quinta-feira, 17 de junho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

O jogo ainda vai começar

O Estado de S. Paulo

 “É Bolsonaro e Lula”, disse o ministro das Comunicações, Fábio Faria, ao avaliar o cenário para a eleição presidencial de 2022. A declaração taxativa, feita em entrevista à Jovem Pan, mistura análise política e torcida: no cálculo dos bolsonaristas, as chances eleitorais do presidente Jair Bolsonaro crescerão se o oponente mais viável na campanha do ano que vem for mesmo, como sugerem as pesquisas, o líder petista Lula da Silva, cujo passivo judicial e político resulta em considerável rejeição.

A mais de um ano da eleição, qualquer projeção como a do ministro Faria é obviamente hipotética e provavelmente precipitada, e mais ainda porque decerto haverá outros candidatos relevantes além de Bolsonaro e Lula.

Compreende-se a pressa dos bolsonaristas em delimitar o certame o mais rapidamente possível, não só para capturar apoio de forças políticas que ainda não se definiram, mas para desde já investir no antipetismo como arma eleitoral, cuja eficiência é comprovada desde as eleições municipais de 2016 e que foi diretamente responsável pela vitória de Bolsonaro em 2018.

Contudo, malgrado a barulheira que produzem, nem só de Bolsonaro e Lula se faz a política brasileira. Na terça-feira passada, o governador de São Paulo, João Doria, anunciou oficialmente que disputará as prévias do PSDB para ser o candidato do partido à Presidência em 2022. Já são bastante conhecidas as pretensões presidenciais de Doria, mas a formalização de sua disposição em concorrer ao Palácio do Planalto coloca no jogo um postulante que tem a enorme visibilidade do governo de São Paulo.

Argumenta-se que Doria, assim como os outros tucanos que se declararam candidatos, está muito mal posicionado nas pesquisas de intenção de voto. No entanto, uma vez definido o candidato tucano nas prévias, esse nome pode ganhar tração – afinal, uma candidatura se prova viável ao longo da campanha, e não em razão de pesquisas feitas quando ainda nem se sabe ao certo quem serão os candidatos.

No Brasil de Bolsonaro e Lula, contudo, campanhas eleitorais não têm hora e dia para acontecer: o presidente tem feito comícios praticamente desde o momento em que acorda, a exemplo do que Lula fazia quando esteve no Palácio do Planalto e jamais deixou de fazer nem mesmo quando esteve na cadeia.

Assim, é boa notícia que os nomes fora da polarização entre Bolsonaro e Lula comecem a se apresentar como candidatos de fato, atraindo, nessa condição, a atenção do vasto eleitorado que repele tanto o populismo bolsonarista como a demagogia lulopetista.

Nesse sentido, a informação de que o apresentador de TV Luciano Huck não será candidato à Presidência reduz o leque de opções do chamado centro democrático, mas ao mesmo tempo indica que a disputa tende a se concentrar em nomes já conhecidos e com alguma rodagem. Uma campanha contra adversários como Lula e Bolsonaro, que literalmente fazem o diabo para ganhar uma eleição, demanda couro grosso.

Também é boa notícia que estejam em curso conversas entre esses postulantes centristas. Não se trata de nutrir a ilusão de que desse diálogo possa surgir uma aliança em torno de uma candidatura única no primeiro turno, como se chegou a aventar, mas de esperar que pelo menos haja um acordo de civilidade e de propósitos comuns. A barbárie e a desfaçatez precisam ser seriamente desafiadas pelo bom senso e pela razão.

Ao contrário do que desejam fazer parecer os bolsonaristas e os lulopetistas, os finalistas da eleição do ano que vem ainda não foram definidos. E aproxima-se rapidamente a hora em que Bolsonaro e Lula não serão os únicos em campanha.

Quando outros nomes estiverem formalmente na disputa, o eleitor terá então condições de escolher se quer continuar com a mendacidade crônica de Bolsonaro, se quer recolocar no Palácio do Planalto a desfaçatez obscena de Lula ou se prefere a promessa de um governo que seja simplesmente normal – o que, num país às voltas há duas décadas com a corrupção e os delírios do lulopetismo e do bolsonarismo, seria algo revolucionário.

