- O Globo
A decisão do comandante do Exército, Paulo
Sérgio Nogueira, de não punir Eduardo Pazuello por sua participação
em uma manifestação política, contrariando o que diz de modo inequívoco o
regulamento disciplinar da força, é uma vitória não só de Jair Bolsonaro —
mas da indisciplina no Exército.
Significa que o Alto Comando não teve
autoridade para cumprir um regulamento pelo qual deveria zelar. Não teve
coragem de enfrentar um Bolsonaro que dia a dia mostra querer fazer da
instituição o "seu" Exército.
Na semana passada, Bolsonaro disse de forma
acintosa em sua live semanal que o ato em que Pazuello subiu num palanque não
fora político. Foi afrontoso ao Exército e à sociedade. É uma afirmação que não
se sustenta. E é contraditória com o que ele próprio afirmou naquela
transmissão sobre o evento: "Foi um movimento pela liberdade, pela
democracia, e apoio ao presidente".
Na terça-feira, Bolsonaro botou Pazuello
para despachar dentro do Planalto, num cargo de assessoria. E fez questão de
nomeá-lo enquanto o comandante do Exército decidia sobre a punição do
ex-ministro da Saúde. O recado estava dado por Bolsonaro.
Desde o ato das motocicletas todos os generais da ativa e da reserva foram unânimes em cravar que Pazuello teria que ser punido. Os adjetivos sobre o que ocorreu variavam de "grave" a "inaceitável".
Havia um certo consenso de que a pena não
deveria ser de prisão — uma advertência bastaria. Seja para não criar uma crise
com o presidente da República, seja por que o importante, diziam eles, era que
todos os integrantes das Forças Armadas soubessem que o regulamento existe para
ser seguido.
O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann no
mesmo dia do ato no Rio de Janeiro foi cristalino ao registrar que a punição a
Pazuello era obrigatória "por que se ultrapassar desse limite qualquer
sargento, tenente ou capitão poderá fazer o mesmo. Isso representa a implosão
da hierarquia e da disciplina militares que até aqui permaneceram incólumes a
tudo isso".
As Forças Armadas, portanto, abrem
perigosamente as portas dos quartéis a outras manifestações. De que tipo e até
aonde podem chegar, não se sabe. Como o Exército vai controlar seus integrantes
a partir de agora? Se algum general da ativa se manifestar contra o presidente
da República ficará também livre, leve e solto? Alguém acredita nisso?
A decisão covarde tomada pelo Exército abre
espaço para que Bolsonaro, o "mau militar" na definição precisa e
concisa dada por Ernesto Geisel, siga avançando sobre um dos pilares das Forças
Armadas — o respeito à hierarquia e à disciplina. E siga também avançando sobre
outras instituições, seja elas quais forem. O capitão aplicou ao Exército um
dos seus objetivos explícitos, a destruição das estruturas. Com a palavra o
próprio Bolsonaro, num discurso do ano passado:"Nós temos é que
desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a
fazer".
O curto comunicado de 44 palavras expedido
pelo comando do Exército foi também uma péssima notícia que o Brasil recebeu a
apenas quinze meses de uma eleição em que Bolsonaro, desde já, bota em dúvidas
o resultado das urnas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário