quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Maria Hermínia Tavares* - Para Bolsonaro a prioridade é devastar

- Folha de S. Paulo

Quatro projetos de lei tem tudo para agravar a destruição da Amazônia e colocar em perigo as populações indígenas

Na semana passada, o presidente da República entregou ao novo titular da Câmara dos Deputados a pauta legislativa de interesse do Executivo, contendo 35 projetos já em tramitação no Congresso. Quem tem tantas metas a rigor não tem nenhuma. Ainda mais quando se considera o escasso tempo —coisa de um ano— antes que as disputas voltadas para as próximas eleições paralisem os trabalhos legislativos.

Em meio à pandemia, é de estarrecer a ausência de qualquer iniciativa para fortalecer o sistema público de saúde, apoiar as redes de escolas públicas confrontadas com o desafio da reabertura em circunstâncias difíceis ou, enfim, para fortalecer a capacidade do país de produzir ciência e conhecimento aplicado a fim de enfrentar a calamidade sanitária.

Em compensação, quatro projetos, considerados prioritários pelo presidente, tem tudo para agravar a devastação da Amazônia e colocar em perigo o modo de vida --se não a própria existência-- de suas populações originárias.

Menina dos olhos de Bolsonaro, a mineração nas terras teoricamente protegidas que esses povos, por lei, ocupam é objeto do projeto de lei 191/2020, que pretende regulamentar a exploração de recursos minerais —incluindo o garimpo—, hídricos e orgânicos naquelas reservas. Hoje praticados de forma ilegal, se guiados por regras frouxas, mineração e garimpo poderão desfigurar 50% das terras indígenas da Amazônia Legal, 28% delas em toda sua extensão, afetar 28 comunidades indígenas e cerca de 65 povos isolados, segundo calcula o ISA (Instituto Socioambiental).

A regularização fundiária é tratada no projeto de lei 2633/2020, que substituiu a chamada medida provisória da grilagem (MP 910) e que, no entender dos especialistas, ao estimular a ocupação predatória e ilegal de terras, pode produzir retrocesso ambiental.

A lista do desastre se completa com os textos que tratam do licenciamento ambiental (projeto 3729/2004) e das concessões florestais (5518/2020). Nos dois casos, um cabo de guerra opõe os defensores de normas claras que imponham custos elevados à depredação àqueles que mexem os pauzinhos junto ao governo pela licença ilimitada para desmatar.

Os destinos da floresta e de seus povos são inextricáveis: é o que torna o Brasil original como cultura e decisivo, graças ao seu patrimônio ambiental, para o futuro do planeta --valores espezinhados pela combinação de cegueira, ignorância e vocação destrutiva da extrema direita que desgoverna o país. O Legislativo terá de enfrentar mais uma vez o desafio de impedir o pior. Resta saber se terá ânimo para tanto.

Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

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