Valor Econômico
Maior vacinação pode aumentar adesão a
protestos
Parlamentares independentes e de oposição
estão otimistas com o que consideram uma oportunidade de ouro para confrontar o
governo de um presidente que sempre gostou de agir como se fosse onipresente,
onipotente e onisciente.
Não que estejam dadas as circunstâncias
necessárias para a interrupção do mandato do presidente Bolsonaro. Mas,
acreditam, Jair Messias vive seu pior momento.
A pandemia está longe de ficar sob controle. A aposta na retomada da economia, com o aumento de gastos sociais e investimentos públicos, pode esbarrar em dificuldades para a execução dos orçamentos deste ano e de 2022. No Senado, a CPI da Covid tende a radicalizar. Os requerimentos governistas terão pouca aceitação da maioria. E na Câmara, o presidente Arthur Lira (PP-AL) precisará ter paciência: crescerão as cobranças para que analise os pedidos de impeachment acumulados sobre o seu escaninho.
Espera-se, também, que a aceleração da
vacinação da população possa propiciar uma adesão cada vez maior às
manifestações contra o governo. Integrantes da esquerda já começam a
argumentar, mesmo quando timidamente, que uma relativização do isolamento
social pode ser necessária para aumentar a pressão sobre o Congresso e a
Procuradoria-Geral da República (PGR) - duas instituições onde Bolsonaro ainda
transita bem.
O presidente, contudo, está longe de poder
testar com tranquilidade uma suposta “onipresença” - ou capacidade de ser bem
tratado aonde quer que vá. O escracho de homens públicos tornou-se,
infelizmente, uma prática comum no cenário político esgarçado que ajudou a
construir. As tais aparições “inopinadas”, como gosta de chamar as interações
imprevistas que costuma ter com a população quando sai do ambiente palaciano ou
da bolha das redes sociais, começam a se tornar um problema para a imagem de
líder popular que busca consolidar.
No início do mês, em meio a uma visita ao
Espírito Santo, o presidente entrou numa aeronave comercial de forma
inesperada. Discursou. Aplaudido e vaiado, dirigiu-se aos críticos e disse que
não deveriam viajar de avião, mas sim de “jegue”. Reação incompreensível para
quem está em campanha e precisa se aproximar do eleitor nordestino.
Há outro exemplo mais recente, de
segunda-feira. Bolsonaro decidiu visitar, enfim, uma unidade de saúde no
interior de São Paulo, em mais um compromisso não divulgado previamente. Após
ser recebido aos berros e xingamentos, descontou naqueles que tentavam
entrevistá-lo.
O chefe do Executivo parece ter se
desacostumado a dar entrevistas coletivas, raridades desde que tomou posse,
embora até seus aliados próximos reconheçam que cada vez mais o presidente
precisará se expor em público para defender seu legado. Estão mantidas, pelo
menos por enquanto, as próximas viagens domésticas previstas na agenda
presidencial.
Também longe de ser onisciente, Jair
Messias passou a enfrentar a contraposição da CPI da Covid, que, além de buscar
desmontar seu discurso, tentará levar adiante a difícil tarefa de demonstrar
quantas vidas poderiam ter sido poupadas no Brasil.
A comissão parlamentar de inquérito do
Senado, aliás, tem sido um dos órgãos fundamentais para a implosão das
expectativas daqueles que queriam um presidente onipotente. Toda semana alguma
instituição da República o recorda que o chefe do Poder Executivo não é, no
atual regime político, aquele que tudo pode. Com frequência, o Judiciário é
quem assume a missão. Mas, a CPI não é coadjuvante.
Até tem inovado com a utilização de
recursos audiovisuais em suas sessões. A exibição de vídeos da atuação do
presidente e seus principais auxiliares durante a crise vem se mostrando uma
estratégia efetiva, embora cansativa e muitas vezes constrangedora para aqueles
que, na prática, acabam passando por uma espécie de acareação em tempo real.
Quanto a Bolsonaro, pode tentar interpelá-lo em breve.
A própria dinâmica da CPI da Covid demonstra
falibilidade da estratégia do Palácio do Planalto. Isso porque ela fez com que
a proporcionalidade voltasse à mesa no Senado como fator preponderante das
negociações entre os partidos e blocos. Tanto que um senador do MDB e outro do
PSD ficaram com os postos mais estratégicos do colegiado, a relatoria e a
presidência.
“Eles do governo esmagaram a
proporcionalidade. Em qualquer Parlamento do mundo é esta a regra para
organizar os trabalhos: o tamanho das bancadas”, explica uma influente
liderança política, segundo quem isso se deu por meio do manejo das verbas
orçamentárias, principalmente as que dificilmente são rastreadas pelos órgãos
de controle. “A grande surpresa é que eles achavam que eram majoritários no
Senado, mas a composição da CPI mostrou o contrário. Na hora que se recompôs a
proporcionalidade, eles ficaram minoritários e não acreditam nisso. Aí tentaram
intervir nos partidos e substituir as pessoas, pressionaram o presidente [do
Senado, Rodrigo Pacheco] para não instalar. Mas, o STF determinou e eles vão
fazendo obstrução.”
Tais recursos, acrescenta a fonte, serão
destinados principalmente para os redutos eleitorais dos aliados do governo.
Por isso, pode-se esperar que uma próxima batalha seja travada novamente em
torno do Orçamento.
A execução da peça deste ano, maculada
pelas manobras que subestimaram despesas obrigatórias e aumentaram o poder das
emendas de relator, tende a enfrentar resistências. O governo precisa do apoio
majoritário do Congresso para cumprir a chamada “regra de ouro” das finanças
públicas, via aprovação do projeto de lei que solicita a abertura de crédito
suplementar de R$ 164 bilhões. Em relação às discussões a respeito do Orçamento
do ano que vem, o Executivo ainda tem tempo de se consolidar na liderança do
processo e evitar novas surpresas. A atual conjuntura é oportunidade para a
oposição, mas também para os aliados do governo que querem dele se aproveitar.
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