segunda-feira, 21 de junho de 2021

Irapuã Santana - A cor do cárcere

O Globo

Na semana passada, participei de uma audiência pública no STF, presidida pelo eminente ministro Gilmar Mendes, para discutir o sistema prisional brasileiro. Minha missão — em nome da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes — era expor o recorte racial que precisa existir nesse debate.

Por ser um caso de grande relevância para o país, refletido na mais alta Corte nacional, confesso que fiquei bastante nervoso, mas enfrentei as dificuldades e fiz minha apresentação abordando todos os pontos que desejava: (i) a foto atual das penitenciárias; (ii) um histórico do aprisionamento da população negra no Brasil; (iii) o impacto do coronavírus sobre os negros; e, por fim, (iv) a desumanização nas cadeias por causa do racismo.

Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, a população carcerária pátria é predominantemente negra, contando 64% do total, havendo também uma curva crescente no que diz respeito ao aprisionamento dessa parcela da sociedade. Enquanto o encarceramento de pessoas brancas caiu 19% nos últimos 15 anos, o número de negros presos subiu 14%. E, ao contrário do que possa parecer e do senso comum, os estudos sobre o tema mostram que brancos cometem mais crimes do que negros, mas tendem a ter um julgamento tão mais brando quanto mais clara for a cor da pele.

Essa ideia de que negros cometem mais crimes foi construída historicamente, com a utilização do poder coercivo do Estado. É só lembrar que o Brasil impedia o negro de ter um emprego e, ao mesmo tempo, criminalizou o fato de alguém não ter renda e a mendicância, além das práticas e costumes de pessoas escravizadas, como a capoeira. Em verdade, já no século XIX, o sistema penal era extremamente racializado, e hoje temos uma nefasta perpetuação desse panorama ora desenhado.

O impacto da pandemia sobre a população negra brasileira — e até mesmo mundial — é evidente. Negros são os mais expostos, por pertencer às camadas mais baixas de renda da sociedade e por figurar nos postos de trabalho ditos essenciais. Além disso, falta acesso a itens básicos, como água limpa para lavar as mãos, bem como a um serviço de saúde minimamente aparelhado para oferecer tratamento adequado.

Tal quadro é fruto do processo de desumanização sobre o qual se fundou o país. Quando se fala no racismo, precisamos entender que esse fenômeno produz a exclusão e o sentimento de não pertencimento, que gera situações inaceitáveis, como o caso em que o Departamento Penitenciário Nacional propôs que presos contaminados pela Covid-19 fossem removidos para contêineres. Essa classificação como seres humanos de segunda categoria faz com que o imaginário coletivo desenhe o negro como um suspeito de crime violento. Ser considerado um ser humano de segunda classe permite que um casal branco aborde violentamente um jovem negro, atribuindo-lhe o furto de uma bicicleta elétrica, sem qualquer evidência concreta. Ter menos valor na sociedade é o que faz serem rotina sessões de tortura dos presos.

Assim, vemos que o sistema carcerário, infelizmente, tem cor. Até quando?

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário