quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Merval Pereira - O poder das Big Techs

- O Globo

O fato de os gigantes tecnológicos poderem se tornar mais poderosos política e economicamente que estados soberanos preocupa governos de todos os matizes ideológicos, da China aos Estados Unidos, passando pela Rússia e a União Européia. O presidente Vladimir Putin é um exemplo disto. Falando ontem no Fórum Econômico Mundial de Davos por videoconferência, ressaltou que a essa altura as Big Techs - Google, Amazon, Facebook, Apple, Ali Baba- “já não são simples gigantes econômicos, em diferentes áreas elas já são de fato concorrentes do Estado”.

Também a nova administração dos Estados Unidos, com Biden à frente, anunciou ontem a manutenção do veto da empresa chinesa Huawei na disputa do 5G, iniciativa que havia sido tomada na administração Trump. Quando se trata de guerra tecnológica, os opostos se encontram. E há propostas de controlar os grupos tecnológicos que se tornaram grandes demais, e monopolistas. A tendência é que o Departamento de Justiça derrote as empresas, impedidno o monopólio, como aconteceu há anos com a telefonia, quando a AT&T foi desmembrada em várias empresas.

A China, por sua vez, simplesmente calou Jack Ma, o homem mais rico do país, que ousou criticar o conservadorismo do Partido Comunista, reivindicando mais espaço para o crescimento de seu império nascido do site de compras on-line Ali Baba. Uma das empresas, a Alipay, sistema digital de pagamentos, domina o mercado chinês, a maior economia do mundo. Ma estava ficando mais poderoso do que gostaria o governo chinês, e foi aberta uma investigação antitruste para controlar seu crescimento, que é bom para a economia chinesa, mas não a ponto de desafiar o Partido Comunista.

Os gigantes tecnológicos têm um papel cada vez mais importante na vida da sociedade. A posição monopolista das grandes empresas de tecnologia  “é a ideal para a organização dos processos tecnológicos e comerciais”, admitiu Putin. “Mas na sociedade, surge a questão de quanto tal monopolismo corresponde aos interesses sociais”, destacou o presidente da Rússia, levantando os mesmos argumentos de defesa da democracia: “Onde está o limite entre os negócios globais bem-sucedidos, os serviços necessários, a consolidação dos macroindicadores e as tentativas de controlar grosseiramente, usando seu arbítrio, a sociedade, de substituir os institutos democráticos legítimos e, em essência, usurpar ou limitar os direitos naturais da pessoa de decidir como viver, o que escolher, qual opinião expressar livremente".

Democracia não é exatamente a praia de Putin, assim como a China está mais preocupada com o controle da atividade econômica do que com as liberdades individuais. Nos Estados Unidos, há uma discussão sobre a propriedade de novas tecnologias barrarem, por critérios próprios, o seu uso, como o Facebook fez com o ex-presidente Trump. A limitação do uso dessas novas mídias, sobretudo na tentativa de controlar as disputas políticas, deve ser estabelecida, mas a discussão é sobre quem definirá os critérios a serem adotados. Ou se é mesmo necessário ter esse controle, que também não pode ser dos governos.

Indigestão cívica

Sob esse título, escrevi ontem sobre corrupção no governo Bolsonaro, e listei entre os fatos que merecem investigação a compra de alimentos, como R$ 15 milhões em leite condensado e cerca de R$ 2 milhões em chicletes, entre outras aparentes extravagâncias.

Explicações extra-oficiais, não o desabafo do presidente Bolsonaro em linguagem de botequim, me levam a reconsiderar as críticas. Chicletes e leite condensado são usados pelas Forças Armadas em certas circunstâncias, e seu uso regular aparece em compras de diversos governos anteriores, segundo afirmou o vice-presidente Hamilton Mourão. Seria bom que um pronunciamento oficial, detalhando os gastos e os preços pagos, esclarecesse de vez a questão.

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