terça-feira, 18 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Nem liberal nem conservador

O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se opõe a reformas, e sim às rupturas revolucionárias

Que o governo de Jair Bolsonaro não é liberal na economia, todos já sabem. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, queixou-se recentemente da falta de “aderência” a seu projeto de redução radical do Estado, anunciado na campanha eleitoral de 2018 por Bolsonaro e claramente frustrado após mais de dois anos de mandato.

A cada dia que passa, no entanto, o governo tampouco consegue ser o campeão dos valores conservadores, conforme também prometido por Bolsonaro nos palanques.

O presidente não é conservador; é apenas reacionário. O conservadorismo não se opõe a mudanças e reformas, como faz Bolsonaro, e sim às rupturas revolucionárias, especialmente aquelas motivadas por utopias que só podem resultar em autoritarismo e na anulação do indivíduo. Ademais, o conservadorismo defende o respeito às instituições democráticas e luta por sua estabilidade; defende a liberdade política e econômica, dentro da ordem constitucional; defende a igualdade de todos perante a lei, que é o verdadeiro lastro da estabilidade; defende a política como a “arte do possível”, fruto de ampla negociação; e, finalmente, defende a coesão social baseada em valores morais comuns, sobretudo o respeito, a responsabilidade e a honestidade.

Lamentavelmente, Bolsonaro viola esses princípios de forma sistemática desde que ganhou os holofotes da vida pública, quebrando o decoro sem constrangimento, tomando a coisa pública como se fosse privada e atacando os pilares da democracia.

Poucas vezes na história brasileira as instituições foram tão vilipendiadas por um presidente da República. Poucas vezes um chefe de Estado foi tão indiferente às leis e à Constituição, considerando-se frequentemente acima delas. Poucas vezes um governante desprezou tanto o diálogo político, demonizando a oposição e menosprezando partidos. E poucas vezes um presidente transgrediu de forma tão desabrida os valores morais comuns da sociedade, especialmente ao rejeitar a responsabilidade por seus atos e omissões e ao ofender e ameaçar quem o contesta.

Nesse cenário, a linguagem chula de Bolsonaro é, por incrível que pareça, o menor dos problemas – embora, frise-se, só isso já bastasse para constranger os movimentos que se dizem conservadores e que apoiam o presidente, notadamente os religiosos.

Bolsonaro julga ter recebido dos eleitores o poder de fazer o que bem entende – e, se as instituições republicanas e os valores morais se tornam obstáculos ao exercício desse poder sem limites, pior para as instituições e para os valores.

O presidente já se confundiu com a Constituição (“eu sou a Constituição”), um ato falho que traiu seu desejo de transformar sua vontade pessoal em lei. E anunciou, desde a campanha, que a “verdade” não era a realidade, mas uma revelação mística que ele profetizou nos palanques, transformando em slogan eleitoral o versículo bíblico “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8:32).

No seu governo, vale o Führerprinzip, isto é, o princípio da supremacia do líder sobre qualquer outra consideração, pois o presidente julga encarnar o “povo”. Por essa razão, demanda-se lealdade absoluta a Bolsonaro, seja de seus ministros, seja de seus eleitores, e o que quer que o presidente estabeleça como verdade deve ser aceito sem contestação.

Assim, a verdade dos fatos, cujo respeito é princípio central no credo conservador, não tem lugar no mundo bolsonarista. Nesse universo fantástico, o presidente não pode ser refutado quando declara não ter nenhuma responsabilidade sobre os mais de 435 mil mortos pela pandemia de covid-19, tampouco pela desastrosa situação econômica, e muito menos pela morosidade das reformas e das privatizações. Questionar Bolsonaro equivale a violar um mandamento.

Isso obviamente nada tem a ver com o espírito do conservadorismo cuja representação Bolsonaro reivindica. É, ao contrário, uma violação explícita. Os conservadores que se alinham a Bolsonaro supostamente por afinidade de valores deveriam repensar esse apoio, pois correm o risco de se confundir com a desonestidade bolsonarista.

O desperdício da retomada

O Estado de S. Paulo

Depois da reação, indústria, varejo e emprego rolaram de volta pela ladeira

Durou pouco a recuperação do comércio depois do tombo do ano passado. Com o recuo de 0,6% em março, houve quatro quedas nos cinco meses a partir de novembro. Além disso, o volume vendido, segundo o último balanço mensal, foi 0,3% menor que o comercializado em fevereiro de 2020, antes do impacto da pandemia. É injusto atribuir todo o estrago ao coronavírus, sem levar em conta a desastrosa colaboração do governo. Em março deste ano só aumentaram as vendas de hipermercados, supermercados e lojas de alimentos e bebidas, com avanço de 3,3%. As famílias tentaram pelo menos continuar comendo, mas nem todas tiveram dinheiro para encher as panelas.

O desempenho mensal foi negativo nas outras sete atividades pesquisadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com destaque para tecidos, vestuário e calçados (-41,5%) e móveis e eletrodomésticos (-22%). No varejo ampliado (com acréscimo de veículos, componentes e material de construção) houve recuo de 5,3%. Na comparação com o nível pré-pandemia, a queda foi de 3,6%.

O enfraquecimento do varejo, no fim de 2020 e no primeiro trimestre de 2021, é em parte explicável pelo abandono dos mais pobres pelo governo. Primeiro houve a redução do auxílio emergencial, a partir de setembro. Depois, veio a suspensão dos pagamentos, no começo do ano. Ao mesmo tempo, o desemprego cresceu e atingiu 14,4 milhões de pessoas (14,4% da força de trabalho) no trimestre móvel até fevereiro. Em outros países o mercado de trabalho melhorou, passado o primeiro grande impacto da covid-19. No Brasil, as condições de emprego continuaram muito ruins, enquanto a recuperação econômica perdia vigor.

Com tantos desempregados e subaproveitados, o consumo fraquejou e o varejo continuou travado. Com a fraca demanda interna, a produção industrial diminuiu, recuando 2,4% em março e 3,1% em 12 meses. Em março, o volume produzido de bens de consumo foi 11% menor que o de fevereiro. Com mau desempenho nesses dois meses, foi pelo ralo a recuperação acumulada entre maio de 2020 e janeiro deste ano. Assim, o patamar de março de 2021 foi o mesmo de fevereiro do ano passado.

Incapaz de programar as próprias finanças e de estabelecer algum roteiro para a economia, o governo certamente perdeu o primeiro trimestre. Alguma retomada talvez tenha ocorrido a partir de abril, mas essa afirmação ainda é muito insegura. Ainda muito fraca, a economia continua com escasso potencial de geração de empregos. O emprego escasso permanece insuficiente para sustentar uma recuperação segura do consumo e, portanto, da demanda de bens industriais.

Uma rara novidade positiva é a elevação, em abril, do Indicador Antecedente de Emprego, calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) com base em sondagens das condições setoriais e das expectativas de empresários e consumidores. Com aumento de 1,6 ponto, o índice chegou a 78,7 pontos. Considerada toda a série a partir de setembro, o número de abril só é superior ao de março (77,1) e muito inferior ao pico alcançado em dezembro (85,7). A melhora, portanto, foi muito pequena. Isso aponta expectativas e tendências bem mais modestas do que aquelas apuradas entre setembro e fevereiro. Além disso, o indicador também ficou muito abaixo do nível de fevereiro do ano passado (92), último mês antes do choque inicial da pandemia.

Indústria, varejo e mercado de trabalho recuaram, portanto, depois de alguns meses de recuperação, sinalizando novo enfraquecimento da economia. Incapaz de sustentar a retomada, o governo falhou em agosto ao desenhar um orçamento sem estímulos anticrise. Continuou falhando ao reduzir e depois extinguir o auxílio emergencial. Falhou de novo ao se meter, em 2021, numa negociação confusa sobre a lei orçamentária. Enfim, a insegurança sobre as contas públicas alimentou a instabilidade cambial e as pressões inflacionárias, prejudicando o consumo já enfraquecido, num ambiente afetado pelo negacionismo e pelo atraso da vacinação. Sozinho, dificilmente um vírus causaria um estrago tão amplo.

Tecnologias na educação

O Estado de S. Paulo

Inovações tecnológicas são bem-vindas, mas o papel do professor é essencial

Ninguém se pergunta se escolas funcionam melhor com ou sem livros didáticos. A questão é de quais livros se fala. Similarmente, não cabe indagar até que ponto quadras poliesportivas melhoram o rendimento em matemática ou português. A educação física tem um valor em si. “Da mesma forma”, diz o instituto Todos Pela Educação, “tecnologias de criação e experimentação devem ser vistas como um direito e não uma maneira de impulsionar notas em outras disciplinas.” Em plena 4.ª Revolução Industrial – exponencialmente acelerada pela pandemia – “não se trata mais de questionar ‘se’, mas ‘como’ utilizar a tecnologia na escola”.

Para elucidar o desafio, o Todos pela Educação, em parceria com o grupo D3E e o Transformative Learning Technology Laboratory, da Universidade de Columbia, desenvolveu o estudo Tecnologias para uma Educação com Equidade

A base é o investimento em infraestrutura tecnológica. Isso implica antes de tudo insumos como internet, computadores e laboratórios. O Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações deve prover acesso pleno à internet em todas as escolas públicas. Adicionalmente, fundos e taxas arrecadados no setor de telecomunicações podem mitigar a exclusão digital nos domicílios dos estudantes. Também é essencial desenvolver políticas para aquisição, manutenção e atualização de tecnologias educacionais.

Outro eixo complementar é a formação de professores e gestores. Na Base Nacional Comum para a Formação de Professores da Educação Básica, de 2019, as tecnologias ainda são um tema periférico. Mas elas devem ser encaradas como recursos intrínsecos à docência. Deve-se encorajar o professor a ser, a um tempo, um designer de experiências de aprendizagem; um curador crítico de conteúdos; e um pesquisador. Isso implica, por parte das redes de ensino, o fornecimento de “kits” de trabalho e a contratação de programas de formação continuada por especialistas. O mesmo vale para os gestores.

Compreender e desenhar tecnologias educacionais envolve múltiplos campos do conhecimento. Por isso, é essencial fomentar a colaboração academia-escola por meio de centros de pesquisa interdisciplinares que atraiam pesquisadores de outros setores para a educação. Analogamente, as Secretarias da Educação devem estabelecer redes de colaboração com empreendedores da área tecnológica.

Para otimizar esses processos, o País precisa elaborar uma estratégia nacional em tecnologia educacional. Como constatou a pesquisa, as ações atuais são caracterizadas por ideias e projetos efêmeros, muitas vezes encaixados em planos ou estratégias para outras áreas, como a formação de mão de obra. 

Órgãos como o BNDES, o Ministério da Ciência e Tecnologia ou o Comitê Gestor da Internet têm planos de fomento. “No entanto, educadores, pesquisadores e redes de ensino – com o apoio da gestão pública, do terceiro setor e de entidades de representação – são os atores com mais condições de organizar um plano nacional para guiar o setor público e a sociedade civil no desenvolvimento de práticas educacionais que envolvam novas tecnologias.”

Por isso, os autores da pesquisa propõem a criação de um fórum, de uma escola nacional e de laboratórios de práticas em tecnologia e educação, pautados pela equidade, participação, continuidade, acompanhamento e internacionalização.

Pelo que se depreende da pesquisa, o Brasil já possui bons recursos em termos de experiências e pesquisas educacionais, empresas de tecnologia, políticas inovadoras e conteúdos desenvolvidos para a educação básica. Mas estes recursos se encontram dispersos e desconectados. O desafio é criar um ecossistema orgânico e resiliente.

É um desafio excitante para todos aqueles envolvidos com a educação. Mas, por isso mesmo, é importante não se deixar seduzir por quimeras tecnocráticas. A tecnologia oferece possibilidades formidáveis para potencializar a mediação humana, mas jamais poderá substituí-la. A educação do futuro, assim como a do passado, só dará mais e melhores frutos com o cultivo e o fortalecimento da sua raiz: o professor. 

Falácia do voto impresso ressurge na forma de PEC

O Globo

Apesar de 25 anos de uso sem comprovação de qualquer fraude, a urna eletrônica continua sendo alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro, que chegou a dizer não ter sido eleito no primeiro turno em 2018 porque o pleito foi fraudado. Nunca apresentou qualquer prova, mesmo assim mantém os ataques. Agora, avança na Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui a impressão do voto para checagem pelo eleitor. A autora é a bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), que já aprovou a PEC com apoio do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). A intenção é que a medida já vigore para a eleição de 2022.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo, aproveitou os 25 anos da urna eletrônica para defendê-la em campanha publicitária. O ministro lembra, com razão, que não faz sentido governantes tratarem do assunto neste momento de grave crise sanitária e dificuldades econômicas, com sérios reflexos nas contas públicas. Para Bolsonaro, os fatos são o de menos. O que importa é reacender um tema para mobilizar as bases e manter uma via de escape que lhe permita acusar de fraude qualquer pleito em que venha a ser derrotado, exatamente como fez Donald Trump nos Estados Unidos.

Deixando de lado o interesse político, o principal argumento em favor do voto impresso é manter um rastro físico para que a votação possa ser conferida. Em si, não é um argumento errado. Mas toda urna eletrônica já mantém um rastro físico, por meio do boletim com os totais da votação, sujeito a inspeção pelos fiscais de todos os partidos. Quanto ao sistema que computa os votos, o software da urna é objeto de testes periódicos, em que especialistas simulam ataques. Em virtude disso, já passou por vários aperfeiçoamentos.

Mesmo que esse software ainda esteja tecnicamente longe do ideal de transparência defendido pelos especialistas, é simplesmente inviável que fraudadores burlem a instalação e o troquem em milhares de urnas, de modo a alterar o resultado da eleição. Fraudar a totalização é também pouco crível, já que é possível rastreá-la por meio dos boletins de cada urna. O risco de fraude é, portanto, ínfimo. Em contrapartida, o voto impresso abre margem a outras possibilidades de fraude, semelhantes às que havia no tempo da cédula em papel. Por isso foi rejeitado pelo STF. Levando em conta que o custo de instalação gradual do sistema era, em 2018, estimado em R$ 2 bilhões, é razoável concluir que existem meios mais inteligentes de gastar o dinheiro do contribuinte.

Bolsonaro reaquece sua velha campanha pelo voto impresso quando pesquisas eleitorais o colocam bem atrás de Lula. Por óbvio, é cedo para qualquer desenho mais nítido de um quadro eleitoral para daqui a dois anos. Quase metade dos brasileiros (49%) não sabe dizer em quem votará, nem mesmo se anulará ou votará em branco, segundo o último Datafolha. Bolsonaro aproveitou para dizer que Lula só ganharia dele por meio de fraudes. Deverá ser assim até as urnas, criando um indesejável clima de tensão política e um paralelo perigoso com o que houve nos Estados Unidos. Acuado pela CPI da Covid, a surrada denúncia vazia de fraude eleitoral tende a se tornar mais frequente. O Congresso não pode embarcar nessa balela.

Fundos em que sobram recursos poderiam aliviar orçamento apertado

O Globo

Em negociação com a União para renovar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o governo do Rio quer incluir a incorporação dos fundos do Poder Executivo à conta única do Tesouro. Mexer com esses recursos, regulados por lei própria, não será tarefa fácil, mas é um problema que precisa ser enfrentado. Não faz sentido que alguns fundos tenham dinheiro sobrando, enquanto o estado, com um Orçamento engessado, vive de pires na mão, com obras paralisadas, sem capacidade de investimento e verbas que mal dão para pagar pessoal e despesas básicas. Na estimativa do governo, a mudança daria um fôlego de até R$ 4 bilhões.

