Rodrigo Maia foi um presidente da Câmara independente. Embora apoiado por Bolsonaro, Arthur Lira não tende a ser servil caso eleito
Será
uma enorme surpresa para todos os observadores da cena política se na próxima
segunda-feira o deputado Arthur Lira (PP-AL) não se eleger presidente da
Câmara, no primeiro ou no segundo turno. A polêmica agora é dimensionar a
magnitude deste evento no transcurso do governo Bolsonaro, questão em que é
extremamente importante prestar atenção em quem está saindo de cena e quem está
entrando. Comecemos por quem sai.
Rodrigo
Maia foi um presidente da Câmara singular, não apenas pelos cinco anos e meio
que ficou no cargo. Ele dependeu pouco tanto de Michel Temer quanto de
Bolsonaro para conquistar o que conquistou. Foi eleito pela primeira vez em um
mandato tampão, na atabalhoada saída de Eduardo Cunha do cargo, primeiro por
força de uma decisão judicial e depois da renúncia na fracassada tentativa de
preservar o mandato.
Em
julho de 2016, ele se apoiou em uma coligação branca com as oposições para
derrotar o candidato do Centrão, Rogério Rosso (PSD-DF). É um pouco o que tenta
repetir agora, ao urdir a candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP). Ainda muito tributário
de Cunha, mas bastante interessado em quebrar esta dependência, o então
presidente Michel Temer pouco pôde fazer para interferir no processo.
Maia assumiu sem dívidas com o Planalto. A reeleição em 2017 foi viabilizada por uma exceção aberta pelo Supremo Tribunal Federal. Em 2019 tinha o direito de permanecer assegurado e Bolsonaro sequer ousou articular contra ele.
A
interlocução azeitada com a esquerda nunca o impediu de ser protagonista de uma
pauta favorável ao mercado: teto de gastos, reforma trabalhista, marco do
saneamento, reforma da previdência e por aí vai. Esta agenda, em muitas
ocasiões, pairou acima dos descaminhos do presidente da República de turno.
Com
a ascensão de Bolsonaro, Maia tornou-se também o interlocutor privilegiado do
ministro Paulo Guedes com a classe política, mas isso durou muito pouco tempo.
Manteve essa condição até virar um ator político fundamental em uma engrenagem
que ainda está a se provar eficaz: a de que é possível bater Bolsonaro em 2022
sem que se devolva o poder para a esquerda. A partir de então virou o inimigo
número dois do bolsonarismo. O número um é o governador João Doria.
Na
história da Câmara dos Deputados, a maioria dos presidentes não tem esse perfil
independente. O mais comum é chegarem ao poder sustentados pelo Planalto. Maia
teve mais poder que um presidente da Câmara normal, mas daí a fazer o sucessor
é um grande salto.
Antes
da pandemia, ele era um interlocutor dos deputados com o poder central. Teve
papel central no avanço do Congresso sobre o Orçamento, até torná-lo quase
impositivo. É preciso lembrar o que acontecia no Brasil entre fevereiro e março
do ano passado: Bolsonaro estimulava manifestações pelo País contra o
Legislativo, tendo como mantra um palavrão dito pelo general Heleno. O pano de
fundo era o controle dos recursos orçamentários. Foi neste quadro que se
iniciou a emergência sanitária. Este papel negociador de verbas e de cargos foi
migrando com força para o Centrão, personificado por Lira.
O
andamento da campanha mostrou flancos abertos no coração da base de Maia: o
eixo PSDB/DEM. “A campanha é uma lástima. O Lira sente o chão do plenário. O
Baleia, abraçado ao Maia, apostou tudo nas cúpulas, quando a eleição de mesa
diretora é uma ocasião rara em que a base impera”, comentou o tucano Danilo
Forte (CE).
Para
o deputado Arthur Maia (BA), integrante do DEM e sem parentesco com o
presidente da Câmara, faltou inclusive diálogo com as cúpulas, a começar do
próprio partido de ambos. “Ele não consultou ninguém no partido para construir
a candidatura do Baleia. No ano passado, sem fazer uma única reunião no DEM,
apostou em um golpe institucional para viabilizar sua própria reeleição no
Supremo. Ele se acha proprietário da sigla”.
É
uma referência à canhestra articulação comandada pelo presidente do Senado,
Davi Alcolumbre, para reinterpretar a Constituição e viabilizar a reeleição das
mesas. A jogada não deu certo e foi derrotada no Supremo por 7 votos a 4.
Rodrigo Maia paralisou a escolha de seu sucessor para aguardar o desfecho dessa
trama. Agora, o presidente da sigla, o baiano ACM Neto, assistiu serenamente a
adesão de toda seção do DEM de seu Estado à candidatura de Lira.
O
futuro de Rodrigo Maia é nebuloso. “Penso que ele submerge. Ele perdeu espaço
político no seu partido e a narrativa no mercado de que tinha um compromisso
visceral com a agenda liberal, ao se afastar do Guedes”, opina o consultor
Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar.
Sobre
quem deve entrar: Arthur Lira é um cumpridor de acordos, isso é quase um chavão
nos corredores da Câmara. Vai lidar como presidente da Casa com uma pessoa que
não é conhecida por essa característica, o presidente Jair Bolsonaro, ou seja,
há um perigo ali na esquina
.
Ele provavelmente vai estabelecer na Câmara como prioridade uma das pautas
caras ao bolsonarismo, que é a que conflui com a bancada da bala. “Facilitação
da venda de armas e votação do excludente de ilicitude vão para o primeiro
plano”, acredita Queiroz. Também deve colocar na ordem do dia a reforma
administrativa, para quebrar o poder das corporações do funcionalismo. A partir
daí, tudo dependerá de uma relação transacional, que pode ser perigosa para
Paulo Guedes.
Em
uma conversa em agosto do ano passado, Lira demonstrou grande preocupação com a
importância de se manter mecanismos de ajuda assistencial e muita consciência
do poder que pode chegar às suas mãos. “Sou de Alagoas. Sei da dificuldade que
virá”, comentou.
Ele
ressaltou que o Parlamento é muito, muito poderoso. “O Congresso pode alterar
qualquer regra”, disse na ocasião. “Os presidentes das Casas são muito fortes.
O sistema é parlamentarista. E acordos precisam ser cumpridos. Se não, não
passa. Ninguém se sustenta se não houver acordo”.
É
evidente que Lira não está disposto a entregar coisas de graça ao presidente e
isso pode ter repercussões na execução do Orçamento, na distribuição de cargos
e no poder individual de cada ministro. Não há nenhum ministro que reúna tanto
poder e que dialogue tão mal com o Congresso como Guedes.
“Trata-se de um profissional. Ele sabe ter uma conversa séria. Joga o jogo. Mas se está afinado com Bolsonaro em tudo eu não sei. Este cara é um enigma”, sintetizou um alto executivo de uma instituição financeira que teve com ele um contato recente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário