sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Claudia Safatle - Auxílio depende de desindexar gastos

- Valor Econômico

Acabar com a desindexação é concluir o que ficou faltando no Plano Real

A três dias da definição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, o governo afia as suas propostas, a começar da aprovação do Orçamento da União para este exercício e da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, encorpada com os três D - desindexação, desvinculação e desobrigação do gasto público. Para uma fonte do Ministério da Economia, “o Orçamento deste ano e a PEC são peças definidoras do xadrez que vamos jogar”, a partir da posse dos presidentes da Câmara e do Senado, na semana que vem.

As informações que chegam à equipe econômica são de que, se o vencedor do pleito para a presidência da Câmara dos Deputados for Artur Lira (PP-AL), será possível sonhar com a desindexação dos gastos orçamentários, que é, de longe, o D que mais pressiona a despesa pública. Com o apoio de Jair Bolsonaro, Lira entraria para tocar uma agenda bem afinada com o Executivo, ao contrário do antecessor, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Cálculos feitos por técnicos do governo ainda em 2019 davam conta de que a indexação respondia por cerca de R$ 60 bilhões de expansão do gasto naquele ano. Ou seja, segundo esse levantamento, 67,7% da despesa orçamentária é indexada à inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ou pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ou ainda à variação do salário mínimo. Com a aceleração recente da inflação, essa conta está sendo refeita e é, seguramente, superior àquela cifra.

A desvinculação e a desobrigação não representam possibilidade de redução do gasto, mas desengessam o Orçamento, permitindo o remanejamento de recursos e a sua realocação. Nesse aspecto, a busca de eficiência do gasto público, com a vinculação, fica comprometida na medida em que o dinheiro já é carimbado para determinadas despesas.

A partir da eventual aprovação da desindexação, desvinculação e desobrigação será possível desenhar um novo programa de auxílio emergencial e, nesse tocante, há duas hipóteses sendo tratadas na área econômica do governo: investir em uma opção estrutural e definitiva a partir de um programa de renda mínima que melhore a distribuição da riqueza no país; ou criar um novo auxílio de uns R$ 200 por mais três meses, que seria o prazo considerado factível para a vacinação em massa da população.

A partir da vacinação espera-se uma retomada efetiva da trajetória de crescimento do país e, portanto, com a consequente recuperação do emprego e da renda.

Já em relação à primeira alternativa, não seria preciso inventar muita coisa. Bastaria ampliar o alcance do Bolsa Família com novas regras de acesso e com aumento do valor. Para os defensores de uma política de renda mínima, “esta seria uma mudança estrutural, o resto é puxadinho”.

As prioridades para este ano seriam, portanto, a saúde - com a vacinação em massa -, a renda e o emprego. Não consta dos planos do governo a hipótese de melhorar a performance do investimento público como um instrumento de retomada do crescimento econômico. Nos tempos do “milagre econômico” os investimentos públicos chegaram à 5% do PIB. Hoje eles se encontram na casa de 0,5% do PIB.

Mesmo sujeita à lei do teto de gastos, a despesa pública é extremamente rígida e, por ter praticamente dois terços dela indexados a índices de preços ou à variação do salário mínimo, para cumprir o teto quem é penalizado é o gasto discricionário e, nele, o investimento.

“Desta vez quem vai ter que comandar a expansão do investimento é o setor privado”, salientam fontes da área econômica. Estudos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sugerem que os parcos recursos dos investimentos públicos deveriam ser usados como garantia para os investimentos privados.

Informações da Secretaria do Tesouro Nacional apontam uma série de despesas indexadas, a começar dos benefícios da Previdência Social, o abono salarial e o seguro-desemprego que são atrelados à variação do salário mínimo e ao INPC. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é corrigido pelo valor do mínimo e o IPCA é o índice que atualiza os valores das aplicações mínimas constitucionais para as áreas da educação e da saúde, dentre outros.

O fato de não estar oficialmente indexado a algum índice de correção não significa que aquela despesa ficará congelada nos seus valores nominais eternamente. Os salários, no setor privado, não têm correção automática, mas também não são congelados, obedecendo a uma negociação entre patrões e empregados que vai determinar os reajustes anuais conforme os ciclo econômicos e, consequentemente, a situação do mercado de trabalho.

Ao ser informado, no ano passado que com o fim da indexação acabariam os reajustes automáticos das aposentadorias e pensões, o presidente Jair Bolsonaro se posicionou imediatamente contra a medida. O entendimento de fontes graduadas do Ministério da Economia é que a oposição de Bolsonaro, naquela ocasião, foi influenciada pela proximidade das eleições municipais. Acredita-se que agora, com um interregno de campanhas eleitorais nos próximos nove a dez meses, o governo terá um período de “calmaria” política para tocar sua agenda de reformas. Nas contas de fontes oficiais, a campanha pela sucessão presidencial deve começar a ocupar integralmente as mentes palacianas e parlamentares por volta de setembro a outubro deste ano.

O tempo, portanto, é curto e a desindexação é um movimento que só deve ser iniciado em períodos de inflação baixa, quando os índices de preços perdem relevância para os contratos em geral. Mas acabar com a correção automática de gastos públicos é completar o Plano Real, de 1994, que deixou essa ponta inalterada em uma época em que não era disseminada a preocupação com a crescente despesa pública, na medida em que era coberta pelo aumento das receitas com impostos e contribuições. Hoje ela é financiada pelo aumento da dívida pública.

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