terça-feira, 13 de abril de 2021

Mudança na tributação global ganha urgência na pandemia – Opinião / Editorial | Valor Econômico

Autoridades brasileiras parecem mais preocupadas em taxar livros e reduzir impostos de armas e games

A pandemia acelerou o debate internacional a respeito da revisão dos impostos e pode dar um fim a 30 anos de guerra fiscal global. Os gastos elevados dos governos para enfrentar a pandemia com medidas sanitárias, compra de vacinas e estímulos à economia ampliaram os gastos públicos. O Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula em US$ 16 trilhões as ações fiscais globais em resposta à pandemia até agora. Em consequência, em toda parte do mundo, não só no Brasil, buscam-se fontes de recursos para cobrir os gastos que parecem não acabar. Esse é um dos temas da reunião do FMI deste mês. Imposto de solidariedade, tributo sobre os serviços digitais, taxar as multinacionais que ganharam dinheiro com a pandemia e a lista dos mais ricos da Forbes são algumas das ideias em circulação.

A derrota de Donald Trump nas últimas eleições americanas abriu caminho para o avanço nas negociações. Durante alguns anos a União Europeia pressionou os Estados Unidos para analisar a taxação dos serviços digitais. Trump sempre se apôs alegando que as gigantes americanas Amazon, Google e Facebook, entre outras, seriam particularmente prejudicadas. No Fórum de Davos virtual deste ano, em janeiro, os europeus voltaram à carga com a proposta que compreende o pagamento de impostos onde os consumidores residem (Pilar I) e a instituição de um imposto mínimo global para combater os paraísos fiscais. Qualquer semelhança com o debate da reforma tributária brasileira não é mera coincidência.

A proposta encontrou terreno fértil na administração de Joe Biden, que avalia que o projeto pode ajudar a financiar seu pacote de US$ 2,3 trilhões para a infraestrutura e apresentou uma proposta que está sendo chamada de a grande “barganha” na imprensa internacional.

Washington propõe que o imposto único global seja de 21%, praticamente o dobro dos 11% a 12% que o FMI vem sugerindo e acima dos 12,5% que a França já está aplicando. Um imposto mínimo global nesse patamar pode tornar mais aceitável a intenção de Biden de elevar a tributação da pessoa jurídica dentro dos Estados Unidos. Trump cortou esse imposto de 35% para 21% e o novo governo quer elevá-lo para 28%.

Em troca, os Estados Unidos propõem que as 100 maiores empresas do mundo sejam tributadas pelas vendas realizadas em países onde não possuem sede. Muitas delas são americanas, de modo que o fisco americano estaria assim abrindo mão de parte da receita. Por outro lado, esperam que os demais países desistam dos tributos digitais que propuseram nos últimos tempos (Valor 9/4).

Vários estudos projetam quanto as bigtechs ganham ao escapar da tributação. A Receita Federal brasileira calcula que pagam 76% a menos do que as demais empresas. Participante do G-20 estima que pagam a metade. O secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, calcula que a “tributação justa” das multinacionais, incluindo as empresas digitais, pode aumentar a receita do imposto de renda corporativo global em até US$ 100 bilhões por ano, com aumento de cerca de 4% em relação ao valor atual (Valor 7/4). Essa estimativa levava em consideração um imposto global mínimo menor do que o proposto por Biden. A OCDE também incluía um grupo de mais de 2 mil multinacionais.

Outras sugestões foram colocadas na mesa. O diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, Vitor Gaspar, propôs a criação de um imposto de solidariedade. Seria um imposto temporário sobre os lucros extraordinários de empresas obtidos em 2020 e também seria cobrado de grandes fortunas. Chile e México discutem a tributação dos mais ricos.

Se a perspectiva de uma grande mudança nas regras globais de tributação parece mais viável, deve provavelmente levar mais tempo do que se esperava. A União Europeia contava com implementar as novas regras até julho. No entanto, isso deve levar mais tempo uma vez que precisa passar pelo Congresso de diversos países.

Apesar de ter assinado na semana passada o comunicado do grupo dos emergentes do Banco Mundial e FMI, o G-24, que defende um acordo tributário global que inclua os ganhos digitais, e de estar avidamente buscando receitas tributárias, o Brasil parece estranhamente distante desse debate global. O possível impacto das mudanças em países em desenvolvimento será discutido hoje pelo FMI e Banco Mundial. Alheias às grandes tendências, as autoridades brasileiras parecem mais preocupadas em taxar livros e reduzir impostos de armas e games.

 

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