sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

César Felício - A dificuldade que virá

- Valor Econômico

Rodrigo Maia foi um presidente da Câmara independente. Embora apoiado por Bolsonaro, Arthur Lira não tende a ser servil caso eleito

Será uma enorme surpresa para todos os observadores da cena política se na próxima segunda-feira o deputado Arthur Lira (PP-AL) não se eleger presidente da Câmara, no primeiro ou no segundo turno. A polêmica agora é dimensionar a magnitude deste evento no transcurso do governo Bolsonaro, questão em que é extremamente importante prestar atenção em quem está saindo de cena e quem está entrando. Comecemos por quem sai.

Rodrigo Maia foi um presidente da Câmara singular, não apenas pelos cinco anos e meio que ficou no cargo. Ele dependeu pouco tanto de Michel Temer quanto de Bolsonaro para conquistar o que conquistou. Foi eleito pela primeira vez em um mandato tampão, na atabalhoada saída de Eduardo Cunha do cargo, primeiro por força de uma decisão judicial e depois da renúncia na fracassada tentativa de preservar o mandato.

Em julho de 2016, ele se apoiou em uma coligação branca com as oposições para derrotar o candidato do Centrão, Rogério Rosso (PSD-DF). É um pouco o que tenta repetir agora, ao urdir a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP). Ainda muito tributário de Cunha, mas bastante interessado em quebrar esta dependência, o então presidente Michel Temer pouco pôde fazer para interferir no processo.

Maia assumiu sem dívidas com o Planalto. A reeleição em 2017 foi viabilizada por uma exceção aberta pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2019 tinha o direito de permanecer assegurado e Bolsonaro sequer ousou articular contra ele.

A interlocução azeitada com a esquerda nunca o impediu de ser protagonista de uma pauta favorável ao mercado: teto de gastos, reforma trabalhista, marco do saneamento, reforma da previdência e por aí vai. Esta agenda, em muitas ocasiões, pairou acima dos descaminhos do presidente da República de turno.

Com a ascensão de Bolsonaro, Maia tornou-se também o interlocutor privilegiado do ministro Paulo Guedes com a classe política, mas isso durou muito pouco tempo. Manteve essa condição até virar um ator político fundamental em uma engrenagem que ainda está a se provar eficaz: a de que é possível bater Bolsonaro em 2022 sem que se devolva o poder para a esquerda. A partir de então virou o inimigo número dois do bolsonarismo. O número um é o governador João Doria.

Na história da Câmara dos Deputados, a maioria dos presidentes não tem esse perfil independente. O mais comum é chegarem ao poder sustentados pelo Planalto. Maia teve mais poder que um presidente da Câmara normal, mas daí a fazer o sucessor é um grande salto.

Antes da pandemia, ele era um interlocutor dos deputados com o poder central. Teve papel central no avanço do Congresso sobre o Orçamento, até torná-lo quase impositivo. É preciso lembrar o que acontecia no Brasil entre fevereiro e março do ano passado: Bolsonaro estimulava manifestações pelo País contra o Legislativo, tendo como mantra um palavrão dito pelo general Heleno. O pano de fundo era o controle dos recursos orçamentários. Foi neste quadro que se iniciou a emergência sanitária. Este papel negociador de verbas e de cargos foi migrando com força para o Centrão, personificado por Lira.

O andamento da campanha mostrou flancos abertos no coração da base de Maia: o eixo PSDB/DEM. “A campanha é uma lástima. O Lira sente o chão do plenário. O Baleia, abraçado ao Maia, apostou tudo nas cúpulas, quando a eleição de mesa diretora é uma ocasião rara em que a base impera”, comentou o tucano Danilo Forte (CE).

Para o deputado Arthur Maia (BA), integrante do DEM e sem parentesco com o presidente da Câmara, faltou inclusive diálogo com as cúpulas, a começar do próprio partido de ambos. “Ele não consultou ninguém no partido para construir a candidatura do Baleia. No ano passado, sem fazer uma única reunião no DEM, apostou em um golpe institucional para viabilizar sua própria reeleição no Supremo. Ele se acha proprietário da sigla”.

É uma referência à canhestra articulação comandada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para reinterpretar a Constituição e viabilizar a reeleição das mesas. A jogada não deu certo e foi derrotada no Supremo por 7 votos a 4. Rodrigo Maia paralisou a escolha de seu sucessor para aguardar o desfecho dessa trama. Agora, o presidente da sigla, o baiano ACM Neto, assistiu serenamente a adesão de toda seção do DEM de seu Estado à candidatura de Lira.

O futuro de Rodrigo Maia é nebuloso. “Penso que ele submerge. Ele perdeu espaço político no seu partido e a narrativa no mercado de que tinha um compromisso visceral com a agenda liberal, ao se afastar do Guedes”, opina o consultor Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.

Sobre quem deve entrar: Arthur Lira é um cumpridor de acordos, isso é quase um chavão nos corredores da Câmara. Vai lidar como presidente da Casa com uma pessoa que não é conhecida por essa característica, o presidente Jair Bolsonaro, ou seja, há um perigo ali na esquina

. Ele provavelmente vai estabelecer na Câmara como prioridade uma das pautas caras ao bolsonarismo, que é a que conflui com a bancada da bala. “Facilitação da venda de armas e votação do excludente de ilicitude vão para o primeiro plano”, acredita Queiroz. Também deve colocar na ordem do dia a reforma administrativa, para quebrar o poder das corporações do funcionalismo. A partir daí, tudo dependerá de uma relação transacional, que pode ser perigosa para Paulo Guedes.

Em uma conversa em agosto do ano passado, Lira demonstrou grande preocupação com a importância de se manter mecanismos de ajuda assistencial e muita consciência do poder que pode chegar às suas mãos. “Sou de Alagoas. Sei da dificuldade que virá”, comentou.

Ele ressaltou que o Parlamento é muito, muito poderoso. “O Congresso pode alterar qualquer regra”, disse na ocasião. “Os presidentes das Casas são muito fortes. O sistema é parlamentarista. E acordos precisam ser cumpridos. Se não, não passa. Ninguém se sustenta se não houver acordo”.

É evidente que Lira não está disposto a entregar coisas de graça ao presidente e isso pode ter repercussões na execução do Orçamento, na distribuição de cargos e no poder individual de cada ministro. Não há nenhum ministro que reúna tanto poder e que dialogue tão mal com o Congresso como Guedes.

“Trata-se de um profissional. Ele sabe ter uma conversa séria. Joga o jogo. Mas se está afinado com Bolsonaro em tudo eu não sei. Este cara é um enigma”, sintetizou um alto executivo de uma instituição financeira que teve com ele um contato recente.

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