Quatro
projetos de lei tem tudo para agravar a destruição da Amazônia e colocar em
perigo as populações indígenas
Na
semana passada, o presidente da República entregou ao novo titular da Câmara dos
Deputados a pauta legislativa de interesse do Executivo, contendo 35 projetos
já em tramitação no Congresso. Quem tem tantas metas a rigor não tem nenhuma.
Ainda mais quando se considera o escasso tempo —coisa de um ano— antes que as
disputas voltadas para as próximas eleições paralisem os trabalhos
legislativos.
Em meio à pandemia, é de estarrecer a ausência de qualquer iniciativa para fortalecer o sistema público de saúde, apoiar as redes de escolas públicas confrontadas com o desafio da reabertura em circunstâncias difíceis ou, enfim, para fortalecer a capacidade do país de produzir ciência e conhecimento aplicado a fim de enfrentar a calamidade sanitária.
Em
compensação, quatro projetos, considerados prioritários pelo presidente, tem
tudo para agravar a devastação da Amazônia e colocar em perigo o modo de vida
--se não a própria existência-- de suas populações originárias.
Menina
dos olhos de Bolsonaro, a mineração nas terras teoricamente protegidas que
esses povos, por lei, ocupam é objeto do projeto de lei 191/2020,
que pretende regulamentar a exploração de recursos minerais —incluindo o
garimpo—, hídricos e orgânicos naquelas reservas. Hoje praticados de forma
ilegal, se guiados por regras frouxas, mineração e garimpo poderão desfigurar
50% das terras indígenas da Amazônia Legal, 28% delas em toda sua extensão,
afetar 28 comunidades indígenas e cerca de 65 povos isolados, segundo calcula o
ISA (Instituto Socioambiental).
A
regularização fundiária é tratada no projeto de lei 2633/2020,
que substituiu a chamada medida provisória da grilagem (MP 910) e que, no
entender dos especialistas, ao estimular a ocupação predatória e ilegal de
terras, pode produzir retrocesso ambiental.
A
lista do desastre se completa com os textos que tratam do licenciamento
ambiental (projeto 3729/2004) e das concessões florestais (5518/2020). Nos dois
casos, um cabo de guerra opõe os defensores de normas claras que imponham
custos elevados à depredação àqueles que mexem os pauzinhos junto ao governo
pela licença ilimitada para desmatar.
Os
destinos da floresta e de seus povos são inextricáveis: é o que torna o Brasil
original como cultura e decisivo, graças ao seu patrimônio ambiental, para o
futuro do planeta --valores espezinhados pela combinação de cegueira,
ignorância e vocação destrutiva da extrema direita que desgoverna o país. O
Legislativo terá de enfrentar mais uma vez o desafio de impedir o pior. Resta
saber se terá ânimo para tanto.
Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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