O crime avança sobre as urnas

O Estado de S. Paulo

Há anos o Estado do Rio de Janeiro lidera o ranking de inquéritos por crimes eleitorais. É um sintoma da degradação da política fluminense que já resultou na prisão de vários líderes regionais. Mas nos últimos dois anos, como mostrou reportagem do Estado, verificou-se uma mudança de padrão: o aumento de crimes eleitorais associados à lavagem de dinheiro, corrupção, peculato, tráfico de influência e organização criminosa. É mais um indício da infiltração do crime organizado, especialmente das milícias, na esfera política.

Entre 2013 e 2020 foram abertas 3.487 investigações no Rio. Isso significa 28,1 inquéritos por grupo de 100 mil eleitores. A título de exemplo, em São Paulo são 7,3; em Minas, 6,8; e na Bahia, 5,1. “O número alto me parece ser em função dessa força, dessa atuação de um Estado paralelo do crime organizado, que acaba tendo uma repercussão no processo eleitoral que vem desde 2008”, disse o juiz Luiz Márcio Pereira, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio.

As milícias nasceram como grupos paramilitares de policiais da reserva ou da ativa que extorquiam as comunidades carentes, atemorizadas pelo tráfico, em troca de segurança. Ante a omissão do Estado, os negócios se expandiram para a agiotagem, ofertas de serviços clandestinos, grilagem, construção civil, contrabando e tráfico de armas e drogas. Segundo o Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, 55,7% do território da capital é controlado pelas milícias; 15,4%, pelo narcotráfico; e 25,2% estão sob disputa.

“Como quem controla o território controla o voto, as milícias e o crime organizado passaram a colocar nos Legislativos municipais e estadual seus representantes, formando as suas bancadas. Estas, por sua vez, passaram a indicar representantes seus ou aliados para cargos no Executivo na área de segurança pública, numa verdadeira metástase”, disse em artigo no Estado o ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann. “Paulatinamente, outras partes do Estado são capturadas – forças de segurança, órgãos de controle, Judiciário, Ministério Público – e forma-se uma associação criminosa baseada na mútua proteção e no rateio dos ganhos do crime.”

Em 2020, por exemplo, só dois candidatos a vereador foram autorizados pelas milícias a fazer campanha nas favelas de Rio das Pedras e Muzema: Marcello Siciliano (Progressistas), investigado por ligações com as milícias que chegou a ser apontado como um dos suspeitos do assassinato de Marielle Franco, e Marcelo Diniz (Solidariedade), suspeito de extorquir comerciantes e moradores de Muzema. Na cidade de Duque de Caxias, Danilo Francisco da Silva (MDB), suspeito de ser o chefe de um grupo de extermínio, foi o oitavo candidato mais bem votado. O vereador Jairinho, acusado de torturar até a morte o menino Henry, de 4 anos, é herdeiro eleitoral do pai, o Coronel Jairo, que na CPI das Milícias de 2008 foi apontado como um dos chefes da Liga da Justiça, a maior milícia do Rio à época.

Mas seria um erro isolar o fenômeno ao Rio. O Estado fluminense representa apenas o estágio mais avançado de uma metástase. Em todo o Brasil o narcotráfico se expande a olhos vistos e em pelo menos 23 dos 27 Estados da Federação há atividades das milícias. Segundo um levantamento do Globo, em 2020, 31 candidatos a prefeituras e Câmaras de vereadores eram de alguma forma suspeitos de envolvimento com o crime organizado. Destes, 7 se elegeram e 12 integram as listas de suplentes.

Como se sabe, as suspeitas de envolvimento com milicianos chegam ao próprio poder federal. O senador Flavio Bolsonaro (Republicanos) é acusado de se beneficiar de um esquema de “rachadinha” quando deputado estadual, coordenado pelo ex-PM Fabrício Queiroz, por sua vez suspeito de colaborar com Adriano da Nóbrega, chefão da milícia fluminense morto no ano passado. Em 2008, o então deputado Jair Bolsonaro chegou a dizer sobre as milícias que “o governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os traficantes, e talvez, no futuro, legalizá-las”. Tudo indica que este futuro está cada vez mais presente.

