EDITORIAIS
O jogo ainda vai começar
O Estado de S. Paulo
A mais de um ano da eleição, qualquer
projeção como a do ministro Faria é obviamente hipotética e provavelmente
precipitada, e mais ainda porque decerto haverá outros candidatos relevantes
além de Bolsonaro e Lula.
Compreende-se a pressa dos bolsonaristas em
delimitar o certame o mais rapidamente possível, não só para capturar apoio de
forças políticas que ainda não se definiram, mas para desde já investir no
antipetismo como arma eleitoral, cuja eficiência é comprovada desde as eleições
municipais de 2016 e que foi diretamente responsável pela vitória de Bolsonaro
em 2018.
Contudo, malgrado a barulheira que produzem, nem só de Bolsonaro e Lula se faz a política brasileira. Na terça-feira passada, o governador de São Paulo, João Doria, anunciou oficialmente que disputará as prévias do PSDB para ser o candidato do partido à Presidência em 2022. Já são bastante conhecidas as pretensões presidenciais de Doria, mas a formalização de sua disposição em concorrer ao Palácio do Planalto coloca no jogo um postulante que tem a enorme visibilidade do governo de São Paulo.
Argumenta-se que Doria, assim como os
outros tucanos que se declararam candidatos, está muito mal posicionado nas
pesquisas de intenção de voto. No entanto, uma vez definido o candidato tucano
nas prévias, esse nome pode ganhar tração – afinal, uma candidatura se prova
viável ao longo da campanha, e não em razão de pesquisas feitas quando ainda
nem se sabe ao certo quem serão os candidatos.
No Brasil de Bolsonaro e Lula, contudo,
campanhas eleitorais não têm hora e dia para acontecer: o presidente tem feito
comícios praticamente desde o momento em que acorda, a exemplo do que Lula
fazia quando esteve no Palácio do Planalto e jamais deixou de fazer nem mesmo
quando esteve na cadeia.
Assim, é boa notícia que os nomes fora da
polarização entre Bolsonaro e Lula comecem a se apresentar como candidatos de
fato, atraindo, nessa condição, a atenção do vasto eleitorado que repele tanto
o populismo bolsonarista como a demagogia lulopetista.
Nesse sentido, a informação de que o
apresentador de TV Luciano Huck não será candidato à Presidência reduz o leque
de opções do chamado centro democrático, mas ao mesmo tempo indica que a
disputa tende a se concentrar em nomes já conhecidos e com alguma rodagem. Uma
campanha contra adversários como Lula e Bolsonaro, que literalmente fazem o
diabo para ganhar uma eleição, demanda couro grosso.
Também é boa notícia que estejam em curso
conversas entre esses postulantes centristas. Não se trata de nutrir a ilusão
de que desse diálogo possa surgir uma aliança em torno de uma candidatura única
no primeiro turno, como se chegou a aventar, mas de esperar que pelo menos haja
um acordo de civilidade e de propósitos comuns. A barbárie e a desfaçatez
precisam ser seriamente desafiadas pelo bom senso e pela razão.
Ao contrário do que desejam fazer parecer
os bolsonaristas e os lulopetistas, os finalistas da eleição do ano que vem
ainda não foram definidos. E aproxima-se rapidamente a hora em que Bolsonaro e
Lula não serão os únicos em campanha.
Quando outros nomes estiverem formalmente
na disputa, o eleitor terá então condições de escolher se quer continuar com a
mendacidade crônica de Bolsonaro, se quer recolocar no Palácio do Planalto a
desfaçatez obscena de Lula ou se prefere a promessa de um governo que seja
simplesmente normal – o que, num país às voltas há duas décadas com a corrupção
e os delírios do lulopetismo e do bolsonarismo, seria algo revolucionário.
O crime avança sobre as urnas
O Estado de S. Paulo
Há anos o Estado do Rio de Janeiro lidera o
ranking de inquéritos por crimes eleitorais. É um sintoma da degradação da
política fluminense que já resultou na prisão de vários líderes regionais. Mas
nos últimos dois anos, como mostrou reportagem do Estado, verificou-se uma
mudança de padrão: o aumento de crimes eleitorais associados à lavagem de
dinheiro, corrupção, peculato, tráfico de influência e organização criminosa. É
mais um indício da infiltração do crime organizado, especialmente das milícias,
na esfera política.
