historiador Luiz Antonio Simas em livros, aulas, canções. Na manhã de sábado passado, Deise Gouveia subia uma via da Fazendinha, comunidade do Complexo do Alemão. Copo de cerveja na mão, tentou se escorar no que supunha parede ou muro, mas era porta entreaberta. Rolou escada abaixo, adentrou a sala simples de Paula, mais de metro abaixo do nível da rua. Do susto, a graça. O vídeo viralizou, e a moça ganhou fama instantânea; anteontem festejou meio milhão de seguidores numa rede social.

Sóbria, foi obrigada pela mãe a se desculpar; soube, então, que a vizinha tem câncer e enfrenta dificuldades. Na mesma rede social que a consagrou como Deise do Tombo, pediu ajuda para Paula; em menos de uma semana, mais de três mil doadores já garantiram R$ 130 mil. No encontro, a graça. Ambas louvaram a Deus — e estão corretas. Na trama, vi a mão de Zé Pelintra, o homem do chapéu panamá que o ex-prefeito em exercício do Rio de Janeiro desrespeitou em debate às vésperas do segundo turno.

Nelson Motta - Comédia macabra

- O Globo

Se Pazuello for em logística como é em saúde, vai ter muita vacina para pouca seringa

Na terça-feira, o Reino Unido começou a vacinar sua população contra a Covid-19. No mesmo dia, o nosso ministro da Saúde anunciou que o registro da Anvisa — que parece ser muito mais rigorosa do que a agência britânica de saúde — pode levar até 60 dias. A rigorosíssima Food and Drug Administration americana vai anunciar nos próximos dias a aprovação da vacina da Pfizer. Já a Anvisa vai precisar de dois meses. Por quê, ninguém sabe. Ou sabe, mas não diz.

Como o ministro não se constrangeu em dizer, manda quem pode e obedece quem tem juízo: só vale o que Bolsonaro quiser. E o que ele quer, retardando a vacina, além de sabotar João Doria à custa de milhares de mortes? Agora ele diz que sempre esteve certo, contra a máscara e o isolamento e a favor da cloroquina. É como Trump dizendo que ganhou a eleição americana, é como viver numa realidade paralela. Patologia psiquiátrica misturada com prepotência, ignorância e desprezo pela inteligência alheia.

Míriam Leitão - Onze pessoas e um destino

- O Globo

Onze integrantes da equipe econômica se reuniram com o presidente da República e tiraram uma foto. Dias atrás. Todos eles sem máscara no meio de uma pandemia. É o retrato de uma equipe que se rendeu ao presidente. Aos seus erros. Economistas sabem ler as curvas de tendências e elas mostram aumento dos casos e das mortes. Economistas também sabem o que é hedge, seguro contra o risco. Os equipamentos de proteção individual têm esse papel. Equipe econômica que acerta é aquela que defende suas convicções contra as conveniências políticas ou os equívocos do chefe do governo.

Os gestos de pessoas públicas induzem comportamentos. O não uso de máscara estimula uma atitude perigosa que tem feito vítimas. Render-se a essa imposição do presidente pode parecer apenas um detalhe, mas representa muito mais. Resume o principal erro desta equipe econômica, que é a rendição incondicional ao presidente. Mesmo quando ele está completamente errado.

Ruth de Aquino - A política de quartel na Saúde e o silêncio dos médicos

- O Globo

Desconheço exemplo parecido no mundo. Ministro errado no lugar errado na hora errada. O ministro da Saúde, Pazuello, é um general da ativa que nada entende de vírus ou pandemia. A política de quartel na Saúde está disseminada. Um manda, outros obedecem. Militares dirigem hospitais federais. Médicos bolsonaristas dirigem conselhos regionais. Tem médico conselheiro contra aborto de feto anencéfalo! Ou contra uso obrigatório de máscaras. E isso explica o silêncio da categoria neste trágico 2020.

Conversei com Celso Ferreira Ramos Filho, o infectologista que assumiu em outubro a presidência da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro. Após a morte do cirurgião Ricardo Cruz por Covid, Celso redigiu nota oficial chamando de “homicidas” os governantes que desprezaram a vida. Negaram a ciência. Encorajaram tratamento precoce, cloroquina e remédios para piolho e sarna. Condenaram máscaras. Incentivaram aglomerações. Não se prepararam para a vacinação. Confundiram o povo sobre a necessidade da vacina. Crime.

No meio do ano, escrevi a médicos e perguntei: “Por que vocês não reagem?” Depois de dois ministros médicos, o brilhante Mandetta e o mudo Teich, não mexe com os brios ver um general ignaro e subserviente no comando da Saúde? Resposta: a categoria está dividida e há muitos bolsonaristas. Votaram em peso contra o PT, porque Dilma pagava mais a médicos cubanos do que a brasileiros e aceitava diplomas de Medicina em universidades de reputação discutível. 

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A corda e a caçamba – Opinião | O Estado de S. Paulo

Incapaz de organizar uma base sólida no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro depende cada vez mais dos humores do Centrão

Na superfície, foi apenas a demissão de mais um ministro irrelevante, o 12.º a cair em menos de dois anos. Mas a saída de Marcelo Álvaro Antônio do Ministério do Turismo depois que este denunciou as movimentações palacianas para saciar o apetite do Centrão deu o tom do envolvimento do presidente Jair Bolsonaro na sucessão da presidência da Câmara, muito mais profundo do que recomenda a prudência.

O ministro caiu depois que se tornou público o teor de uma mensagem postada por ele no grupo de WhatsApp de colegas de Esplanada com pesadas críticas ao ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. Álvaro Antônio acusou o ministro Ramos de se dedicar à negociação de cargos do primeiro escalão com o Centrão para arregimentar apoio ao candidato governista à presidência da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Um desses cargos seria justamente o de ministro do Turismo, o que enfureceu Álvaro Antônio e o motivou a chamar o colega Luiz Eduardo Ramos de “traíra”.

Depois de dizer que conhece bem o Congresso, pois é deputado pelo PSL-MG, criticou o ministro Ramos por entrar no gabinete do presidente Jair Bolsonaro “comemorando algumas aprovações insignificantes no Congresso, mas não diz o altíssimo preço que tem custado” – em referência à oferta de cargos no governo em troca de votos. O agora ex-ministro Álvaro Antônio escreveu que, apesar dessas negociações – que se deram num volume “nunca antes visto na história”, segundo ele –, o governo “ainda assim” não conseguiu formar “uma base sólida no Congresso Nacional”. Tanto é assim, segue a mensagem, “que o senhor (ministro Ramos) pede minha cabeça para tentar resolver as eleições do Parlamento”, ou seja, “pede minha cabeça para suprir sua própria deficiência”.

Poesia | Graziela Melo - Olhares

Olhares,
tristes,
sombrios,
lacrimosos,

meditativos,
receosos,
dão sinais
de alegria
reflexos
da fantasia

e podem ser
duvidosos!

Olhares
infinitamente
bondosos,

repletos
de compaixão
denotam
as dores
da alma
e segredos
no coração!!!

Vislumbram
o sentir
alheio

discretos
e sensatos
entre a dúvida
e o receio!!!

Olhares que
vão distantes,
muito além
do além mar!!!

Olhares
me fazem
chorar!!!