terça-feira, 15 de junho de 2021

Andrea Jubé - A disputa pelo voto do povo de Deus

- Valor Econômico

Bolsonaro teme evasão do voto evangélico

Na última semana, em plena quarta-feira, um dia tradicionalmente movimentado em Brasília, de agendas concorridas e votações no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro deixou seu gabinete no Palácio, deslocou-se com uma comitiva de ministros para um almoço na fazenda do cantor Amado Batista, e, de lá, seguiu para um culto evangélico em Anápolis (GO), município governado pelo PP, que integra a base aliada.

Durante o encontro religioso, o ministro da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni, incumbido de articular a base governista na CPI da Covid - que estava colhendo depoimentos naquela hora -, foi ao microfone esclarecer que estavam todos presentes naquela tarde para orar pelo senhor presidente.

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, que é pastor da igreja presbiteriana - e tem um Enem para organizar -, e o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo, também discursaram.

O Culto Interdenominacional organizado para receber Bolsonaro foi um evento ambicioso, com pastores de 20 igrejas locais. Os mestres de cerimônia, Thiago Cunha e Késia Dayane, são fundadores da “Church in Connection”, que promove cultos-espetáculos, com telões, canhões de luz, músicos profissionais, e mira especialmente os jovens.

No discurso de 20 minutos, Bolsonaro reclamou do esforço da oposição em afastar do cargo “um cara que está começando a arrumar a economia, acredita em Deus, respeita os militares [dezenas deles presentes na plateia], e acredita na família”. Nesse trecho, foi ovacionado.

Por que Bolsonaro trocaria uma tarde de quarta-feira atribulada em Brasília por um compromisso religioso? Porque o segmento que votou em peso nele na campanha de 2018, e pode ser decisivo em 2022, começa a se dispersar.

Esse movimento foi captado por pesquisas recentes. A pesquisa XP/Ipespe, realizada entre 7 a 10 de junho, apontou que, há um ano, 42% dos entrevistados que se declararam evangélicos, consideravam o governo ótimo ou bom. Hoje esse percentual caiu para 34%. Em junho de 2020, 31% desse público achava o governo ruim ou péssimo. Hoje esse percentual subiu para 38%.

Segundo levantamento do Datafolha divulgado em maio, o ex-presidente Lula tem 35% das intenções de voto dos evangélicos, enquanto Bolsonaro desponta com 34%. O mesmo empate técnico entre evangélicos foi verificado pelo Vox Populi, no mesmo período: Lula com 34%, Bolsonaro, 36%.

O bom posicionamento de Lula nesse segmento não tranquiliza a oposição, que ainda busca respostas para a derrota expressiva de Fernando Haddad entre os evangélicos em 2018. No segundo turno, Bolsonaro arrebanhou 68% dos votos desse eleitorado.

O livro do antropólogo Juliano Spyer, “Povo de Deus - quem são os evangélicos e por que eles importam”, virou referência para lideranças da oposição. O autor afirma que 2020 é a década dos evangélicos. Observa que nos anos 1970, esse público representava 5% dos brasileiros. Hoje são um terço da população adulta, e na próxima década, vão superar os católicos.

Spyer, que morou na periferia de Salvador, onde conviveu com famílias evangélicas, e frequentou cultos com elas, relata que os pentecostais formam o grupo mais numeroso entre os evangélicos. Em sua maioria, vivem em situação de pobreza extrema, com renda familiar per capita igual ou inferior a meio salário mínimo

O livro de Spyer, um calhamaço de 296 páginas, está na mesa de cabeceira do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), que vai desbravá-lo depois de concluir a biografia do primeiro secretário do Tesouro americano, Alexander Hamilton.

Quando se reuniu com Lula em Brasília, no começo de maio, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), de mudança para o PSB, levou um exemplar para presenteá-lo. “Esse eu já tenho, Freixo”, retrucou Lula, que segundo assessores, está na metade da leitura.

Spyer registra um erro primário de Haddad em 2018, quando chamou o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, de “charlatão”. Pois no culto de quarta-feira, Edir Macedo foi justamente o primeiro religioso citado nominalmente por Bolsonaro, ao enumerar para os fiéis os apoios de lideranças evangélicas que recebeu durante a campanha.

No capítulo do livro em que aponta os erros da esquerda no relacionamento com os evangélicos neopentecostais, Spyer analisou a campanha de Marcelo Freixo em 2016, quando perdeu a disputa pela Prefeitura do Rio de Janeiro justamente para um bispo licenciado da Universal, Marcelo Crivella.

Para o autor, Freixo apresentou-se como defensor das classes populares, mas fez uma campanha para as camadas intelectualizadas. Quando acenou para os evangélicos, Freixo dialogou com os protestantes tradicionais, que são minoritários, mas teria esnobado os neopentescostais, de origem pobre, avaliou o autor.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse à coluna que o partido mantém uma articulação com a militância evangélica. Na avaliação de Gleisi, as “fake news” sobre o “kit gay”, atribuído a Haddad quando ministro da Educação, influenciaram a derrota petista em 2018. “Nós subestimamos isso [o “kit gay”], muitos de nós achávamos que não fazia sentido, que não teria impacto na eleição”, reconheceu.

Gleisi argumenta, entretanto, que Lula tem interlocução direta com os evangélicos, não pela denominação religiosa, mas pela base popular, por ser uma camada que se identifica com os programas sociais criados pelos governos petistas.

“Eles [evangélicos] estão sentindo o que está acontecendo com eles no governo Bolsonaro”, diz Gleisi, sobre o aumento do desemprego e da pobreza. “Não adianta só o discurso de fé, é preciso o resultado na vida cotidiana”.

A presidente do PT reforça que Lula “sempre professou sua fé, sempre falou em Deus, sempre teve referência religiosa”, mas o foco agora é um projeto para ampla inclusão social. “O discurso do Lula é para os católicos, evangélicos, e todas as religiões”, concluiu.

 

 

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