Como mostrou reportagem do GLOBO, os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário têm juntos 36 fundos ativos, sem contar os da Previdência e os usados para quitar restos a pagar. Em 2020, registraram despesas de R$ 12,8 bilhões, recursos que dariam para quitar, por seis meses, salários e encargos de todos os servidores do Executivo.

Trinta desses fundos fecharam o ano de 2020 — quando a pandemia de Covid-19 fez um estrago nas finanças públicas — com R$ 4,6 bilhões em caixa. Mais da metade (R$ 2,56 bilhões), do Executivo. Essa fortuna não inclui os fundos de Conservação Ambiental (Fecam) nem o de Combate à Pobreza. Em março, a Alerj aprovou a desvinculação de 30% desses dois fundos para pagar um auxílio emergencial. “Os recursos são carimbados e não podem ser usados, mesmo diante de necessidades graves”, diz o economista Paulo Tafner. “Enrijecem o orçamento público e algumas vezes são usados para dar mordomia a servidor.”

No festival de fundos que travam o Orçamento, inscrevem-se os de registradores (cartórios), bombeiros, Tribunal de Justiça, TCE, MP, Fazenda, Saúde, Procuradoria-Geral, Alerj, Escola de Magistratura e PM. Este ano a receita prevista para os 36 fundos é de R$ 12,6 bilhões, pouco inferior aos R$ 14 bilhões de 2020. Mesmo que todo o dinheiro orçado não esteja disponível, o total empoçado chega, segundo estimativas, a até R$ 4 bilhões.

A situação do dinheiro nos fundos do Rio é semelhante à que o governo federal tenta resolver por meio da Proposta de Emenda Constitucional 187/2019, que tramita no Congresso, com o objetivo de dar agilidade aos parlamentares na elaboração do Orçamento. No caso da União, há R$ 220 bilhões retidos em 248 fundos de destinação específica, diz o Ministério da Economia.

Para facilitar a tramitação do projeto de incorporação dos fundos, o governo fluminense pretende deixar de fora os do Legislativo e do Judiciário. O movimento tem o mérito de chamar a atenção para um problema que precisa ser resolvido, especialmente à luz da devastação das Finanças pela pandemia. O estado não pode ficar refém de um Orçamento engessado porque determinadas categorias com maior poder de influência e mobilização tentam garantir seus recursos por meio de fundos dirigidos. Eles são uma prova de que o Estado não trabalha em benefício do cidadão, mas daquelas corporações que se acham mais iguais que as outras.

 

 

Conduta de risco

Folha de S. Paulo

Atacados por Bolsonaro, brasileiros que praticam o distanciamento caem para 30%

Num momento em que a pandemia ainda resulta em um número indecente de novos casos e mortes no país, são preocupantes os números colhidos pelo Datafolha acerca do distanciamento social.

O índice dos que praticam a medida preventiva atingiu o nível mais baixo desde o início da série, há pouco mais de um ano. Hoje apenas 30% dos brasileiros acima de 16 anos declaram estar totalmente isolados (2%) ou sair de casa somente quando inevitável (28%).

No levantamento anterior, realizado em meados de março, esse percentual era de 49% —8% no primeiro caso e 41% no segundo. O recorde, de 72%, foi registrado no início de abril do ano passado.

Inversamente, a parcela dos que afirmam sair de suas residências para trabalhar ou fazer outras atividades atingiu o maior patamar nas pesquisas, com 63%. Trata-se de um salto de 16 pontos percentuais na comparação com o levantamento pregresso. Já os que dizem levar a vida sem mudanças de rotina passaram de 4% para 7%.

As pessoas com mais de 60 anos constituem o grupo etário que mais cumpre o distanciamento físico, embora essa parcela tenha despencado de 77%, em março, para 53% —um possível reflexo do avanço da vacinação entre os mais idosos.