Os desafios do SUS

O Estado de S. Paulo

O Centro de Liderança Pública (CLP) e o Estado firmaram uma profícua parceria para promover “um diálogo plural e profundo sobre grandes temas que definem os rumos do País”, a série de debates intitulada Lado D.

O primeiro de oito debates semanais, mediados pelo cientista político Luiz Felipe d’Avila, fundador do CLP, estreou no dia 15 passado e tratou do Sistema Único de Saúde (SUS), dos valores que inspiraram seu advento, há mais de três décadas, aos desafios para o aprimoramento do maior sistema de saúde universal e gratuito do mundo. Participaram desta primeira conversa o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, as médicas Thelma Assis e Amanda Meirelles e a repórter Fabiana Cambricoli, especialista na cobertura da área de saúde do Estado.

Os próximos episódios, que serão exibidos às terças-feiras, às 17 horas, tratarão de racismo (22/6), equidade de gênero (29/6), violência e impunidade (6/7), desigualdade social (13/7), democracia nas redes (20/7), sociedade (27/7) e educação (3/8). 

O momento para promover conversas francas e cordiais entre pessoas com perfis e pontos de vista tão distintos como os convidados para o Lado D não poderia ser mais apropriado. Para os milhões de brasileiros que não se deixam seduzir por projetos de poder personalistas – que, ao mesmo tempo que oferecem soluções simplórias e erradas para os problemas nacionais, aviltam os atributos mais comezinhos da democracia, promovem a desunião e turvam o debate público ao semear desinformação –, nada mais alentador do que iniciativas como esta parceria entre o CLP e o Estado para mostrar que há saídas para nossas mazelas e que um esforço de concertação nacional poderá transformar a realidade brasileira.

No episódio de abertura, Felipe d’Avila lembrou que a concepção de um sistema de saúde universal e gratuito foi tratada como “utopia” por uns ou “loucura” por outros durante os debates havidos na Assembleia Constituinte. Passadas mais de três décadas, a pandemia de covid-19 mostrou de forma cabal que o SUS é uma das maiores conquistas civilizatórias da sociedade brasileira. Contudo, foi acidentado o caminho percorrido pela “utopia” até o consenso nacional de que o SUS foi diretamente responsável por evitar um número ainda maior de mortes nesta peste. 

Se, por um lado, a pandemia mostrou a importância do SUS e o exemplo que o modelo brasileiro – inspirado no National Health Service (NHS) britânico – é para o mundo, por outro, lançou luz sobre as deficiências que precisam ser superadas para que o sistema possa dar conta do atendimento de qualidade a uma população cada vez mais dependente dos serviços públicos.

“Utopia é todo brasileiro ter um plano de saúde em um país tão desigual”, disse Thelma Assis, que passou boa parte de seus dez anos de prática médica em hospitais da rede pública de saúde. De fato, cerca de 7 em cada 10 brasileiros acorrem aos hospitais e postos de saúde do SUS quando precisam de atendimento médico, de baixa, média ou alta complexidades. E este número tende a aumentar, dada a profunda crise econômica e social que, não é de hoje, tem lançado cada vez mais brasileiros na pobreza.

Na visão de Mandetta, o SUS perdeu uma de suas principais fortalezas, a coordenação entre União, Estados e municípios, especialmente importante no enfrentamento de uma pandemia. “Foi com esta expectativa (de qualidade) que o mundo tem em relação ao SUS que nós entramos nesta pandemia”, disse o ex-ministro da Saúde. A postura belicosa do presidente Jair Bolsonaro, que passou a confrontar governadores e prefeitos que não rezavam o credo negacionista que o inspira, foi decisiva para minar o que Mandetta classificou como “um dos aspectos mais bonitos do SUS”, o pacto federativo. “(Com a troca da equipe) o sistema se fragmentou”, disse.

Este talvez seja o primeiro grande desafio para a construção do “SUS do futuro”: restabelecer as pontes obliteradas pelo desgoverno de Jair Bolsonaro. Há muitos outros, como o renitente subfinanciamento do sistema. Mas tudo passa por esta primeira superação fundamental. Palavras têm sentido. “Único” não designa o sistema modelo por acaso.

Lei de Improbidade Administrativa tem mesmo de mudar

O Globo

Até 2013, a Lei de Improbidade Administrativa, de 1992, era o principal instrumento jurídico usado para combater a corrupção no país. Com a aprovação naquele ano da Lei Anticorrupção e da Lei das Organizações Criminosas — que deram origem a uma nova era de ações contra corruptos, cujo maior exemplo foi a Operação Lava-Jato —, o país passou a contar com um arcabouço mais moderno para enfrentar aqueles que usam o Estado em benefício próprio. Mesmo assim, a Lei de Improbidade continuou essencial em casos de desvios, enriquecimento ilícito ou recebimento de vantagem indevida.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que o avanço do combate à corrupção acarretou um aumento nas condenações por improbidade, de pouco menos de 1.300, em 2014, para mais de 2.500, em 2018. Naquele ano, uma comissão de juristas foi encarregada de sugerir alterações para aperfeiçoar a lei. O país já vivia o refluxo da onda anticorrupção resultante da Lava-Jato, e o Parlamento aproveitava toda oportunidade para enfraquecer as garras das autoridades.

No caso da Lei de Improbidade Administrativa, contudo, muitas das alterações aprovadas ontem na Câmara são justificáveis. É o caso da principal mudança: a exigência de que se comprove o “dolo”, ou a intenção expressa, do agente público para condená-lo. Mesmo que possa tornar mais difícil a aplicação nos casos menos explícitos de desvios, é uma mudança importante por evitar o abuso da legislação para punir o que, na verdade, pode não passar de erros administrativos.

Da forma como vem sendo aplicada, a Lei de Improbidade tem funcionado para inibir os bons profissionais de tomar parte na gestão pública, onde se veem sob constante ameaça de processos. Mais que isso, os gestores evitam adotar práticas inovadoras, por medo de que depois sejam condenadas nos tribunais. É importante que tenham o direito a ousar e a errar, sobretudo em momentos de emergência que exigem decisões urgentes, como a atual crise sanitária.

É preciso, porém, que as mudanças não inibam o combate à corrupção. É bem-vinda a inclusão, pela nova lei, do nepotismo entre os atos sujeitos a punição. Também é positivo o agravamento da pena máxima de suspensão de direitos políticos. Só faltou estabelecer as penas mínimas aos condenados. O Senado terá a obrigação de examinar essa e outras ressalvas.

Na versão final do texto, o próprio relator retirou a brecha para que os inocentados cobrassem indenização dos investigadores. Tratava-se de incentivo absurdo a que não se investigasse nada. Se é verdade que gestores não devem ser punidos por erros inocentes, continua a ser dever do Ministério Público denunciar indícios de crime, mesmo que a apuração posterior inocente os acusados. Como os gestores, procuradores também não podem ser penalizados apenas por errar.

Outra mudança adequada no texto foi a manutenção da possibilidade, ainda que excepcional, de punição com perda de mandato se o condenado não estiver mais no cargo em que cometeu os crimes. Nesse quesito, um dos primeiros beneficiados pela nova lei seria o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), condenado em dois processos por improbidade quando deputado estadual.

Vetar ‘passaporte de imunidade’ porá o Brasil na contramão do mundo

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro anunciou, na última terça-feira, que vetará o “passaporte de imunidade” se o projeto, em tramitação no Congresso, for aprovado. Chamado de Certificado de Imunização e Segurança Sanitária (CSS) na proposta já aprovada pelo Senado e encaminhada à Câmara, a iniciativa visa a garantir trânsito livre em espaços públicos ou privados àqueles que apresentarem comprovante de vacinação. Um dos objetivos é alavancar os setores — como turismo, cultura e lazer — que foram devastados pelo novo coronavírus.

