E
refere-se ao Exército como “meu Exército”
À falta melhor do que fazer, uma vez que o combate à pandemia da Covid-19 só lhe desperta os instintos mais primitivos, Jair Bolsonaro passou pelo vexame de ouvir um “para com isso” do ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal.
No
Rio, onde se encontrava, Fux soube que em Brasília, na sua pregação diária para
devotos reunidos nos jardins do Palácio da Alvorada, Bolsonaro deu a entender
que poderia decretar Estado de Sítio no país ou em algumas de suas regiões.
Estado
de Sítio é coisa séria. Só pode ser decretado após consulta ao Conselho da
República, ao Conselho de Defesa Nacional e mediante autorização do Congresso.
O presidente do Supremo Tribunal Federal é um dos membros do Conselho da
República.
Daí o interesse de Fux pelo assunto, o que o levou a telefonar de imediato para Bolsonaro. Segundo o artigo 137 da Constituição, o Estado de Sítio só se justifica em dois casos:
I
– comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a
ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II
– declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
De
fato, o Brasil pode estar caminhando na direção de um estado de comoção grave
diante da recusa de Bolsonaro em combater o coronavírus, deixando que morram os
que tiverem de morrer porque ele simplesmente não é coveiro. Mas ainda não
chegou lá.
É
possível que ao presidente da República interesse que chegue. Enquanto durar o
Estado de Sítio, aumentam seus poderes e se enfraquecem os direitos individuais
dos cidadãos. Ele poderá, por exemplo, suspender a liberdade de reunião e ir
além.
O
Estado poderá fazer busca e apreensão em domicílios sem prévia consulta à
justiça, e intervir em empresas particulares requisitando os bens que lhe
aprouver. A correspondência entre pessoas perde sua inviolabilidade. As prisões
se tornam moeda corrente.
Funciona,
digamos, como um ensaio de um Estado de exceção. Um presidente democrata faria
tudo para evitá-lo. Para um presidente de extrema direita, pronto a celebrar
mais um aniversário do golpe militar de 64, o Estado de Sítio é uma tentação
irresistível.
A
Fux, Bolsonaro negou que tenha falado em Estado de Sítio ou que cogite
adotá-lo. Então por que o mal entendido? Porque ele disse, sem que ninguém lhe
perguntasse, que “vai chegar o momento” em que o governo terá de tomar uma “ação
dura”.
Afirmou
que a miséria, a fome e a pobreza são “terreno fértil para ditadura” no País.
E, provocou: “Será que o governo federal vai ter que tomar uma decisão antes
que isso aconteça? Será que a população está preparada para uma ação dura no
tocante a isso?”.
Ação
dura para quê? Ele mesmo respondeu: “É para dar liberdade pro povo, é para dar
o direito de o povo trabalhar. Não é ditadura não, uns hipócritas aí falando de
ditadura o tempo todo, uns imbecis”. Ação dura contra medidas de isolamento
social.
Bolsonaro
bateu às portas do Supremo atrás da revogação de medidas de isolamento baixadas
pelos governadores do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul. Está cansado
de saber que o Supremo se negará a revogá-las. Por que insiste mesmo assim?
Para
reforçar seu discurso de que não age contra o vírus como gostaria por que a
justiça o impede. Para jogar a população contra governadores e prefeitos
apontados por ele como “projeto de pequenos ditadores”. Para tumultuar ainda
mais a situação.
“Jamais
adotaria o lockdown no Brasil. O meu Exército não vai para a rua cumprir
decreto de governadores”, repetiu Bolsonaro. “Se o povo começar a sair [de
casa], entrar na desobediência civil, não adianta pedir Exército. Nem por ordem
do Papa, não vai”.
Com
os 2.730 óbitos registrados nas últimas 24 horas, março de 2021 se tornou o mês
mais mortal da pandemia, superando julho do ano passado. No momento, o governo
dispõe de dois ministros da Saúde – um general e um médico. Significa não ter
nenhum.
O
general está à espera que lhe arranjem um novo cargo – de preferência com
status de ministro para se resguardar de processos. O médico precisa de tempo
para desvincular-se de suas atividades de empresário. Por ora, um não sai e o
outro não entra.
O
presidente perverso tem campo aberto para exercitar sua desumanidade e tocar
horror.
Queiroga é um político jeitoso travestido de médico
Tem
tudo para dar errado como ministro da Saúde
E
se não passarem de notícias falsas as que dão conta de que as UTIs estão
lotadas com pacientes da Covid-19? O que garante que parte deles não padeça de
outras doenças?
O
presidente Jair Bolsonaro tentou plantar essa dúvida na última quinta-feira
quando comentou com um grupo de devotos seus:
–
Parece que só morre de Covid. Você pega, você pode ver… Os hospitais estão com
90% das UTIs ocupadas. Quantos são de Covid e quantos são de outras
enfermidades?
Será
mais um trabalho para o próximo ministro da Saúde, o cardiologista e
bolsonarista de raiz Marcelo Queiroga. O presidente quer que ele inspecione
UTIs para descobrir a verdade.
A
exemplo do general Eduardo Pazuello, o ministro que demora a sair, para
Queiroga missão dada é missão cumprida. Quando nada porque manda quem pode,
obedece quem tem juízo, e ele tem.
Nos
corredores quase desertos do Congresso, mas principalmente ao telefone,
deputados e senadores confessam sua frustração com a escolha de Queiroga para
substituir Pazuello.
Foi
uma escolha doméstica, familiar, que não atendeu à indicação de ninguém – salvo
ao senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ), o Zero Um, às voltas com acusações
de corrupção.
Entre
seus amigos, Queiroga é lembrado mais por seu amor à política do que por seu
amor à medicina. É bom de conversa, jeitoso no trato e tem ambição.
Mas se Bolsonaro, mais adiante, precisar trocá-lo, o fará sem perder uma noite de insônia. De insônia, porque a cada dia ele dorme menos.
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