Entre 2013 e 2020 foram abertas 3.487
investigações no Rio. Isso significa 28,1 inquéritos por grupo de 100 mil
eleitores. A título de exemplo, em São Paulo são 7,3; em Minas, 6,8; e na
Bahia, 5,1. “O número alto me parece ser em função dessa força, dessa atuação
de um Estado paralelo do crime organizado, que acaba tendo uma repercussão no
processo eleitoral que vem desde 2008”, disse o juiz Luiz Márcio Pereira, do
Tribunal Regional Eleitoral do Rio.
As milícias nasceram como grupos
paramilitares de policiais da reserva ou da ativa que extorquiam as
comunidades carentes, atemorizadas pelo tráfico, em troca de segurança. Ante a
omissão do Estado, os negócios se expandiram para a agiotagem, ofertas de
serviços clandestinos, grilagem, construção civil, contrabando e tráfico de
armas e drogas. Segundo o Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, 55,7% do território
da capital é controlado pelas milícias; 15,4%, pelo narcotráfico; e 25,2% estão
sob disputa.
“Como quem controla o território controla o
voto, as milícias e o crime organizado passaram a colocar nos Legislativos
municipais e estadual seus representantes, formando as suas bancadas. Estas,
por sua vez, passaram a indicar representantes seus ou aliados para cargos no
Executivo na área de segurança pública, numa verdadeira metástase”, disse em
artigo no Estado o ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann.
“Paulatinamente, outras partes do Estado são capturadas – forças de segurança,
órgãos de controle, Judiciário, Ministério Público – e forma-se uma associação
criminosa baseada na mútua proteção e no rateio dos ganhos do crime.”
Em 2020, por exemplo, só dois candidatos a
vereador foram autorizados pelas milícias a fazer campanha nas favelas de Rio
das Pedras e Muzema: Marcello Siciliano (Progressistas), investigado por
ligações com as milícias que chegou a ser apontado como um dos suspeitos do
assassinato de Marielle Franco, e Marcelo Diniz (Solidariedade), suspeito de
extorquir comerciantes e moradores de Muzema. Na cidade de Duque de Caxias,
Danilo Francisco da Silva (MDB), suspeito de ser o chefe de um grupo de
extermínio, foi o oitavo candidato mais bem votado. O vereador Jairinho,
acusado de torturar até a morte o menino Henry, de 4 anos, é herdeiro eleitoral
do pai, o Coronel Jairo, que na CPI das Milícias de 2008 foi apontado como um
dos chefes da Liga da Justiça, a maior milícia do Rio à época.
Mas seria um erro isolar o fenômeno ao Rio.
O Estado fluminense representa apenas o estágio mais avançado de uma metástase.
Em todo o Brasil o narcotráfico se expande a olhos vistos e em pelo menos 23
dos 27 Estados da Federação há atividades das milícias. Segundo um levantamento
do Globo, em 2020, 31 candidatos a prefeituras e Câmaras de vereadores
eram de alguma forma suspeitos de envolvimento com o crime organizado. Destes,
7 se elegeram e 12 integram as listas de suplentes.
Como se sabe, as suspeitas de envolvimento
com milicianos chegam ao próprio poder federal. O senador Flavio Bolsonaro
(Republicanos) é acusado de se beneficiar de um esquema de “rachadinha” quando
deputado estadual, coordenado pelo ex-PM Fabrício Queiroz, por sua vez suspeito
de colaborar com Adriano da Nóbrega, chefão da milícia fluminense morto no ano
passado. Em 2008, o então deputado Jair Bolsonaro chegou a dizer sobre as
milícias que “o governo deveria apoiá-las, já que não consegue combater os
traficantes, e talvez, no futuro, legalizá-las”. Tudo indica que este futuro
está cada vez mais presente.
Os desafios do SUS
O Estado de S. Paulo
O Centro de Liderança Pública (CLP) e
o Estado firmaram uma profícua parceria para promover “um diálogo
plural e profundo sobre grandes temas que definem os rumos do País”, a série de
debates intitulada Lado D.
