quarta-feira, 24 de março de 2021

Vinicius Torres Freire – O movimento cartista dos empresários

- Folha de S. Paulo

Ideia é fazer pressão para que Bolsonaro permita um governo funcional na epidemia

Empresas querem financiar leitos extras de UTI, também em hospitais privados. Mas querem um incentivo para facilitar essa ajuda, por assim dizer. Foi uma das ideias que deram em reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), entre outras. O essencial seria levar Jair Bolsonaro a fazer uma reviravolta no governo.

Alguns empresários dizem que ainda seria possível arrumar leitos extras de UTIs em hospitais privados, que as reservam para pacientes de cirurgias eletivas, até por motivos financeiros. As empresas “comprariam” esses leitos em tese ainda disponíveis, com algum incentivo de redução de impostos.

As reuniões desta segunda-feira (23) acontecem na onda da repercussão da carta de economistas, financistas e empresários contra a política sanitária insana de Bolsonaro. Vamos chama-lo de movimento “cartista”, com ironia histórica (o Cartismo foi um movimento político operário que surgiu na Inglaterra dos anos 1830).

De política mesmo, o movimento pretende “aumentar a pressão” para que Bolsonaro ao menos deixe de sabotar o combate à epidemia. A pressão mais direta acontece por meio de conversas com lideranças do Congresso. Não tem impeachment no programa.

De mais objetivo, do que se trata? Pressão para que esse ministro novo da Saúde ou algum outro tenha autonomia para “fazer o básico” contra a epidemia. Dar poder a algum outro ministro para conduzir negociações comerciais urgentes com o objetivo de comprar vacinas, remédios e o que faltar para manter o atendimento nos hospitais. Fazer mudanças legais que facilitem a importação de remédios e equipamentos (menos impostos, menos normas restritivas, por um período de emergência), urgentemente, até porque, dizem esses empresários, o preço de medicamentos nacionais explodiu. “Tem de abrir a importação ontem”, diz um deles.

O ideal seria uma “reforma ministerial” que pusesse um ministro viável no Itamaraty e outro no Meio Ambiente (para atenuar a ruína da imagem e das negociações internacionais) além de criar um coordenador de governo (Casa Civil? Não dizem). Além de colocar gente funcional nos cargos, a “reforma ministerial” serviria de “freio de arrumação” e sinal objetivo de mudança. Bolsonaro teria de renunciar a si mesmo.

O próximo passo depende do que Bolsonaro diria no seu pronunciamento previsto para a noite desta terça-feira e na reunião que marcou com os demais Poderes para esta quarta.

Um banqueiro disse que, se fosse assessor de imprensa de Bolsonaro, inventaria um discurso do gênero “o que passou, passou, a epidemia está terrível e temos de mudar, eu e todo mundo, vamos virar a página”, uma desconversa assim para temperar uma mudança de fato.

A descrença na mudança é grande. A pressão deve aumentar, diz um executivo que não é da finança. “Muita gente [empresários etc.] está agindo desde o ano passado, doa dinheiro, faz pressão no governo, no Congresso, até entra em conflito público, como o Armínio [Fraga]. Mas, para muitos, a ficha só caiu agora. Para falar francamente, essas pessoas viram que podem ficar sem hospital”, diz esse executivo.

Um financista diz que não apenas a situação sanitária é pior do que em 2020, mas também a econômica. O gasto do governo não poderia crescer como no ano passado, as taxas de juros estão subindo, a piora da epidemia vai provocar outro paradão econômico que ainda não tem perspectiva de terminar —depende da vacina, efeito que só seria visível lá por julho, se tudo der certo. “Precisamos de ‘lockdowns’ até ter vacina. Vai ser péssimo. A alternativa é muito pior”.

CPI da Saúde? Não esteve na conversa. Impeachment? Muito menos. Também não há articulação política no sentido estrito, se por mais não fosse porque empresários “cartistas” e dos encontros parlamentares têm preferências diferentes —vários são bolsonaristas.

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