A baixa adesão entre os jovens (apenas 20% na faixa entre 16 e 24 anos) se fez acompanhar por um aumento do número de infecções.

Principal instrumento não farmacológico, ao lado das máscaras faciais, para evitar o contágio pela doença, as medidas de distanciamento encontraram desde o início da pandemia um inimigo feroz na Presidência da República.

Jair Bolsonaro sabotou-as o quanto pôde, promovendo aglomerações e insistindo numa falaciosa dicotomia entre economia e saúde. Nesta segunda-feira (17), atacou os cidadãos que, com sacrifícios pessoais, zelam pelo bem comum, chamados de “idiotas que até hoje ficam em casa”.

Na ausência de qualquer coordenação nacional, restou a prefeitos e governadores baixar medidas para restringir a circulação das pessoas —não raro de maneira atabalhoada, com alcance limitado e sem a fiscalização necessária para que fossem cumpridas.

A consequência de tudo isso é que terminamos praticando um distanciamento social no mais das vezes precário, como atesta a catástrofe das mais de 430 mil mortes. Até que a imunização alcance percentual expressivo da população, não dispomos de alternativa para controlar a quantidade de infecções.

Perda precoce

Folha de S. Paulo

Morto aos 41, Bruno Covas deixa exemplo de civilidade e espírito público

A morte prematura de Bruno Covas não deixou apenas a capital paulista sem o prefeito que a maioria da população gostaria que cumprisse o mandato para o qual foi eleito. Sua ausência representa também uma perda para a política nacional. Aos 41 anos, Covas, não fosse a enfermidade que o acometeu, tinha a perspectiva de uma promissora carreira pública pela frente.

Em tempos de aguda polarização ideológica, que contaminou até mesmo a administração da mais grave crise sanitária em um século, ele soube mostrar compaixão e dedicação à cidade. Sua recondução ao cargo, em novembro de 2020, foi sem dúvida um reconhecimento a esse empenho.

Foi também notável e exemplar o modo transparente com que sempre tratou suas condições de saúde. Submetido a tratamentos severos, manteve-se o quanto possível à frente da administração.

As manifestações de apreço e as homenagens que recebeu de políticos de diversas tendências, inclusive de adversários, atestam o grau admirável de civilidade com que se pautou. Aberto a críticas e ao diálogo, contrapôs-se sem meias palavras a discursos autoritários.

Replicou, em novo contexto, as boas práticas do avô, Mario Covas, vítima de câncer enquanto governava o estado, 20 anos atrás.

Não há dúvida de que havia diversos aspectos a aperfeiçoar em sua gestão. O bom desempenho do igualmente jovem Guilherme Boulos (PSOL) na disputa municipal do ano passado ressaltou a importância de a prefeitura aumentar sua dedicação ao enfrentamento das desigualdades sociais, agravadas pela crise econômica e pelos percalços criados pela Covid-19.

O vice, Ricardo Nunes (MDB), que ora assume a prefeitura, tem diante de si um grande desafio. Questionado, durante a campanha eleitoral, por suas ligações com entidades gestoras de creches, o novo governante da cidade tem um perfil diferente, mais conservador.

Tem, contudo, renovado promessas de seguir as diretrizes do antecessor, mantendo inclusive o secretariado. Que o exemplo de Bruno Covas lhe sirva de inspiração.

 Reação da economia melhora, sem dar espaço para otimismo

Valor Econômico

Sem a recuperação do emprego e da renda falta sustentabilidade à retomada econômica

Apesar dos resultados fracos da economia em março, especialmente na indústria e nos serviços, as projeções para o primeiro trimestre estão melhor do que se esperava e a perspectiva para o ano é positiva. As incertezas, porém, ainda são muitas a essa altura do calendário, e arrefecem maior otimismo.