O primeiro de oito debates semanais,
mediados pelo cientista político Luiz Felipe d’Avila, fundador do CLP, estreou
no dia 15 passado e tratou do Sistema Único de Saúde (SUS), dos valores que
inspiraram seu advento, há mais de três décadas, aos desafios para o
aprimoramento do maior sistema de saúde universal e gratuito do mundo.
Participaram desta primeira conversa o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta,
as médicas Thelma Assis e Amanda Meirelles e a repórter Fabiana Cambricoli,
especialista na cobertura da área de saúde do Estado.
Os próximos episódios, que serão exibidos
às terças-feiras, às 17 horas, tratarão de racismo (22/6), equidade de gênero
(29/6), violência e impunidade (6/7), desigualdade social (13/7), democracia
nas redes (20/7), sociedade (27/7) e educação (3/8).
O momento para promover conversas francas e
cordiais entre pessoas com perfis e pontos de vista tão distintos como os
convidados para o Lado D não poderia ser mais apropriado. Para os
milhões de brasileiros que não se deixam seduzir por projetos de poder
personalistas – que, ao mesmo tempo que oferecem soluções simplórias e erradas
para os problemas nacionais, aviltam os atributos mais comezinhos da
democracia, promovem a desunião e turvam o debate público ao semear
desinformação –, nada mais alentador do que iniciativas como esta parceria
entre o CLP e o Estado para mostrar que há saídas para nossas mazelas
e que um esforço de concertação nacional poderá transformar a realidade
brasileira.
No episódio de abertura, Felipe d’Avila
lembrou que a concepção de um sistema de saúde universal e gratuito foi tratada
como “utopia” por uns ou “loucura” por outros durante os debates havidos na Assembleia
Constituinte. Passadas mais de três décadas, a pandemia de covid-19 mostrou de
forma cabal que o SUS é uma das maiores conquistas civilizatórias da sociedade
brasileira. Contudo, foi acidentado o caminho percorrido pela “utopia” até o
consenso nacional de que o SUS foi diretamente responsável por evitar um número
ainda maior de mortes nesta peste.
Se, por um lado, a pandemia mostrou a
importância do SUS e o exemplo que o modelo brasileiro – inspirado no National
Health Service (NHS) britânico – é para o mundo, por outro, lançou luz sobre as
deficiências que precisam ser superadas para que o sistema possa dar conta do
atendimento de qualidade a uma população cada vez mais dependente dos serviços
públicos.
“Utopia é todo brasileiro ter um plano de saúde
em um país tão desigual”, disse Thelma Assis, que passou boa parte de seus dez
anos de prática médica em hospitais da rede pública de saúde. De fato, cerca de
7 em cada 10 brasileiros acorrem aos hospitais e postos de saúde do SUS quando
precisam de atendimento médico, de baixa, média ou alta complexidades. E este
número tende a aumentar, dada a profunda crise econômica e social que, não é de
hoje, tem lançado cada vez mais brasileiros na pobreza.
Na visão de Mandetta, o SUS perdeu uma de
suas principais fortalezas, a coordenação entre União, Estados e municípios,
especialmente importante no enfrentamento de uma pandemia. “Foi com esta
expectativa (de qualidade) que o mundo tem em relação ao SUS que nós entramos
nesta pandemia”, disse o ex-ministro da Saúde. A postura belicosa do presidente
Jair Bolsonaro, que passou a confrontar governadores e prefeitos que não
rezavam o credo negacionista que o inspira, foi decisiva para minar o que
Mandetta classificou como “um dos aspectos mais bonitos do SUS”, o pacto
federativo. “(Com a troca da equipe) o sistema se fragmentou”, disse.
Este talvez seja o primeiro grande desafio
para a construção do “SUS do futuro”: restabelecer as pontes obliteradas pelo
desgoverno de Jair Bolsonaro. Há muitos outros, como o renitente
subfinanciamento do sistema. Mas tudo passa por esta primeira superação
fundamental. Palavras têm sentido. “Único” não designa o sistema modelo por
acaso.
