terça-feira, 18 de maio de 2021

Daniela Chiaretti - O choque de realidade no tabuleiro do clima

- Valor Econômico

As contradições dos Estados Unidos e do Reino Unido para tornarem concretos seus planos de descarbonizar

Depois da festa, vem a ressaca. Menos de um mês da corrida dos países ricos por percentuais mais ambiciosos de corte nas emissões de gases-estufa, que o mundo acompanhou em abril na Cúpula de Líderes Climáticos convocada pelo presidente Joe Biden, surge o choque de realidade - ou como tornar concreto o que se prometeu. É neste momento em que estão os Estados Unidos, a maior economia do mundo, e o Reino Unido, o país com a maior ambição climática entre os grandes. Os EUA, o segundo maior emissor depois da China, têm um arrojado plano de se redesenhar em nove anos. O Reino Unido, berço da Revolução Industrial à base de carvão, quer mudar de rota e de combustível. Mas não está fácil pra ninguém.

Os Estados Unidos são peça central no dominó da descarbonização global. O compromisso de Biden é forte: cortar a emissão de gases-estufa dos EUA em 50% a 52% em 2030 em relação aos níveis de 1990, além de alcançar emissões líquidas zero no meio do século. Como o democrata pretende conduzir o país a chegar lá está descrito em seu programa de governo divulgado na campanha eleitoral e na NDC americana, a sigla em inglês que batiza os compromissos voluntários que os países fazem para enfrentar a mudança do clima.

O compromisso climático dos EUA se tornou público em abril. Tem 24 páginas e detalha a estratégia democrata para chegar à economia de baixo carbono. O texto aponta os benefícios: descarbonizar criará bons empregos e melhorará a saúde das famílias. A redução da poluição do ar que virá do esforço de eliminar gases-estufa evitará dezenas de milhares de mortes prematuras. Trabalhadores serão treinados para a inovação. Ninguém ficará para trás, garante o governo Biden, comprometido com a transição justa. Quer dizer o seguinte: quem é carvoeiro desde sempre perderá o emprego mas será treinado para outro, mais contemporâneo.

“A NDC americana traduz a intenção do governo dos EUA de liderar a agenda da descarbonização. Tem foco forte no plano doméstico, descreve os esforços setoriais, reconhece a responsabilidade do país”, diz Caroline Prolo, sócia da área de meio ambiente e mudanças climáticas do Stocche Forbes Advogados. É o compromisso de um país que quer se posicionar na vanguarda da transformação e beneficiar, principalmente, os próprios Estados Unidos.

Detalhe importante: a NDC americana foi discutida com a sociedade através de reuniões, consultas e audiências públicas. Tentou-se desenhar um pacto nacional. “É um chamado para a reindustrialização do país”, diz o professor Eduardo Viola, especialista em relações internacionais. Mas a intenção democrata esbarra em um país ainda cindido. Para sair do papel, o plano de Biden depende da aprovação do novo pacote de infraestrutura que tramita no Congresso, de US$ 2,3 bilhões. “A proposta de Biden sofre fortíssima oposição republicana”, diz Viola, pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP. Alguns senadores republicanos estão dispostos a negociar um pacote de US$ 600 bilhões, um quarto do plano original. Para complicar, o senador democrata Joe Manchin, de West Virginia, estado pobre e carvoeiro, considera o pacote excessivo. Biden precisa agir rápido. A ideia é que o pacote seja votado antes do fim de julho.

Atravessando o Atlântico, no Reino Unido, país que preside a CoP 26, a rodada de negociação climática da ONU que acontecerá em Glasgow, em novembro, também há problemas. O britânico Alok Sharma, presidente do grande evento internacional do Reino Unido no pós-Brexit, tem como prioridade convencer os países a abandonar o carvão. Trata-se do combustível fóssil mais sujo, e o argumento de que é a fonte de energia mais barata que existe não é mais verdade. “O negócio do carvão é tecnologia velha”, diz Sharma. Só que o próprio governo do primeiro-ministro Boris Johnson permitiu que avance o plano de se abrir uma nova mina de carvão na Cumbria, noroeste da Inglaterra. Seria para produzir ferro e não importá-lo da Austrália ou América do Norte e deste modo evitar as emissões do transporte.

Entre europeus e americanos há convergências e divergências no combate à crise climática. Enquanto os EUA acreditam que pelo menos 50% do corte necessário de emissões pode ocorrer via novas tecnologias ainda nem descobertas - como disse há poucos dias o enviado especial para clima da Casa Branca John Kerry -, os europeus entendem que não haverá solução sem que se mude o estilo de vida altamente emissor de carbono. Há convergência, contudo, em relação a proteger indústrias e trabalhadores de produtos importados mais baratos feitos em lugares mais poluentes - o alvo é a China, mas também pode ser o Brasil. A Europa pode aprovar este ano a taxa de carbono de fronteira, para nivelar a competitividade de sua indústria com produtos importados de países que têm maior pegada de carbono. Os EUA ainda não amadureceram a ideia, que pode unir republicanos e democratas, e é citada no texto da NDC. “Se EUA e Europa convergirem neste ponto, será uma revolução no comércio mundial e um elemento muito forte de descarbonização da economia global”, diz Viola.

Sinais de fumaça

Enquanto isso, no Brasil, há sinais de fumaça - sem trocadilho com o desmatamento em alta que o Ministério do Meio Ambiente ainda não disse como pretende reverter. Movimentos interessantes vêm de outras pastas. O Banco Central passará a exigir que bancos incorporem fatores sociais e climáticos às suas políticas de gerenciamento de riscos, o que está em sintonia com a dinâmica contemporânea. É evidente que estes tópicos têm potencial de desestabilizar o sistema financeiro, com o descontentamento contínuo de investidores e consumidores aliado ao crescente número de eventos climáticos extremos.

O outro movimento a ser seguido no Brasil parte do Ministério da Economia, que enviou há alguns dias carta ao Banco Mundial manifestando interesse em aderir à Parceria para Implementação de Mercado. O PIM é um programa que ajuda países a implementarem a precificação de carbono, tema que vem sendo estudado há anos pelos técnicos da pasta. A proposta está em avaliação.

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