A economia vinha se recuperando a passos lentos desde o tombo de abril do ano passado, quando o IBC-Br, considerado uma prévia do Produto Interno Bruto (PIB) desabou 9,8% com o impacto da primeira onda da covid-19. Com as medidas de estímulo do governo, as perdas acabaram caindo pela metade e o PIB medido pelo IBGE acabou fechando com queda de 4,1%. A trajetória de retomada continuou neste ano. Em janeiro, o IBC-Br aumentou 0,9% em relação a dezembro e, em fevereiro, 1,9%, também em comparação com o mês anterior.

Foi quando sobreveio a segunda onda da pandemia. Além do aumento do número de mortes, a covid-19 obrigou Estados e municípios a adotarem medidas restritivas que frearam a atividade econômica. A produção industrial caiu 2,4% em março e o estrago só não foi maior por causa do mercado externo. Os serviços encolheram 4%; e o varejo teve módico crescimento de 0,6%, apoiado nas transações pela internet. Como resultado, o IBC-Br teve a primeira queda em dez meses, de 1,59% em março na comparação com fevereiro.

A surpresa, no entanto, veio com o fechamento do IBC-Br no primeiro trimestre que, segundo o Banco Central, teve elevação de 2,3% em relação ao quarto trimestre de 2020. O monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas, divulgado ontem, também mostra resultado positivo, embora menor, de 1,75% do primeiro trimestre na mesma base de comparação. O PIB oficial do IBGE será divulgado em 1º de junho.

O IBC-Br superou as previsões e desencadeou uma revisão das expectativas para o ano. Vários bancos elevaram a estimativa de crescimento do PIB neste ano para mais de 4%, o que neutralizaria as perdas do ano passado. Relatório Focus mostrou aumento da previsão do mercado para o PIB deste ano para 3,45% em comparação com 3,21% na semana anterior.

As previsões mais otimistas para o ano são sustentadas por outros dados. Levantamento do Confaz mostra que a arrecadação consolidada do ICMS em 18 Estados, imposto diretamente relacionado ao consumo, teve avanço de 19,6% de janeiro a abril frente ao mesmo período de 2020. Um dos bancos que elevou a estimativa para o ano, o Itaú Unibanco, que cravou 4%, informa que seu Indicador Diário de Atividade (Idat), baseado em dados de consumo de bens, serviços e energia elétrica na indústria, atingiu o nível pré-pandemia (100 pontos) pela primeira vez em 7 de maio, puxado pelos serviços. O aumento do consumo de bens também foi registrado e atribuído ao Dia das Mães.

Não há consenso a respeito do que está por trás desses números. Alguns especialistas dizem que as medidas restritivas não foram totalmente observadas como na primeira onda da covid-19 por falta de apoio do governo federal. A retomada do pagamento do auxílio emergencial só ocorreu a partir de abril e deve ter ajudado, apesar do valor significativamente inferior ao do concedido em 2020. Desta vez, o auxílio emergencial está projetado para liberar R$ 43 bilhões, para 46 milhões de brasileiros. No ano passado, foram pouco mais de R$ 293 bilhões para 68 milhões de pessoas.

O ciclo de alta de preços e aumento da demanda das commodities também favorece a economia, impulsionando o comércio exterior e setores como mineração e produtos agropecuários.

Mas algumas incertezas põem o cenário otimista em dúvida. Uma delas é a vacinação, que segue claudicante e com a disponibilidade de imunizantes incerta. Uma eventual terceira onda da covid-19 não é totalmente descartada.

Mesmo com o nível de atividade se recuperando, ainda que lentamente, não são visíveis melhorias no mercado de trabalho. Nem bem foi lançado, o novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm) já tem 1,5 milhão de trabalhadores beneficiados. Sem a recuperação do emprego e da renda falta sustentabilidade à retomada econômica. Como se tudo isso já não fosse preocupante, há ainda as turbulências no cenário político, que inibem os investimentos e tolhem as empresas. Não é por outro motivo que as previsões para 2022 são de crescimento do PIB inferior ao deste ano.

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