Lei de Improbidade Administrativa tem mesmo de mudar
O Globo
Até 2013, a Lei de Improbidade
Administrativa, de 1992, era o principal instrumento jurídico usado para
combater a corrupção no país. Com a aprovação naquele ano da Lei Anticorrupção
e da Lei das Organizações Criminosas — que deram origem a uma nova era de ações
contra corruptos, cujo maior exemplo foi a Operação Lava-Jato —, o país passou
a contar com um arcabouço mais moderno para enfrentar aqueles que usam o Estado
em benefício próprio. Mesmo assim, a Lei de Improbidade continuou essencial em
casos de desvios, enriquecimento ilícito ou recebimento de vantagem indevida.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
mostram que o avanço do combate à corrupção acarretou um aumento nas
condenações por improbidade, de pouco menos de 1.300, em 2014, para mais de
2.500, em 2018. Naquele ano, uma comissão de juristas foi encarregada de
sugerir alterações para aperfeiçoar a lei. O país já vivia o refluxo da onda
anticorrupção resultante da Lava-Jato, e o Parlamento aproveitava toda oportunidade
para enfraquecer as garras das autoridades.
No caso da Lei de Improbidade
Administrativa, contudo, muitas das alterações aprovadas ontem na Câmara são
justificáveis. É o caso da principal mudança: a exigência de que se comprove o
“dolo”, ou a intenção expressa, do agente público para condená-lo. Mesmo que
possa tornar mais difícil a aplicação nos casos menos explícitos de desvios, é
uma mudança importante por evitar o abuso da legislação para punir o que, na
verdade, pode não passar de erros administrativos.
Da forma como vem sendo aplicada, a Lei de
Improbidade tem funcionado para inibir os bons profissionais de tomar parte na
gestão pública, onde se veem sob constante ameaça de processos. Mais que isso,
os gestores evitam adotar práticas inovadoras, por medo de que depois sejam
condenadas nos tribunais. É importante que tenham o direito a ousar e a errar,
sobretudo em momentos de emergência que exigem decisões urgentes, como a atual
crise sanitária.
É preciso, porém, que as mudanças não
inibam o combate à corrupção. É bem-vinda a inclusão, pela nova lei, do
nepotismo entre os atos sujeitos a punição. Também é positivo o agravamento da
pena máxima de suspensão de direitos políticos. Só faltou estabelecer as penas
mínimas aos condenados. O Senado terá a obrigação de examinar essa e outras
ressalvas.
Na versão final do texto, o próprio relator
retirou a brecha para que os inocentados cobrassem indenização dos
investigadores. Tratava-se de incentivo absurdo a que não se investigasse nada.
Se é verdade que gestores não devem ser punidos por erros inocentes, continua a
ser dever do Ministério Público denunciar indícios de crime, mesmo que a
apuração posterior inocente os acusados. Como os gestores, procuradores também
não podem ser penalizados apenas por errar.
Outra mudança adequada no texto foi a
manutenção da possibilidade, ainda que excepcional, de punição com perda de
mandato se o condenado não estiver mais no cargo em que cometeu os crimes.
Nesse quesito, um dos primeiros beneficiados pela nova lei seria o presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), condenado em dois processos por improbidade
quando deputado estadual.
Vetar ‘passaporte de imunidade’ porá o
Brasil na contramão do mundo
O Globo
O presidente Jair Bolsonaro anunciou, na
última terça-feira, que vetará o “passaporte de imunidade” se o projeto, em
tramitação no Congresso, for aprovado. Chamado de Certificado de Imunização e
Segurança Sanitária (CSS) na proposta já aprovada pelo Senado e encaminhada à
Câmara, a iniciativa visa a garantir trânsito livre em espaços públicos ou
privados àqueles que apresentarem comprovante de vacinação. Um dos objetivos é
alavancar os setores — como turismo, cultura e lazer — que foram devastados
pelo novo coronavírus.
