A
pandemia acelerou o debate internacional a respeito da revisão dos impostos e
pode dar um fim a 30 anos de guerra fiscal global. Os gastos elevados dos
governos para enfrentar a pandemia com medidas sanitárias, compra de vacinas e
estímulos à economia ampliaram os gastos públicos. O Fundo Monetário
Internacional (FMI) calcula em US$ 16 trilhões as ações fiscais globais em
resposta à pandemia até agora. Em consequência, em toda parte do mundo, não só
no Brasil, buscam-se fontes de recursos para cobrir os gastos que parecem não
acabar. Esse é um dos temas da reunião do FMI deste mês. Imposto de
solidariedade, tributo sobre os serviços digitais, taxar as multinacionais que
ganharam dinheiro com a pandemia e a lista dos mais ricos da Forbes são algumas
das ideias em circulação.
A derrota de Donald Trump nas últimas eleições americanas abriu caminho para o avanço nas negociações. Durante alguns anos a União Europeia pressionou os Estados Unidos para analisar a taxação dos serviços digitais. Trump sempre se apôs alegando que as gigantes americanas Amazon, Google e Facebook, entre outras, seriam particularmente prejudicadas. No Fórum de Davos virtual deste ano, em janeiro, os europeus voltaram à carga com a proposta que compreende o pagamento de impostos onde os consumidores residem (Pilar I) e a instituição de um imposto mínimo global para combater os paraísos fiscais. Qualquer semelhança com o debate da reforma tributária brasileira não é mera coincidência.
A
proposta encontrou terreno fértil na administração de Joe Biden, que avalia que
o projeto pode ajudar a financiar seu pacote de US$ 2,3 trilhões para a
infraestrutura e apresentou uma proposta que está sendo chamada de a grande
“barganha” na imprensa internacional.
Washington
propõe que o imposto único global seja de 21%, praticamente o dobro dos 11% a
12% que o FMI vem sugerindo e acima dos 12,5% que a França já está aplicando.
Um imposto mínimo global nesse patamar pode tornar mais aceitável a intenção de
Biden de elevar a tributação da pessoa jurídica dentro dos Estados Unidos.
Trump cortou esse imposto de 35% para 21% e o novo governo quer elevá-lo para
28%.
Em
troca, os Estados Unidos propõem que as 100 maiores empresas do mundo sejam
tributadas pelas vendas realizadas em países onde não possuem sede. Muitas
delas são americanas, de modo que o fisco americano estaria assim abrindo mão
de parte da receita. Por outro lado, esperam que os demais países desistam dos
tributos digitais que propuseram nos últimos tempos (Valor 9/4).
Vários
estudos projetam quanto as bigtechs ganham ao escapar da tributação. A Receita
Federal brasileira calcula que pagam 76% a menos do que as demais empresas.
Participante do G-20 estima que pagam a metade. O secretário-geral da OCDE,
Angel Gurria, calcula que a “tributação justa” das multinacionais, incluindo as
empresas digitais, pode aumentar a receita do imposto de renda corporativo
global em até US$ 100 bilhões por ano, com aumento de cerca de 4% em relação ao
valor atual (Valor 7/4).
Essa estimativa levava em consideração um imposto global mínimo menor do que o
proposto por Biden. A OCDE também incluía um grupo de mais de 2 mil
multinacionais.
Outras
sugestões foram colocadas na mesa. O diretor do Departamento de Assuntos
Fiscais do FMI, Vitor Gaspar, propôs a criação de um imposto de solidariedade.
Seria um imposto temporário sobre os lucros extraordinários de empresas obtidos
em 2020 e também seria cobrado de grandes fortunas. Chile e México discutem a
tributação dos mais ricos.
Se
a perspectiva de uma grande mudança nas regras globais de tributação parece
mais viável, deve provavelmente levar mais tempo do que se esperava. A União
Europeia contava com implementar as novas regras até julho. No entanto, isso
deve levar mais tempo uma vez que precisa passar pelo Congresso de diversos
países.
Apesar
de ter assinado na semana passada o comunicado do grupo dos emergentes do Banco
Mundial e FMI, o G-24, que defende um acordo tributário global que inclua os
ganhos digitais, e de estar avidamente buscando receitas tributárias, o Brasil
parece estranhamente distante desse debate global. O possível impacto das
mudanças em países em desenvolvimento será discutido hoje pelo FMI e Banco
Mundial. Alheias às grandes tendências, as autoridades brasileiras parecem mais
preocupadas em taxar livros e reduzir impostos de armas e games.
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