Importante dizer que não se trata de uma jabuticaba brasileira. O passaporte vem sendo adotado no mundo inteiro. O Arquipélago de Seychelles, que reúne 115 ilhas paradisíacas no Oceano Índico, foi um dos primeiros a implantá-lo, abrindo as portas para viajantes que já tenham tomado as duas doses de vacinas contra a Covid-19. Hoje a exigência de certificados faz parte da rotina em Israel, Estados Unidos e países da Europa, como Alemanha, onde as campanhas de imunização estão adiantadas. Em muitos lugares, são vistos como a salvação para o turismo doméstico ou externo.

Embora ganhe mais adeptos a cada dia, a adoção do passaporte não é consensual. Há que considerar as ressalvas. Ter um certificado de vacinação não significa que alguém não possa transmitir o vírus, já que as vacinas protegem contra as formas graves da doença, mas não impedem sua disseminação (daí a recomendação de epidemiologistas para que as medidas de prevenção sejam mantidas mesmo após a imunização). Há críticas também ao cerceamento do direito de ir e vir. Muitos países estão vacinando apenas adultos. Isso exclui expressivos contingentes de adolescentes e crianças. Por fim, a estigmatização de quem não quer se vacinar é outra questão a discutir.

Apesar de todas essas considerações, parece inevitável que o mundo caminhe para exigir comprovantes de vacinação à medida que as campanhas avançam. Na terça-feira, o estado de Nova York, onde 70% já receberam pelo menos a primeira dose, celebrou o fim das medidas de restrição para prevenir a Covid-19. Muitos estabelecimentos nova-iorquinos exigem o comprovante de imunização.

O que desagrada a Bolsonaro é a ideia de um passaporte sanitário embutir a obrigatoriedade da vacina. O presidente a rechaça de forma veemente — não se pode esquecer que ele sempre sabotou a vacinação. Como sobreviveriam, de resto, os terraplanistas incensados pelo Planalto ao longo da pandemia se todos precisarem apresentar certificado de vacinação para entrar em estádios, cinemas, teatros etc.?

Por enquanto, devido aos baixos índices de cobertura — 27% receberam a primeira dose e 11% as duas —, a discussão não engrenou no Brasil. Mas é inexorável. Experiências de outros países mostram que o certificado de vacinação pode ser um indutor para a retomada de atividades que foram arrasadas pelo vírus. Ao vetar o projeto, Bolsonaro colocará o Brasil, mais uma vez, na contramão do mundo. O Congresso não pode permitir tal insensatez.

Centro estreito

Folha de S. Paulo

Por exclusão, PSDB toma a dianteira na tentativa de uma terceira via em 2022

Faltam um ano e quatro meses até a eleição presidencial. Em política, trata-se de uma eternidade, o que equivale a afirmar que tudo o que não é proibido pelas leis da física pode acontecer. Isso dito, a perdurarem as atuais tendências, o espaço para a muito debatida candidatura de centro vai se estreitando.

Os protagonistas no processo são o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ora líder nas pesquisas, e o atual, Jair Bolsonaro. Por mais enfraquecido que este pareça hoje, governantes que disputam a própria reeleição costumam ser competitivos. E, no que caracteriza o fenômeno da polarização, a candidatura de um reforça a do outro.

Não se segue daí que os dois se espelhem em radicalismo, compromissos democráticos ou moralidade, mas que a rejeição de grande parcela do eleitorado a Lula beneficia Bolsonaro, e a ojeriza de outra parte a Bolsonaro favorece Lula.

Mas, se tal cenário traz dificuldades para um nome ao centro, não chega a ser um impeditivo. Acontecimentos recentes, ao reduzir o estoque de potenciais postulantes pela chamada terceira via, a tornam, em tese, mais viável.

O apresentador de TV Luciano Huck anunciou sua desistência. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta tem suas possibilidades diminuídas pela autoimplosão de seu partido, o DEM.

O ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro também parece cada vez mais afastado da política, em boa medida devido aos reveses sofridos nos últimos meses, na esteira da divulgação das mensagens trocadas com procuradores da Operação Lava Jato.

