quarta-feira, 23 de junho de 2021

Fernando Exman - Um olho na rua e o outro em Bolsonaro

Valor Econômico

Maior vacinação pode aumentar adesão a protestos

Parlamentares independentes e de oposição estão otimistas com o que consideram uma oportunidade de ouro para confrontar o governo de um presidente que sempre gostou de agir como se fosse onipresente, onipotente e onisciente.

Não que estejam dadas as circunstâncias necessárias para a interrupção do mandato do presidente Bolsonaro. Mas, acreditam, Jair Messias vive seu pior momento.

A pandemia está longe de ficar sob controle. A aposta na retomada da economia, com o aumento de gastos sociais e investimentos públicos, pode esbarrar em dificuldades para a execução dos orçamentos deste ano e de 2022. No Senado, a CPI da Covid tende a radicalizar. Os requerimentos governistas terão pouca aceitação da maioria. E na Câmara, o presidente Arthur Lira (PP-AL) precisará ter paciência: crescerão as cobranças para que analise os pedidos de impeachment acumulados sobre o seu escaninho.

Espera-se, também, que a aceleração da vacinação da população possa propiciar uma adesão cada vez maior às manifestações contra o governo. Integrantes da esquerda já começam a argumentar, mesmo quando timidamente, que uma relativização do isolamento social pode ser necessária para aumentar a pressão sobre o Congresso e a Procuradoria-Geral da República (PGR) - duas instituições onde Bolsonaro ainda transita bem.

O presidente, contudo, está longe de poder testar com tranquilidade uma suposta “onipresença” - ou capacidade de ser bem tratado aonde quer que vá. O escracho de homens públicos tornou-se, infelizmente, uma prática comum no cenário político esgarçado que ajudou a construir. As tais aparições “inopinadas”, como gosta de chamar as interações imprevistas que costuma ter com a população quando sai do ambiente palaciano ou da bolha das redes sociais, começam a se tornar um problema para a imagem de líder popular que busca consolidar.

No início do mês, em meio a uma visita ao Espírito Santo, o presidente entrou numa aeronave comercial de forma inesperada. Discursou. Aplaudido e vaiado, dirigiu-se aos críticos e disse que não deveriam viajar de avião, mas sim de “jegue”. Reação incompreensível para quem está em campanha e precisa se aproximar do eleitor nordestino.

Há outro exemplo mais recente, de segunda-feira. Bolsonaro decidiu visitar, enfim, uma unidade de saúde no interior de São Paulo, em mais um compromisso não divulgado previamente. Após ser recebido aos berros e xingamentos, descontou naqueles que tentavam entrevistá-lo.

O chefe do Executivo parece ter se desacostumado a dar entrevistas coletivas, raridades desde que tomou posse, embora até seus aliados próximos reconheçam que cada vez mais o presidente precisará se expor em público para defender seu legado. Estão mantidas, pelo menos por enquanto, as próximas viagens domésticas previstas na agenda presidencial.

Também longe de ser onisciente, Jair Messias passou a enfrentar a contraposição da CPI da Covid, que, além de buscar desmontar seu discurso, tentará levar adiante a difícil tarefa de demonstrar quantas vidas poderiam ter sido poupadas no Brasil.

A comissão parlamentar de inquérito do Senado, aliás, tem sido um dos órgãos fundamentais para a implosão das expectativas daqueles que queriam um presidente onipotente. Toda semana alguma instituição da República o recorda que o chefe do Poder Executivo não é, no atual regime político, aquele que tudo pode. Com frequência, o Judiciário é quem assume a missão. Mas, a CPI não é coadjuvante.

Até tem inovado com a utilização de recursos audiovisuais em suas sessões. A exibição de vídeos da atuação do presidente e seus principais auxiliares durante a crise vem se mostrando uma estratégia efetiva, embora cansativa e muitas vezes constrangedora para aqueles que, na prática, acabam passando por uma espécie de acareação em tempo real. Quanto a Bolsonaro, pode tentar interpelá-lo em breve.

A própria dinâmica da CPI da Covid demonstra falibilidade da estratégia do Palácio do Planalto. Isso porque ela fez com que a proporcionalidade voltasse à mesa no Senado como fator preponderante das negociações entre os partidos e blocos. Tanto que um senador do MDB e outro do PSD ficaram com os postos mais estratégicos do colegiado, a relatoria e a presidência.

“Eles do governo esmagaram a proporcionalidade. Em qualquer Parlamento do mundo é esta a regra para organizar os trabalhos: o tamanho das bancadas”, explica uma influente liderança política, segundo quem isso se deu por meio do manejo das verbas orçamentárias, principalmente as que dificilmente são rastreadas pelos órgãos de controle. “A grande surpresa é que eles achavam que eram majoritários no Senado, mas a composição da CPI mostrou o contrário. Na hora que se recompôs a proporcionalidade, eles ficaram minoritários e não acreditam nisso. Aí tentaram intervir nos partidos e substituir as pessoas, pressionaram o presidente [do Senado, Rodrigo Pacheco] para não instalar. Mas, o STF determinou e eles vão fazendo obstrução.”

Tais recursos, acrescenta a fonte, serão destinados principalmente para os redutos eleitorais dos aliados do governo. Por isso, pode-se esperar que uma próxima batalha seja travada novamente em torno do Orçamento.

A execução da peça deste ano, maculada pelas manobras que subestimaram despesas obrigatórias e aumentaram o poder das emendas de relator, tende a enfrentar resistências. O governo precisa do apoio majoritário do Congresso para cumprir a chamada “regra de ouro” das finanças públicas, via aprovação do projeto de lei que solicita a abertura de crédito suplementar de R$ 164 bilhões. Em relação às discussões a respeito do Orçamento do ano que vem, o Executivo ainda tem tempo de se consolidar na liderança do processo e evitar novas surpresas. A atual conjuntura é oportunidade para a oposição, mas também para os aliados do governo que querem dele se aproveitar.

 

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