Importante dizer que não se trata de uma
jabuticaba brasileira. O passaporte vem sendo adotado no mundo inteiro. O
Arquipélago de Seychelles, que reúne 115 ilhas paradisíacas no Oceano Índico,
foi um dos primeiros a implantá-lo, abrindo as portas para viajantes que já
tenham tomado as duas doses de vacinas contra a Covid-19. Hoje a exigência de
certificados faz parte da rotina em Israel, Estados Unidos e países da Europa,
como Alemanha, onde as campanhas de imunização estão adiantadas. Em muitos
lugares, são vistos como a salvação para o turismo doméstico ou externo.
Embora ganhe mais adeptos a cada dia, a
adoção do passaporte não é consensual. Há que considerar as ressalvas. Ter um
certificado de vacinação não significa que alguém não possa transmitir o vírus,
já que as vacinas protegem contra as formas graves da doença, mas não impedem
sua disseminação (daí a recomendação de epidemiologistas para que as medidas de
prevenção sejam mantidas mesmo após a imunização). Há críticas também ao
cerceamento do direito de ir e vir. Muitos países estão vacinando apenas
adultos. Isso exclui expressivos contingentes de adolescentes e crianças. Por
fim, a estigmatização de quem não quer se vacinar é outra questão a discutir.
Apesar de todas essas considerações, parece
inevitável que o mundo caminhe para exigir comprovantes de vacinação à medida
que as campanhas avançam. Na terça-feira, o estado de Nova York, onde 70% já
receberam pelo menos a primeira dose, celebrou o fim das medidas de restrição
para prevenir a Covid-19. Muitos estabelecimentos nova-iorquinos exigem o
comprovante de imunização.
O que desagrada a Bolsonaro é a ideia de um
passaporte sanitário embutir a obrigatoriedade da vacina. O presidente a
rechaça de forma veemente — não se pode esquecer que ele sempre sabotou a
vacinação. Como sobreviveriam, de resto, os terraplanistas incensados pelo
Planalto ao longo da pandemia se todos precisarem apresentar certificado de
vacinação para entrar em estádios, cinemas, teatros etc.?
Por enquanto, devido aos baixos índices de cobertura — 27% receberam a primeira dose e 11% as duas —, a discussão não engrenou no Brasil. Mas é inexorável. Experiências de outros países mostram que o certificado de vacinação pode ser um indutor para a retomada de atividades que foram arrasadas pelo vírus. Ao vetar o projeto, Bolsonaro colocará o Brasil, mais uma vez, na contramão do mundo. O Congresso não pode permitir tal insensatez.
Centro estreito
Folha de S. Paulo
Por exclusão, PSDB toma a dianteira na
tentativa de uma terceira via em 2022
Faltam um ano e quatro meses até a eleição
presidencial. Em política, trata-se de uma eternidade, o que equivale a afirmar
que tudo o que não é proibido pelas leis da física pode acontecer. Isso dito, a
perdurarem as atuais tendências, o espaço para a muito debatida candidatura de
centro vai se estreitando.
Os protagonistas no processo são o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ora líder nas pesquisas, e o
atual, Jair Bolsonaro. Por mais enfraquecido que este pareça hoje, governantes
que disputam a própria reeleição costumam ser competitivos. E, no que
caracteriza o fenômeno da polarização, a candidatura de um reforça a do outro.
Não se segue daí que os dois se espelhem em
radicalismo, compromissos democráticos ou moralidade, mas que a rejeição de
grande parcela do eleitorado a Lula beneficia Bolsonaro, e a ojeriza de outra
parte a Bolsonaro favorece Lula.
Mas, se tal cenário traz dificuldades para
um nome ao centro, não chega a ser um impeditivo. Acontecimentos recentes, ao
reduzir o estoque de potenciais
postulantes pela chamada terceira via, a tornam, em tese, mais
viável.
O apresentador de TV Luciano Huck anunciou
sua desistência. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta tem
suas possibilidades diminuídas pela autoimplosão de seu partido, o DEM.
O ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio
Moro também parece cada vez mais afastado da política, em boa medida devido aos
reveses sofridos nos últimos meses, na esteira da divulgação das mensagens
trocadas com procuradores da Operação Lava Jato.
