- O Globo
O Centrão, quem diria, vai vivendo um
relacionamento monogâmico e estável com um presidente em crise de popularidade.
Nas relações anteriores, ao primeiro sinal de turbulência, aquela miscelânea de
partidos com figuras proeminentes da velha política já fazia as malas e ia
procurar outro amor.
Por que, então, figuras total flex, que
rodam com combustível do PT ao PSL, como Arthur Lira, Ricardo Barros, Ciro
Nogueira e Fernando Bezerra Coelho estão “fechados com Bolsonaro”, como diz a
hashtag?
A principal chave para entender tanta
fidelidade se chama Orçamento Geral da União. Foi só quando desenvolveu a
engenharia que dá a parlamentares aliados o acesso sem intermediário a gordas
fatias desse bolo, com direito a contemplar diretamente bases aliadas e até
empresas amigas, que o presidente passou a ser blindado contra qualquer
intempérie aos olhos do Centrão, de CPI a pedidos de impeachment.
Em entrevista ao GLOBO, Lira nem tentou disfarçar: minimizou as mortes pela pandemia, exagerou no otimismo com a economia, tudo para dizer, no fim, que o que falta para que ele decida deixar andar algum processo de impeachment são circunstâncias políticas. Em bom português, enquanto houver emenda não tem tempo ruim.
Mais difícil de decifrar é a conversão de
alguém que, a despeito de ser herdeiro de uma família política tradicional,
sempre se apresentou como um político moderno, do diálogo, pouco afeito a
ideologias cegas e à demonização de adversários e da imprensa.
Estou falando do ministro das Comunicações,
Fábio Faria, que chegou ao governo com a missão, por um breve período bem
sucedida, de afastar Jair Bolsonaro dos olavistas, estabelecer pontes com a
imprensa e profissionalizar a política de comunicação do governo.
Ele prometia, por exemplo, limpar a EBC, a
empresa pública que mantém a TV Brasil, de militares lá encostados, e fazer com
que as mais diferentes áreas do governo passassem a ter maior interlocução com
a mídia, a fim de que as notícias positivas não fossem ofuscadas pelas tretas
diárias criadas pelo entorno do presidente e pelo próprio.
Faria assumiu o recriado Ministério das
Comunicações em junho de 2020 e começou a tentar, de fato, desviar Bolsonaro da
rota de colisão com as instituições e das declarações negacionistas relativas à
pandemia.
Mas parece ter capitulado do propósito,
dados os arroubos de agressividade com a oposição, com a qual seu trânsito era
louvado, com a imprensa e até com artistas (logo ele, genro de Sílvio Santos e
amigo de tantos e tantas celebridades) nos últimos tempos.
É incompreensível que alguém cuja intenção
declarada era distensionar o ambiente tenha aderido de forma tão convicta à
retórica bolsonarista empedernida. Mesmo em relação à CPI, alguém com o
festejado traquejo do ministro poderia ajudar Bolsonaro a tentar uma redução de
danos, ao invés de dinamitar os barcos.
A aposta na radicalização bolsonarista
desses expoentes de diferentes siglas e vertentes do Centrão parece ser a de
que a pandemia vai passar, a economia vai crescer, Bolsonaro será reeleito e as
portas do Orçamento e dos cargos continuará aberta. Trata-se de uma jogada de
alto risco que esse tipo de político não costuma fazer sem deixar ao menos uma
reserva de contingência em um plano B.
Com a polarização entre Bolsonaro e Lula,
fica mais difícil para essas figuras manterem um pé em cada canoa. Diante de
tantos compromissos assumidos por Bolsonaro, seja com gastos da pandemia, seja
com promessas como a do novo Bolsa Família ou de verba para o voto impresso,
nada indica que o Orçamento continuará sendo um maná inesgotável por muito
tempo. Será a hora do teste final de fidelidade dos caciques por ora fechados
com o presidente.
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