- Valor Econômico
Bolsonaro teme evasão do voto evangélico
Na última semana, em plena quarta-feira, um
dia tradicionalmente movimentado em Brasília, de agendas concorridas e votações
no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro deixou seu gabinete no Palácio,
deslocou-se com uma comitiva de ministros para um almoço na fazenda do cantor
Amado Batista, e, de lá, seguiu para um culto evangélico em Anápolis (GO),
município governado pelo PP, que integra a base aliada.
Durante o encontro religioso, o ministro da
Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni, incumbido de articular a base governista na
CPI da Covid - que estava colhendo depoimentos naquela hora -, foi ao microfone
esclarecer que estavam todos presentes naquela tarde para orar pelo senhor
presidente.
O ministro da Educação, Milton Ribeiro, que é pastor da igreja presbiteriana - e tem um Enem para organizar -, e o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), ex-líder do governo, também discursaram.
O Culto Interdenominacional organizado para
receber Bolsonaro foi um evento ambicioso, com pastores de 20 igrejas locais.
Os mestres de cerimônia, Thiago Cunha e Késia Dayane, são fundadores da “Church
in Connection”, que promove cultos-espetáculos, com telões, canhões de luz,
músicos profissionais, e mira especialmente os jovens.
No discurso de 20 minutos, Bolsonaro
reclamou do esforço da oposição em afastar do cargo “um cara que está começando
a arrumar a economia, acredita em Deus, respeita os militares [dezenas deles
presentes na plateia], e acredita na família”. Nesse trecho, foi ovacionado.
Por que Bolsonaro trocaria uma tarde de
quarta-feira atribulada em Brasília por um compromisso religioso? Porque o
segmento que votou em peso nele na campanha de 2018, e pode ser decisivo em
2022, começa a se dispersar.
Esse movimento foi captado por pesquisas
recentes. A pesquisa XP/Ipespe, realizada entre 7 a 10 de junho, apontou que,
há um ano, 42% dos entrevistados que se declararam evangélicos, consideravam o
governo ótimo ou bom. Hoje esse percentual caiu para 34%. Em junho de 2020, 31%
desse público achava o governo ruim ou péssimo. Hoje esse percentual subiu para
38%.
Segundo levantamento do Datafolha divulgado
em maio, o ex-presidente Lula tem 35% das intenções de voto dos evangélicos,
enquanto Bolsonaro desponta com 34%. O mesmo empate técnico entre evangélicos
foi verificado pelo Vox Populi, no mesmo período: Lula com 34%, Bolsonaro, 36%.
O bom posicionamento de Lula nesse segmento
não tranquiliza a oposição, que ainda busca respostas para a derrota expressiva
de Fernando Haddad entre os evangélicos em 2018. No segundo turno, Bolsonaro
arrebanhou 68% dos votos desse eleitorado.
O livro do antropólogo Juliano Spyer, “Povo
de Deus - quem são os evangélicos e por que eles importam”, virou referência
para lideranças da oposição. O autor afirma que 2020 é a década dos
evangélicos. Observa que nos anos 1970, esse público representava 5% dos
brasileiros. Hoje são um terço da população adulta, e na próxima década, vão
superar os católicos.
Spyer, que morou na periferia de Salvador,
onde conviveu com famílias evangélicas, e frequentou cultos com elas, relata
que os pentecostais formam o grupo mais numeroso entre os evangélicos. Em sua
maioria, vivem em situação de pobreza extrema, com renda familiar per capita
igual ou inferior a meio salário mínimo
O livro de Spyer, um calhamaço de 296
páginas, está na mesa de cabeceira do governador do Maranhão, Flávio Dino
(PCdoB), que vai desbravá-lo depois de concluir a biografia do primeiro
secretário do Tesouro americano, Alexander Hamilton.
Quando se reuniu com Lula em Brasília, no
começo de maio, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ), de mudança para o PSB,
levou um exemplar para presenteá-lo. “Esse eu já tenho, Freixo”, retrucou Lula,
que segundo assessores, está na metade da leitura.
Spyer registra um erro primário de Haddad
em 2018, quando chamou o bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino
de Deus, de “charlatão”. Pois no culto de quarta-feira, Edir Macedo foi
justamente o primeiro religioso citado nominalmente por Bolsonaro, ao enumerar
para os fiéis os apoios de lideranças evangélicas que recebeu durante a
campanha.
No capítulo do livro em que aponta os erros
da esquerda no relacionamento com os evangélicos neopentecostais, Spyer
analisou a campanha de Marcelo Freixo em 2016, quando perdeu a disputa pela
Prefeitura do Rio de Janeiro justamente para um bispo licenciado da Universal,
Marcelo Crivella.
Para o autor, Freixo apresentou-se como
defensor das classes populares, mas fez uma campanha para as camadas
intelectualizadas. Quando acenou para os evangélicos, Freixo dialogou com os
protestantes tradicionais, que são minoritários, mas teria esnobado os
neopentescostais, de origem pobre, avaliou o autor.
A presidente do PT, deputada Gleisi
Hoffmann (PR), disse à coluna que o partido mantém uma articulação com a
militância evangélica. Na avaliação de Gleisi, as “fake news” sobre o “kit
gay”, atribuído a Haddad quando ministro da Educação, influenciaram a derrota
petista em 2018. “Nós subestimamos isso [o “kit gay”], muitos de nós achávamos
que não fazia sentido, que não teria impacto na eleição”, reconheceu.
Gleisi argumenta, entretanto, que Lula tem
interlocução direta com os evangélicos, não pela denominação religiosa, mas
pela base popular, por ser uma camada que se identifica com os programas
sociais criados pelos governos petistas.
“Eles [evangélicos] estão sentindo o que
está acontecendo com eles no governo Bolsonaro”, diz Gleisi, sobre o aumento do
desemprego e da pobreza. “Não adianta só o discurso de fé, é preciso o
resultado na vida cotidiana”.
A presidente do PT reforça que Lula “sempre
professou sua fé, sempre falou em Deus, sempre teve referência religiosa”, mas
o foco agora é um projeto para ampla inclusão social. “O discurso do Lula é
para os católicos, evangélicos, e todas as religiões”, concluiu.
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