Restam Ciro Gomes (PDT), mais à esquerda, e
o candidato do PSDB, ainda por ser definido. Embora o partido tenha fracassado
no último pleito presidencial, com menos de 5% dos votos válidos, permanece uma
força considerável.
A legenda acaba de tomar a decisão
importante de realizar prévias —um avanço, ainda que o peso do
voto dos mandatários (75%) seja muito superior ao da preferência dos filiados
(25%). Estão no páreo, agora, os governadores João Doria
(SP) e Eduardo Leite (RS), o senador Tasso Jereissati (CE) e o
ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio.
Além de governar o estado mais rico do
país, Doria tem a seu favor o empenho na vacinação. Entretanto carrega
problemas consideráveis de imagem, como ter se associado a Bolsonaro em 2018 e
usado cargos eletivos como trampolim político —fora o escasso apelo fora de São
Paulo.
O caminho da terceira via não se mostra
fácil, mas, repita-se, há tempo considerável até a eleição. O país continuará
às voltas com os impactos das crises sanitária e econômica, para os quais
esperam-se respostas de todas as candidaturas.
Biden na Europa
Folha de S. Paulo
Americano avança aos poucos com seu plano
contra a China, mas sem resultado com Putin
O presidente americano, Joe Biden, tem
pressa. Em quase cinco meses de mandato, buscou abarcar diversos problemas
externos e internos, cioso do capital político resultante da disputa na qual
derrotou Donald Trump em 2020.
Tal abordagem traz riscos naturais de
frustrações. Mas, ao menos no campo internacional, o líder do principal país do
mundo parece ter achado um foco renovado em seu embate projetado com a China.
Um homem do século 20, Biden tem usado ferramentas diplomáticas tradicionais na
sua empreitada.
Ele encerrou nesta quarta (16) uma visita de
oito dias pela Europa, na qual cumpriu o papel mais desprezado por
seu antecessor, o de uma liderança gregária.
Assim, arrancou da reunião com o grupo de
países ricos do G7 a inclusão de termos duros contra Pequim em comunicado
conjunto. Na sequência, fez o mesmo no escopo militar da Otan, a aliança criada
em 1949 para fustigar a então União Soviética que segue em perdida missão
contra a Rússia.
Aqui o efeito foi menos drástico do que
ali: um clube maior, com 30 membros, a Otan abarca países nitidamente
refratários a desagradar diretamente os chineses, como é o caso da Hungria e da
Polônia.
Ainda assim, a potência asiática entrou no
rol de incômodos à segurança ocidental em um documento da aliança pela primeira
vez.
No dia seguinte, terça (15), foi a vez da
cenoura. Com membros da União Europeia, bloco cuja filiação quase se sobrepõe à
da Otan, Biden
patrocinou o fim de uma longa disputa
tarifária entre as gigantes de aviação Boeing (EUA) e Airbus (um
consórcio europeu).
Teoricamente, a ação visa unir forças para
evitar a entrada dos aviões chineses da Comac, estatal em ascensão, no mercado
internacional. Parece algo exagerado, dada a penetração possível do produto
rival, mas demonstra que a retórica ganha contornos práticos.
Apesar dos limites enfrentados, a incursão
só não foi um sucesso total porque no último dia ele teve deve de deixar a
rival da Guerra Fria 2.0 de lado e lidar com o titular da primeira edição do
torneio.
Ao encontrar-se com Putin em Genebra,
desfiou suas insatisfações e ouviu as do russo, sem avanços
bombásticos para apresentar em temas como a disputa na Ucrânia
ou os direitos humanos.
Para o otimista, ao menos os homens que guardam 90% das ogivas nucleares do mundo tiveram uma conversa franca. É um começo.
Fed vê condições para aumento de juros em
2023
Valor Econômico
Fed aposta na acomodação da inflação e uma
reação vigorosa do emprego
O Federal Reserve americano começará a aumentar
os juros em 2023, mais cedo do que indicado pelo cenário anterior (início de
2024) para a condução da política monetária. É possível que esse calendário
retroceda mais. Cresceu o número de membros do Fed que preveem um ajuste nos
juros antes, em 2022 - eram 5, agora são 8 - e o presidente do banco, Jerome
Powell, afirmou que a redução das compras mensais de US$ 120 bilhões em títulos
do Tesouro e hipotecas será discutida nas próximas reuniões, embora afirme que
as condições atuais ainda estejam distantes dos “progressos substanciais” em
relação às metas para inflação e o emprego.