Restam Ciro Gomes (PDT), mais à esquerda, e o candidato do PSDB, ainda por ser definido. Embora o partido tenha fracassado no último pleito presidencial, com menos de 5% dos votos válidos, permanece uma força considerável.

A legenda acaba de tomar a decisão importante de realizar prévias —um avanço, ainda que o peso do voto dos mandatários (75%) seja muito superior ao da preferência dos filiados (25%). Estão no páreo, agora, os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS), o senador Tasso Jereissati (CE) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio.

Além de governar o estado mais rico do país, Doria tem a seu favor o empenho na vacinação. Entretanto carrega problemas consideráveis de imagem, como ter se associado a Bolsonaro em 2018 e usado cargos eletivos como trampolim político —fora o escasso apelo fora de São Paulo.

O caminho da terceira via não se mostra fácil, mas, repita-se, há tempo considerável até a eleição. O país continuará às voltas com os impactos das crises sanitária e econômica, para os quais esperam-se respostas de todas as candidaturas.

Biden na Europa

Folha de S. Paulo

Americano avança aos poucos com seu plano contra a China, mas sem resultado com Putin

O presidente americano, Joe Biden, tem pressa. Em quase cinco meses de mandato, buscou abarcar diversos problemas externos e internos, cioso do capital político resultante da disputa na qual derrotou Donald Trump em 2020.

Tal abordagem traz riscos naturais de frustrações. Mas, ao menos no campo internacional, o líder do principal país do mundo parece ter achado um foco renovado em seu embate projetado com a China.
Um homem do século 20, Biden tem usado ferramentas diplomáticas tradicionais na sua empreitada.

Ele encerrou nesta quarta (16) uma visita de oito dias pela Europa, na qual cumpriu o papel mais desprezado por seu antecessor, o de uma liderança gregária.

Assim, arrancou da reunião com o grupo de países ricos do G7 a inclusão de termos duros contra Pequim em comunicado conjunto. Na sequência, fez o mesmo no escopo militar da Otan, a aliança criada em 1949 para fustigar a então União Soviética que segue em perdida missão contra a Rússia.

Aqui o efeito foi menos drástico do que ali: um clube maior, com 30 membros, a Otan abarca países nitidamente refratários a desagradar diretamente os chineses, como é o caso da Hungria e da Polônia.

Ainda assim, a potência asiática entrou no rol de incômodos à segurança ocidental em um documento da aliança pela primeira vez.

No dia seguinte, terça (15), foi a vez da cenoura. Com membros da União Europeia, bloco cuja filiação quase se sobrepõe à da Otan, Biden patrocinou o fim de uma longa disputa tarifária entre as gigantes de aviação Boeing (EUA) e Airbus (um consórcio europeu).

Teoricamente, a ação visa unir forças para evitar a entrada dos aviões chineses da Comac, estatal em ascensão, no mercado internacional. Parece algo exagerado, dada a penetração possível do produto rival, mas demonstra que a retórica ganha contornos práticos.

Apesar dos limites enfrentados, a incursão só não foi um sucesso total porque no último dia ele teve deve de deixar a rival da Guerra Fria 2.0 de lado e lidar com o titular da primeira edição do torneio.

Ao encontrar-se com Putin em Genebra, desfiou suas insatisfações e ouviu as do russo, sem avanços bombásticos para apresentar em temas como a disputa na Ucrânia ou os direitos humanos.

Para o otimista, ao menos os homens que guardam 90% das ogivas nucleares do mundo tiveram uma conversa franca. É um começo.

Fed vê condições para aumento de juros em 2023

Valor Econômico

Fed aposta na acomodação da inflação e uma reação vigorosa do emprego

O Federal Reserve americano começará a aumentar os juros em 2023, mais cedo do que indicado pelo cenário anterior (início de 2024) para a condução da política monetária. É possível que esse calendário retroceda mais. Cresceu o número de membros do Fed que preveem um ajuste nos juros antes, em 2022 - eram 5, agora são 8 - e o presidente do banco, Jerome Powell, afirmou que a redução das compras mensais de US$ 120 bilhões em títulos do Tesouro e hipotecas será discutida nas próximas reuniões, embora afirme que as condições atuais ainda estejam distantes dos “progressos substanciais” em relação às metas para inflação e o emprego.

