quarta-feira, 23 de junho de 2021

Vera Magalhães - Centrão fechado com Bolsonaro?

- O Globo

O Centrão, quem diria, vai vivendo um relacionamento monogâmico e estável com um presidente em crise de popularidade. Nas relações anteriores, ao primeiro sinal de turbulência, aquela miscelânea de partidos com figuras proeminentes da velha política já fazia as malas e ia procurar outro amor.

Por que, então, figuras total flex, que rodam com combustível do PT ao PSL, como Arthur Lira, Ricardo Barros, Ciro Nogueira e Fernando Bezerra Coelho estão “fechados com Bolsonaro”, como diz a hashtag?

A principal chave para entender tanta fidelidade se chama Orçamento Geral da União. Foi só quando desenvolveu a engenharia que dá a parlamentares aliados o acesso sem intermediário a gordas fatias desse bolo, com direito a contemplar diretamente bases aliadas e até empresas amigas, que o presidente passou a ser blindado contra qualquer intempérie aos olhos do Centrão, de CPI a pedidos de impeachment.

Em entrevista ao GLOBO, Lira nem tentou disfarçar: minimizou as mortes pela pandemia, exagerou no otimismo com a economia, tudo para dizer, no fim, que o que falta para que ele decida deixar andar algum processo de impeachment são circunstâncias políticas. Em bom português, enquanto houver emenda não tem tempo ruim.

Mais difícil de decifrar é a conversão de alguém que, a despeito de ser herdeiro de uma família política tradicional, sempre se apresentou como um político moderno, do diálogo, pouco afeito a ideologias cegas e à demonização de adversários e da imprensa.

Estou falando do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que chegou ao governo com a missão, por um breve período bem sucedida, de afastar Jair Bolsonaro dos olavistas, estabelecer pontes com a imprensa e profissionalizar a política de comunicação do governo.

Ele prometia, por exemplo, limpar a EBC, a empresa pública que mantém a TV Brasil, de militares lá encostados, e fazer com que as mais diferentes áreas do governo passassem a ter maior interlocução com a mídia, a fim de que as notícias positivas não fossem ofuscadas pelas tretas diárias criadas pelo entorno do presidente e pelo próprio.

Faria assumiu o recriado Ministério das Comunicações em junho de 2020 e começou a tentar, de fato, desviar Bolsonaro da rota de colisão com as instituições e das declarações negacionistas relativas à pandemia.

Mas parece ter capitulado do propósito, dados os arroubos de agressividade com a oposição, com a qual seu trânsito era louvado, com a imprensa e até com artistas (logo ele, genro de Sílvio Santos e amigo de tantos e tantas celebridades) nos últimos tempos.

É incompreensível que alguém cuja intenção declarada era distensionar o ambiente tenha aderido de forma tão convicta à retórica bolsonarista empedernida. Mesmo em relação à CPI, alguém com o festejado traquejo do ministro poderia ajudar Bolsonaro a tentar uma redução de danos, ao invés de dinamitar os barcos.

A aposta na radicalização bolsonarista desses expoentes de diferentes siglas e vertentes do Centrão parece ser a de que a pandemia vai passar, a economia vai crescer, Bolsonaro será reeleito e as portas do Orçamento e dos cargos continuará aberta. Trata-se de uma jogada de alto risco que esse tipo de político não costuma fazer sem deixar ao menos uma reserva de contingência em um plano B. 

Com a polarização entre Bolsonaro e Lula, fica mais difícil para essas figuras manterem um pé em cada canoa. Diante de tantos compromissos assumidos por Bolsonaro, seja com gastos da pandemia, seja com promessas como a do novo Bolsa Família ou de verba para o voto impresso, nada indica que o Orçamento continuará sendo um maná inesgotável por muito tempo. Será a hora do teste final de fidelidade dos caciques por ora fechados com o presidente. 

 

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