O crescimento americano previsto para 2021
foi elevado de 6,5% para 7%, enquanto que a inflação ao consumidor dará um
salto de 2,4% para 3,4% e seu núcleo evoluirá de 2,2% para 3% nas estimativas
para o ano. O índice de desemprego deverá recuar até 4,5% neste ano, e terminar
o próximo em 3,8%, para chegar a 3,5% em 2023, com uma tendência de longo prazo
avaliada em 4%.
Ainda que a inflação esteja nada
moderadamente acima dos 2%, objetivo nos comunicados do Fed, e o desemprego já
esteja abaixo dos 4% de longo prazo já no ano que vem, as condições para mover
a política monetária, segundo Powell, não estão dadas.
A inflação de curto prazo não quer dizer
muita coisa para o Fed, que manteve seu diagnóstico de que os índices
correntes, de 5% nos doze meses encerrados em maio, e de 3,8% para seu núcleo
(no caso, o maior desde 1992), revelam um retrato temporário da evolução do
nível de preços. Eles estão respondendo a uma “demanda inusualmente forte” - na
sequência de uma queda também excepcional - motivada pela abertura decorrente
do controle da pandemia.
Embora, segundo Powell, seja cedo para
declarar vitória contra a covid-19, é impossível dizer com alguma certeza o
timing do retorno da inflação para o leito dos 2% ou, em uma hipótese também
considerada, para que ela se torne persistente e ameace a consecução da meta.
Há gargalos de produção causados por um avanço muito forte do consumo, efeitos
estatísticos da base de comparação muito baixa do início da pandemia e também,
e mais importante, uma reacomodação em curso do nível relativo de preços. Os
setores para os quais se dirigiu a demanda sob as restrições da pandemia, bens
de consumo como material de construção, eletrônicos e informática, tendem a
voltar à normalidade e diminuir o ritmo de seu aumento de preços. Por outro
lado, já se observa que os serviços, esmagados pelo distanciamento social,
reagem com ímpeto, com os preços voltando-se para cima.
A aposta do Fed é na acomodação da inflação
e uma reação ainda mais vigorosa do emprego, que Powell vislumbra que ocorrerá
dentro de “pouco tempo”. Nesse ponto, a situação também é transitória, com
pontos de interrogação ao redor. Há pouca compatibilidade entre o robusto
número de vagas oferecidas e a quantidade abaixo do esperado de pessoas que as
buscaram. Isso se ajustará, segundo Powell, mas a dúvida é saber em que nível o
emprego poderá ser considerado pleno. A expansão do mercado de trabalho no
último ciclo, o mais longo da história americana, foi muito além do que os
economistas e o Fed supunham que fosse a plena ocupação dos recursos do
trabalho. Não há certeza de que se voltará a esse ponto agora. Pelas previsões
estatísticas divulgadas, os juros começam a subir quando, em 2023, o desemprego
estiver na casa dos 3,5%.
O presidente do Fed disse que o banco não
está atrás da curva, como temem os investidores. Powell afirmou que as
expectativas de inflação de longo prazo, que são as que mais importam,
continuam ancoradas e que o Fed “não hesitará em ajustar a instância monetária”
caso haja um deslocamento que coloque em xeque os objetivos da política do
banco. O problema que o banco tem de resolver, segundo ele, não depende de novo
arcabouço de política do Fed -, obter uma inflação acima de 2% por algum
tempo-, mas é subjacente a qualquer política monetária: separar a inflação
temporária da que responde a fatores que podem se tornar persistentes. Isso só
será resolvido pela evolução da economia e pelas estatísticas que forem
chegando.
Powell disse que o banco terá um plano, comunicado
com antecedência, de como e quando iniciará a redução da compra de títulos
mensais de US$ 120 bilhões. Se as condições estiverem dadas, o Fed não terá
receios de fazer o “taper”, contou.
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