O crescimento americano previsto para 2021 foi elevado de 6,5% para 7%, enquanto que a inflação ao consumidor dará um salto de 2,4% para 3,4% e seu núcleo evoluirá de 2,2% para 3% nas estimativas para o ano. O índice de desemprego deverá recuar até 4,5% neste ano, e terminar o próximo em 3,8%, para chegar a 3,5% em 2023, com uma tendência de longo prazo avaliada em 4%.

Ainda que a inflação esteja nada moderadamente acima dos 2%, objetivo nos comunicados do Fed, e o desemprego já esteja abaixo dos 4% de longo prazo já no ano que vem, as condições para mover a política monetária, segundo Powell, não estão dadas.

A inflação de curto prazo não quer dizer muita coisa para o Fed, que manteve seu diagnóstico de que os índices correntes, de 5% nos doze meses encerrados em maio, e de 3,8% para seu núcleo (no caso, o maior desde 1992), revelam um retrato temporário da evolução do nível de preços. Eles estão respondendo a uma “demanda inusualmente forte” - na sequência de uma queda também excepcional - motivada pela abertura decorrente do controle da pandemia.

Embora, segundo Powell, seja cedo para declarar vitória contra a covid-19, é impossível dizer com alguma certeza o timing do retorno da inflação para o leito dos 2% ou, em uma hipótese também considerada, para que ela se torne persistente e ameace a consecução da meta. Há gargalos de produção causados por um avanço muito forte do consumo, efeitos estatísticos da base de comparação muito baixa do início da pandemia e também, e mais importante, uma reacomodação em curso do nível relativo de preços. Os setores para os quais se dirigiu a demanda sob as restrições da pandemia, bens de consumo como material de construção, eletrônicos e informática, tendem a voltar à normalidade e diminuir o ritmo de seu aumento de preços. Por outro lado, já se observa que os serviços, esmagados pelo distanciamento social, reagem com ímpeto, com os preços voltando-se para cima.

A aposta do Fed é na acomodação da inflação e uma reação ainda mais vigorosa do emprego, que Powell vislumbra que ocorrerá dentro de “pouco tempo”. Nesse ponto, a situação também é transitória, com pontos de interrogação ao redor. Há pouca compatibilidade entre o robusto número de vagas oferecidas e a quantidade abaixo do esperado de pessoas que as buscaram. Isso se ajustará, segundo Powell, mas a dúvida é saber em que nível o emprego poderá ser considerado pleno. A expansão do mercado de trabalho no último ciclo, o mais longo da história americana, foi muito além do que os economistas e o Fed supunham que fosse a plena ocupação dos recursos do trabalho. Não há certeza de que se voltará a esse ponto agora. Pelas previsões estatísticas divulgadas, os juros começam a subir quando, em 2023, o desemprego estiver na casa dos 3,5%.

O presidente do Fed disse que o banco não está atrás da curva, como temem os investidores. Powell afirmou que as expectativas de inflação de longo prazo, que são as que mais importam, continuam ancoradas e que o Fed “não hesitará em ajustar a instância monetária” caso haja um deslocamento que coloque em xeque os objetivos da política do banco. O problema que o banco tem de resolver, segundo ele, não depende de novo arcabouço de política do Fed -, obter uma inflação acima de 2% por algum tempo-, mas é subjacente a qualquer política monetária: separar a inflação temporária da que responde a fatores que podem se tornar persistentes. Isso só será resolvido pela evolução da economia e pelas estatísticas que forem chegando.

Powell disse que o banco terá um plano, comunicado com antecedência, de como e quando iniciará a redução da compra de títulos mensais de US$ 120 bilhões. Se as condições estiverem dadas, o Fed não terá receios de fazer o “taper”, contou.

 

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