Acabar
com a desindexação é concluir o que ficou faltando no Plano Real
A três dias da definição das mesas diretoras da Câmara e do Senado, o governo afia as suas propostas, a começar da aprovação do Orçamento da União para este exercício e da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial, encorpada com os três D - desindexação, desvinculação e desobrigação do gasto público. Para uma fonte do Ministério da Economia, “o Orçamento deste ano e a PEC são peças definidoras do xadrez que vamos jogar”, a partir da posse dos presidentes da Câmara e do Senado, na semana que vem.
As
informações que chegam à equipe econômica são de que, se o vencedor do pleito
para a presidência da Câmara dos Deputados for Artur Lira (PP-AL), será
possível sonhar com a desindexação dos gastos orçamentários, que é, de longe, o
D que mais pressiona a despesa pública. Com o apoio de Jair Bolsonaro, Lira
entraria para tocar uma agenda bem afinada com o Executivo, ao contrário do
antecessor, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Cálculos feitos por técnicos do governo ainda em 2019 davam conta de que a indexação respondia por cerca de R$ 60 bilhões de expansão do gasto naquele ano. Ou seja, segundo esse levantamento, 67,7% da despesa orçamentária é indexada à inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ou pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) ou ainda à variação do salário mínimo. Com a aceleração recente da inflação, essa conta está sendo refeita e é, seguramente, superior àquela cifra.
A
desvinculação e a desobrigação não representam possibilidade de redução do
gasto, mas desengessam o Orçamento, permitindo o remanejamento de recursos e a
sua realocação. Nesse aspecto, a busca de eficiência do gasto público, com a
vinculação, fica comprometida na medida em que o dinheiro já é carimbado para
determinadas despesas.
A
partir da eventual aprovação da desindexação, desvinculação e desobrigação será
possível desenhar um novo programa de auxílio emergencial e, nesse tocante, há
duas hipóteses sendo tratadas na área econômica do governo: investir em uma
opção estrutural e definitiva a partir de um programa de renda mínima que
melhore a distribuição da riqueza no país; ou criar um novo auxílio de uns R$
200 por mais três meses, que seria o prazo considerado factível para a
vacinação em massa da população.
A
partir da vacinação espera-se uma retomada efetiva da trajetória de crescimento
do país e, portanto, com a consequente recuperação do emprego e da renda.
Já
em relação à primeira alternativa, não seria preciso inventar muita coisa.
Bastaria ampliar o alcance do Bolsa Família com novas regras de acesso e com
aumento do valor. Para os defensores de uma política de renda mínima, “esta
seria uma mudança estrutural, o resto é puxadinho”.
As
prioridades para este ano seriam, portanto, a saúde - com a vacinação em massa
-, a renda e o emprego. Não consta dos planos do governo a hipótese de melhorar
a performance do investimento público como um instrumento de retomada do
crescimento econômico. Nos tempos do “milagre econômico” os investimentos
públicos chegaram à 5% do PIB. Hoje eles se encontram na casa de 0,5% do PIB.
Mesmo
sujeita à lei do teto de gastos, a despesa pública é extremamente rígida e, por
ter praticamente dois terços dela indexados a índices de preços ou à variação
do salário mínimo, para cumprir o teto quem é penalizado é o gasto
discricionário e, nele, o investimento.
“Desta
vez quem vai ter que comandar a expansão do investimento é o setor privado”,
salientam fontes da área econômica. Estudos do Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) sugerem que os parcos recursos dos investimentos públicos
deveriam ser usados como garantia para os investimentos privados.
Informações
da Secretaria do Tesouro Nacional apontam uma série de despesas indexadas, a
começar dos benefícios da Previdência Social, o abono salarial e o
seguro-desemprego que são atrelados à variação do salário mínimo e ao INPC. O
Benefício de Prestação Continuada (BPC) é corrigido pelo valor do mínimo e o
IPCA é o índice que atualiza os valores das aplicações mínimas constitucionais
para as áreas da educação e da saúde, dentre outros.
O
fato de não estar oficialmente indexado a algum índice de correção não
significa que aquela despesa ficará congelada nos seus valores nominais
eternamente. Os salários, no setor privado, não têm correção automática, mas
também não são congelados, obedecendo a uma negociação entre patrões e
empregados que vai determinar os reajustes anuais conforme os ciclo econômicos
e, consequentemente, a situação do mercado de trabalho.
Ao
ser informado, no ano passado que com o fim da indexação acabariam os reajustes
automáticos das aposentadorias e pensões, o presidente Jair Bolsonaro se
posicionou imediatamente contra a medida. O entendimento de fontes graduadas do
Ministério da Economia é que a oposição de Bolsonaro, naquela ocasião, foi
influenciada pela proximidade das eleições municipais. Acredita-se que agora,
com um interregno de campanhas eleitorais nos próximos nove a dez meses, o
governo terá um período de “calmaria” política para tocar sua agenda de
reformas. Nas contas de fontes oficiais, a campanha pela sucessão presidencial
deve começar a ocupar integralmente as mentes palacianas e parlamentares por
volta de setembro a outubro deste ano.
O tempo, portanto, é curto e a desindexação é um movimento que só deve ser iniciado em períodos de inflação baixa, quando os índices de preços perdem relevância para os contratos em geral. Mas acabar com a correção automática de gastos públicos é completar o Plano Real, de 1994, que deixou essa ponta inalterada em uma época em que não era disseminada a preocupação com a crescente despesa pública, na medida em que era coberta pelo aumento das receitas com impostos e contribuições. Hoje ela é financiada pelo aumento da dívida pública.
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