sexta-feira, 4 de junho de 2021

Lauro Jardim - Vitória de Bolsonaro e da indisciplina

- O Globo

A decisão do comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, de não punir Eduardo Pazuello por sua participação em uma manifestação política, contrariando o que diz de modo inequívoco o regulamento disciplinar da força, é uma vitória não só de Jair Bolsonaro — mas da indisciplina no Exército.

Significa que o Alto Comando não teve autoridade para cumprir um regulamento pelo qual deveria zelar. Não teve coragem de enfrentar um Bolsonaro que dia a dia mostra querer fazer da instituição o "seu" Exército. 

Na semana passada, Bolsonaro disse de forma acintosa em sua live semanal que o ato em que Pazuello subiu num palanque não fora político. Foi afrontoso ao Exército e à sociedade. É uma afirmação que não se sustenta. E é contraditória com o que ele próprio afirmou naquela transmissão sobre o evento: "Foi um movimento pela liberdade, pela democracia, e apoio ao presidente". 

Na terça-feira, Bolsonaro botou Pazuello para despachar dentro do Planalto, num cargo de assessoria. E fez questão de nomeá-lo enquanto o comandante do Exército decidia sobre a punição do ex-ministro da Saúde. O recado estava dado por Bolsonaro. 

Desde o ato das motocicletas todos os generais da ativa e da reserva foram unânimes em cravar que Pazuello teria que ser punido. Os adjetivos sobre o que ocorreu variavam de "grave" a "inaceitável".

Havia um certo consenso de que a pena não deveria ser de prisão — uma advertência bastaria. Seja para não criar uma crise com o presidente da República, seja por que o importante, diziam eles, era que todos os integrantes das Forças Armadas soubessem que o regulamento existe para ser seguido.

O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann no mesmo dia do ato no Rio de Janeiro foi cristalino ao registrar que a punição a Pazuello era obrigatória "por que se ultrapassar desse limite qualquer sargento, tenente ou capitão poderá fazer o mesmo. Isso representa a implosão da hierarquia e da disciplina militares que até aqui permaneceram incólumes a tudo isso".

As Forças Armadas, portanto, abrem perigosamente as portas dos quartéis a outras manifestações. De que tipo e até aonde podem chegar, não se sabe. Como o Exército vai controlar seus integrantes a partir de agora? Se algum general da ativa se manifestar contra o presidente da República ficará também livre, leve e solto? Alguém acredita nisso? 

A decisão covarde tomada pelo Exército abre espaço para que Bolsonaro, o "mau militar" na definição precisa e concisa dada por Ernesto Geisel, siga avançando sobre um dos pilares das Forças Armadas — o respeito à hierarquia e à disciplina. E siga também avançando sobre outras instituições, seja elas quais forem. O capitão aplicou ao Exército um dos seus objetivos explícitos, a destruição das estruturas. Com a palavra o próprio Bolsonaro, num discurso do ano passado:"Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer". 

O curto comunicado de 44 palavras expedido pelo comando do Exército foi também uma péssima notícia que o Brasil recebeu a apenas quinze meses de uma eleição em que Bolsonaro, desde já, bota em dúvidas o resultado das urnas.

 

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