sábado, 20 de março de 2021

Ricardo Noblat - Presidente perverso recusa-se a ouvir o grito dos que sofrem

- Blog do Noblat / Veja

E refere-se ao Exército como “meu Exército”

À falta melhor do que fazer, uma vez que o combate à pandemia da Covid-19 só lhe desperta os instintos mais primitivos, Jair Bolsonaro passou pelo vexame de ouvir um “para com isso” do ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal.

No Rio, onde se encontrava, Fux soube que em Brasília, na sua pregação diária para devotos reunidos nos jardins do Palácio da Alvorada, Bolsonaro deu a entender que poderia decretar Estado de Sítio no país ou em algumas de suas regiões.

Estado de Sítio é coisa séria. Só pode ser decretado após consulta ao Conselho da República, ao Conselho de Defesa Nacional e mediante autorização do Congresso. O presidente do Supremo Tribunal Federal é um dos membros do Conselho da República.

Daí o interesse de Fux pelo assunto, o que o levou a telefonar de imediato para Bolsonaro. Segundo o artigo 137 da Constituição, o Estado de Sítio só se justifica em dois casos:

I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

De fato, o Brasil pode estar caminhando na direção de um estado de comoção grave diante da recusa de Bolsonaro em combater o coronavírus, deixando que morram os que tiverem de morrer porque ele simplesmente não é coveiro. Mas ainda não chegou lá.

É possível que ao presidente da República interesse que chegue. Enquanto durar o Estado de Sítio, aumentam seus poderes e se enfraquecem os direitos individuais dos cidadãos. Ele poderá, por exemplo, suspender a liberdade de reunião e ir além.

O Estado poderá fazer busca e apreensão em domicílios sem prévia consulta à justiça, e intervir em empresas particulares requisitando os bens que lhe aprouver. A correspondência entre pessoas perde sua inviolabilidade. As prisões se tornam moeda corrente.

Funciona, digamos, como um ensaio de um Estado de exceção. Um presidente democrata faria tudo para evitá-lo. Para um presidente de extrema direita, pronto a celebrar mais um aniversário do golpe militar de 64, o Estado de Sítio é uma tentação irresistível.

A Fux, Bolsonaro negou que tenha falado em Estado de Sítio ou que cogite adotá-lo. Então por que o mal entendido? Porque ele disse, sem que ninguém lhe perguntasse, que “vai chegar o momento” em que o governo terá de tomar uma  “ação dura”.

Afirmou que a miséria, a fome e a pobreza são “terreno fértil para ditadura” no País. E, provocou: “Será que o governo federal vai ter que tomar uma decisão antes que isso aconteça? Será que a população está preparada para uma ação dura no tocante a isso?”.

Ação dura para quê? Ele mesmo respondeu: “É para dar liberdade pro povo, é para dar o direito de o povo trabalhar. Não é ditadura não, uns hipócritas aí falando de ditadura o tempo todo, uns imbecis”. Ação dura contra medidas de isolamento social.

Bolsonaro bateu às portas do Supremo atrás da revogação de medidas de isolamento baixadas pelos governadores do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul. Está cansado de saber que o Supremo se negará a revogá-las. Por que insiste mesmo assim?

Para reforçar seu discurso de que não age contra o vírus como gostaria por que a justiça o impede. Para jogar a população contra governadores e prefeitos apontados por ele como “projeto de pequenos ditadores”. Para tumultuar ainda mais a situação.

“Jamais adotaria o lockdown no Brasil. O meu Exército não vai para a rua cumprir decreto de governadores”, repetiu Bolsonaro. “Se o povo começar a sair [de casa], entrar na desobediência civil, não adianta pedir Exército. Nem por ordem do Papa, não vai”.

Com os 2.730 óbitos registrados nas últimas 24 horas, março de 2021 se tornou o mês mais mortal da pandemia, superando julho do ano passado. No momento, o governo dispõe de dois ministros da Saúde – um general e um médico. Significa não ter nenhum.

O general está à espera que lhe arranjem um novo cargo – de preferência com status de ministro para se resguardar de processos. O médico precisa de tempo para desvincular-se de suas atividades de empresário. Por ora, um não sai e o outro não entra.

O presidente perverso tem campo aberto para exercitar sua desumanidade e tocar horror.

Queiroga é um político jeitoso travestido de médico

Tem tudo para dar errado como ministro da Saúde

E se não passarem de notícias falsas as que dão conta de que as UTIs estão lotadas com pacientes da Covid-19? O que garante que parte deles não padeça de outras doenças?

O presidente Jair Bolsonaro tentou plantar essa dúvida na última quinta-feira quando comentou com um grupo de devotos seus:

– Parece que só morre de Covid. Você pega, você pode ver… Os hospitais estão com 90% das UTIs ocupadas. Quantos são de Covid e quantos são de outras enfermidades?

Será mais um trabalho para o próximo ministro da Saúde, o cardiologista e bolsonarista de raiz Marcelo Queiroga. O presidente quer que ele inspecione UTIs para descobrir a verdade.

A exemplo do general Eduardo Pazuello, o ministro que demora a sair, para Queiroga missão dada é missão cumprida. Quando nada porque manda quem pode, obedece quem tem juízo, e ele tem.

Nos corredores quase desertos do Congresso, mas principalmente ao telefone, deputados e senadores confessam sua frustração com a escolha de Queiroga para substituir Pazuello.

Foi uma escolha doméstica, familiar, que não atendeu à indicação de ninguém – salvo ao senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ), o Zero Um, às voltas com acusações de corrupção.

Entre seus amigos, Queiroga é lembrado mais por seu amor à política do que por seu amor à medicina. É bom de conversa, jeitoso no trato e tem ambição.

Mas se Bolsonaro, mais adiante, precisar trocá-lo, o fará sem perder uma noite de insônia. De insônia, porque a cada dia ele dorme menos.

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